10 de março de 2002

Os nomes

Jornal O Estado do Maranhão
Os nomes. A angústia são os nomes se diluindo no esquecimento pouco a pouco. De gente e de coisas. Os nomes de tudo. Da mãe, do pai, do marido, dos filhos, dos netos, dos bisnetos, das amigas. Do bairro, em outros tempos chamado por outro nome, onde se ouviam os sons de óperas e operetas, de vozes de grandes cantores e cantoras, e a música de grandes filmes americanos, de xotes, baiões e xaxados brasileiros, de cantores populares e de clássicos. As lembranças serão, talvez, apenas a melodia ao longe. Haverá, quem sabe, apenas sons sem nomes. Como comunicá-los àquele que olha tristemente risonho tentando compreender, se eles não acodem à memória?
Parece que nada tem nome ou jamais voltará a ter, como teve no passado que lentamente vai embora. Mas, como ter certeza desse destino inexorável, se agora, na hora de maior necessidade de repelir essa solidão, agora que podem, depois de tanto tempo, de tanta luta, ser ditos gratuitamente, os nomes para dizer isso somem, teimam em não se mostrar, escondem-se em algum velho depósito da memória? Qual o nome que se dá a essa ausência?
A cama, começo e fim da vida, não é mais cama; a mesa, lugar provisório da mesma vida provisória, não é mais mesa; a cadeira de balanço não serve mais ao descanso merecido, não vai mais dar alívio ao corpo de fracas carnes porque não pode ser nomeada. Não é uma recusa. É apenas o nome certo que não chega. Como chamá-los, a esses objetos, como lhes pedir favores tão pequenos como os dos simples atos de sentar, deitar e levantar?
Como distinguir as coisas em volta, para poder manifestar um desejo de voltar à infância, recuperar uma lembrança, dizer que algo tem cheiro de tal fruta, lembrar uma praia da terra de nascimento com seus graciosos pássaros pernaltas, lugar até há pouco inesquecível e tão presente, mas agora tão afastado, tão impreciso, tão distante? Não será suficiente apontar, porque, a ser assim, teria de estar nas pontas dos dedos todo o universo, amontoado dentro desse quarto desconhecido que perturba a mente, a alma, o coração. Essas paredes têm nome? Não é possível que não estejam aí de verdade, sejam só uma ilusão, não tenham nome. Tudo tem. Tem? Se tiver, se por acaso o nome aparecer quando solicitado, será apenas para aumentar a angústia, porque logo vai desaparecer por trás de um muro branco e opaco.
Quem são esses que passam mudos e sérios sem dizer os próprios nomes? Por que não param e se apresentam? De onde vêm? Irão para suas belas casas em seus automóveis velozes? Estarão com tanta pressa assim, ou também esqueceram de si e do mundo? Por que não comemoram mais os aniversários, batizados, noivados, casamentos, nada, de uns tempos para cá? Esqueceram dessas festas tão luminosas? Ou elas se fazem agora escondidas, não se pode mais vê-las, participar delas? Onde estão os convites?
O que é feito das crianças que ainda há pouco estavam correndo por aqui? Vai ver, alguma levou uma queda e está chorando no colo da mãe. E a criança que acabou de nascer, já colocaram um nome nela? Qual será? Há nomes muito bonitos! De homens e de mulheres. Qual escolheram? Quem será o padrinho?
Deve ser esse espesso e fundo sono. Ele faz esquecer dos nomes. Não é ainda o sono definitivo. Esse faz esquecerem das pessoas, embora nos cemitérios se diga que a saudade é eterna. É o sono dos muitos anos de vida. Será, então, fadiga de viver? Ou foi não viver bastante para si o que cansou, cansa e faz esquecer? Como saber disso e de tudo o mais?
Agora mesmo, bem aí perto, alguém chama novamente um nome desconhecido. De quem será?

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