19 de outubro de 2008

Saídas confusas

Jornal O Estado do Maranhão

A educação de um povo, garante-me um amigo que já correu Ceca e Meca e olivais de Santarém, pode ser medida pela forma de conduzir automóveis. Não sei se isso é verdade. Se for, há motivos de preocupação com nossa cidade. Se fôssemos julgar pela postura de algumas pessoas ao volante, seria uma terra de gente mal educada. Ironicamente, o amigo chama a atenção para a falta de educação, exibida com orgulho. Onde? Nas portas das escolas, lugar de educação. O mau exemplo, diz ele, é dado pelos pais dos educandos. Estes, guiados por aqueles, acabarão igualmente mal educados. O que se vê é de lamentar, de fato. Na ânsia de apanhar seus amados filhos, depois das intermináveis três ou quatro horas de ausência, e não suportando mais tão longa separação, os pais não se importam de parar seus carros em filas duplas, triplas, quádruplas, impedindo a passagem de outros veículos. Não lhes ocorre, ou se ocorre não os comove, a possibilidade de alguém numa situação de emergência — um doente grave a caminho do hospital, um acidentado em busca de socorro urgente — tentar passar ali naquela hora. O importante é evitar a angústia do pobre rapaz, de não ver logo a mamãe ou o papai. Assim se evitarão traumas aos pobrezinhos. Danem-se o doente, o acidentado, o engarrafamento e a confusão. Na hora da saída das escolas, é um vale-tudo. Vale subir na calçada, buzinar desesperado, estacionar de qualquer jeito. Só não vale parar um pouco antes, ou depois, do portão e andar extenuantes cinqüenta ou cem metros. Cito o exemplo de uma escola do centro da cidade, porque tenho experiência da época em que trabalhei perto dela. A caminho de casa, tinha que passar diariamente na sua porta. Era sempre a mesma coisa: trânsito lento ou parado, esperando pelo saída dos alunos. Como em muitas outras saídas. O raciocínio dessas pessoas é simples. Digo mal. Não é simples, é simplista: fazer uma parada de, vamos dizer, trinta segundos no meio da rua, no lugar errado, não vai criar problema algum. Ora, se todos raciocinarem dessa mesma forma e tomarem a mesma atitude, o resultado é o que se vê. É a chamada falácia da composição. Em determinadas situações, se todos agirem com base, apenas, em seu interesse individual, o resultado será desastroso para todos, embora pareça vantajoso para cada um em particular. Espanta tratar-se de pessoas de classe média, com nível de renda alto, a julgar pelo valor das mensalidades escolares dos filhos ou seus carrões Formalmente, têm bom nível educacional. Vamos conceder o benefício da dúvida e admitir que sim. Mas, podem, no máximo, ter aprendido, quem sabe, soma e subtração. Como esse amigo diz, eles entraram na escola, mas a escola não entrou neles. Ou talvez entrou, mas era tão deficiente que não os formou. Deformou-os para o convívio social. Os órgãos encarregados do trânsito — não sei se municipais ou estaduais — têm sua parte de culpa. A sinalização de trânsito é ruim e a má conservação das ruas não ajuda. Mas o pedaço maior da culpa vai para os mal educados. Esse pessoal é o mesmo que não respeita a faixa de pedestre, ignora o sinal luminoso, anda na contramão (“’é só um pedacinho”), ultrapassa os limites de velocidade, não usa o cinto de segurança, reclama das barreiras eletrônicas, não pára na placa de “pare” e se acha o centro do mundo. No entanto, o cumprimento da lei é possível. Basta querer, não dar bola para a falsa importância dos infratores, alguns dos quais são da turma do “sabe com quem está falando?”. Brasília e outras cidades conseguiram. Nós também conseguiremos, se quisermos. Queremos mesmo? Esse pessoal sem educação bem que poderia ir à 2ª Feira do Livro de São Luís comprar livros e assistir palestras. Quem sabe, poderiam melhorar a própria educação e a dos filhos.

12 de outubro de 2008

A Feira do Livro

Jornal O Estado do Maranhão


A Feira começou. Falo da 2ª Feira do Livro de São Luís, que não é, de fato, a segunda, como a de 2007 não foi a primeira, na ordem cronológica de realização de evento cultural desse tipo em nossa cidade, porque outras, bem menores, já foram realizadas, mas nenhuma dúvida há de que, iniciada no ano passado, irá durar por muito tempo, em benefício da cultura maranhense, pois o novo prefeito a assumir a administração de São Luís em janeiro de 2009, em substituição a Tadeu Palácio, que a instituiu por lei, e as seguintes, irá cumprir rigorosamente e com igual brilho e entusiasmo a determinação inscrita na legislação municipal de realizá-la periodicamente. Tendo dela participado no ano passado e acompanhado um pouco mais de perto sua montagem este ano, sob o comando do presidente da Fundação Municipal de Cultura, Edirson Veloso, e a direção heróica da coordenadora geral, Lúcia Nascimento, com dedicação em tempo integral e a um ritmo frenético às tarefas de coordenação da montagem da Feira, enfrentando dificuldades próprias do setor público e inerentes à organização de um evento desse porte, com sua inevitavelmente complexa logística necessária para levar a bom termo a tarefa de fazê-lo acontecer, chego a pensar que a Feira deveria ser feita bienalmente, como as do Rio de Janeiro e de São Paulo, e não anualmente. Seria uma forma de garantir mais tempo a sua preparação e permitir a diluição de custos, sempre crescentes na proporção de seu crescimento e que enfrentam inevitavelmente as limitações do orçamento público ou, a esse respeito, de qualquer orçamento. Como se aprende no primeiro semestre dos cursos de economia, as necessidades humanas são sempre infinitas e os recursos para atendê-las, escassos. Não fora assim, estaríamos em verdade no paraíso, dedicados apenas às coisas do espírito, livres das enfadonhas e banais preocupações materiais da vida cotidiana. Como eu disse no ano passado, “acontecimento como esse não tem por fim a mera venda de livros, embora, evidentemente, a comercialização, ao colocar ao alcance das pessoas publicações que elas não teriam a oportunidade de conhecer sem a Feira, cumpre a importante função de ajudar na formação de novos leitores [...], fundamental no fortalecimento cultural de qualquer sociedade, e gera, ainda, na comercialização, incremento de renda para os agentes econômicos locais, objetivo econômico de que tanto se fala no discurso porém pouco se promove na prática”. É a chamada economia da cultura em ação, funcionando em favor da comunidade. A Feira presta este ano homenagem à Academia Maranhense de Letras, pelo Centenário da Casa de Antônio Lobo, que vem comemorando sua fundação desde o início do ano,com palestras, lançamento de livros e outras atividades. Foi criado lá um espaço especial, onde será montada uma exposição com peças do acervo da Academia, tais como medalhas a ela outorgadas e as que outorgou, livros raros, documentos históricos, como antigas atas e a espada da Academia Brasileira de Letras, pertencente ao acadêmico José Sarney, que também o é da AML,onde é o decano, tendo a ela doado aquele objeto de grande valor simbólico, durante a sessão solene realizada no dia 15 de agosto passado, que marcou a data de fundação da Academia, a 10 de agosto de 1908. O sucesso da Feira mostra a força da cultura local bem como a disposição para ler dos habitantes desta cidade. Isso é evidência de que, em presença de condições adequadas, capazes de dar às pessoas oportunidade de acesso ao livro, a preços moderados, elas não apenas o aceitarão, mas o farão com prazer e entusiasmo, especialmente o público jovem em processo de formação de hábitos de leitura. E jovens não faltarão, pois dezenas de escolas lá estarão presentes. Todos à Feira.

5 de outubro de 2008

Machado de Assis

Jornal O Estado do Maranhão

A segunda-feira passada, 29 de setembro, assinalou cem anos da morte de Machado de Assis. Apesar das vozes discordantes, que já se levantavam quando ele estava vivo e consagrado, sem a capacidade, porém, de estancar o crescimento da glória do grande escritor, cuja fortuna crítica cresce quase diariamente, ele tem tido aprovado com louvor, no maior teste a que um artista pode se submeter, o do tempo. Quantos escritores tiveram em sua época os aplausos das multidões, logo emudecidos, mal eles desceram aos “lugares pálidos, duros nus”, de que nos fala Adriano. Nas Fontes para o estudo de Machado de Assis (1958), J. Galante de Sousa nos dá, para os anos entre 1857 e 1957, 1.884 verbetes com referências a Machado. A Bibliographie descriptive, analytique et critique de Machado de Assis (1965), de Jean-Michel Massa, autor do melhor livro sobre o jovem Machado, A juventude Machado de Assis, 1839-1870: ensaio de biografia intelectual (1971), relaciona mais 132 relativas a 1957 e 713, a 1958. Ubiratan Machado (2005), em Bibliografia machadiana, 1959-2003, acrescenta 3.282, de 1959 a 2003, como indicado no título. No total, 6.011 verbetes Sabendo-se, no entanto, ser quase impossível a localização de tudo que se tem escrito sobre ele na imprensa, ou de todos s livros com estudos sobre ele. Pode-se, assim, dizer que o total deve ser maior e deverá ainda aumentar até o fim deste ano e depois. Os luxuosos Cadernos de Literatura Brasileira, nos seus números 23 e 24, publicados como um volume único dedicado a ele, reproduzem e ampliam, ano a ano, sob o título Cronologia de Machado de Assis, o trabalho de Galante de Sousa, a mais importante fonte sobre sua vida. Até agora, foram identificadas 209 menções escritas a sua obra, com média anual de 4,1, entre o início de 1857 e o final de 1907, ano anterior de sua morte. Apareceram mais 461, ou 14,9 por ano, em média, entre os anos de 1908 e 1938, este último imediatamente anterior ao do centenário de seu nascimento. De 1939 a 1957, logo antes do cinqüentenário de sua morte, foram outras 1.346, com média anual de 74,8, acima de seis por mês. Foram localizadas mais 3.995 entre 1958 e 2003, produzindo média por ano de 86,8, ou mais de sete por mês. A média não apenas cresce, mas o faz a taxas crescentes em todos os períodos delimitados por datas significativas com respeito a Machado, exceto no último. Quantas novas referências terão aparecido entre 2003 e 2008! Sua obra tem essa capacidade de falar às novas gerações, de oferecer novas leituras com o passar do tempo, de se refazer com novos leitores, sinais de permanência e de universalidade. Este último aspecto, é bom lembrar, tem sido objeto de amplas discussões no corpo da fortuna crítica de Machado de Assis. Seria, principalmente, nacional ou universal sua obra? A crítica tem se dividido entre as duas posições, alguns estudiosos colocando ênfase na dimensão nacional, outros nos aspectos universais. A quase 170 anos de seu nascimento a 21 de junho de 1839, no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, e a 100 de sua morte em 1908, na cidade onde nasceu, a admiração de seus leitores é ainda mais intensa e crescente do que o foi no seu tempo. Não será exagero comparar tal destino, no que ele evidencia a capacidade que tem de dialogar com as sucessivas gerações, a figuras universais como Dante, Cervantes, Shakespeare e Camões. A posição de Machado na nossa cultura é ímpar. Importantes críticos (Sílvio Romero, Araripe Junior, José Veríssimo, Astrojildo Pereira, Lúcia Miguel Pereira, Augusto Meyer,Alfredo Bosi, John Gledson, Roberto Schwartz, etc.) têm se debruçado sobre seu legado literário, gerando uma multiplicidade de pontos de vista, o que mostra o lugar privilegiado que ele ocupa em nossa literatura.

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