2 de maio de 2010

O Acordo Possível II


Jornal O Estado do Maranhão, 2 de maio de 2010

Um dos argumentos contra o Acordo de Reforma Ortográfica de 1990 é de caráter político-econômico na superfície, porém de fundo emocional em sua essência, de mistura com um nacionalismo démodé.
Tomo como representativo dessa visão Vasco da Graça Moura, tradutor de A Divina Comédia, de Dante, para o português, renomado intelectual e um dos mais ativos opositores das mudanças. Por serem extremadas, suas posições acabam deixando claros pontos de vista implícitos que de outro modo não se mostrariam. Ele as formalizou no Diário de Notícias, jornal do Porto, entre 21.11. 2007 e 23.4.2008, e em intervenção na Assembleia da República de Portugal em 7.4.2008.
Quais os seus argumentos? “Não deixará de haver grupos editoriais brasileiros que a grande velocidade lhe tomarão (de Portugal) o lugar em África [...] uma vez que não têm de fazer absolutamente nada para se adaptar à situação” (28.11.2007). Desta vez o grande homem se deixa levar pela emoção. Vamos ver. As alterações previstas no Acordo relativas ao uso dos diacríticos no português incluem a supressão: 1) do trema; 2) do acento agudo nas paroxítonas com os ditongos ei e oi na sílaba tônica, como em assembléia, que passa a assembleia (sem o acento agudo), heróico a heroico (mas, herói, por ser oxítona, não sofre alteração); 3) do acento agudo nas vogais tônicas grafadas i e u das paroxítonas quando elas são precedidas de ditongo, como em baiúca, agora baiuca, feiúra (feiura); 4) do acento circunflexo nas paroxítonas do tipo abençôo, que muda para abençoo, vôo (voo), etc. 5) do acento circunflexo nas formas verbais paroxítonas com um e tônico oral fechado em hiato com a terminação em da terceira pessoa do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo, como em crêem, que passa a creem, vêem, a veem, etc.; 5) dos acentos diferenciais, com as duas solitárias exceções de pôr e pôde, ainda subsistentes até o a vigência do Acordo, como os de pára, (flexão de parar); pélo, pélas e péla (flexões de pelar); péla (substantivo); pêlo (substantivo); pólo (substantivo); pêra e péra (substantivos não tratados no Acordo), que passam a para; pelo, pelas e pela; pela (substantivo); pelo; polo; pera e pera.
As mudanças apontadas acima, exceto as dos acentos diferenciais mencionados no item 5, foram feitas em Portugal há muito tempo. Os portugueses, sim, não têm de fazer absolutamente nada (ou quase nada) a fim de se adaptar à nova situação relativamente aos diacríticos. Em qual aspecto da ortografia, então, terão de fazê-las? Majoritariamente na eliminação das consoantes mudas ou não articuladas. Diz Graça Moura que, por exemplo, sem o p (não pronunciado) de adopção (no Brasil, há décadas sem essa letra) a palavra acabaria sendo lida em Portugal como adução, porque lá ocorre a tendência de abrandamento das vogais o e e em final de sílaba átona. A consoante neste caso seria um sinal para a correta pronúncia da vogal. Ora, mudaram os portugueses a pronúncia de lingüiça, quando eliminaram o uso do trema? Graça Moura vai ao extremo aqui ao dizer: “O único objectivo real de toda a negociação do Acordo, repito, o único objectivo real de toda a negociação do Acordo foi o dessa supressão das consoantes ditas mudas ou não articuladas!” (intervenção na Assembleia da República). E mais: “[...] o Acordo, ao perpetrar tão crucial ablação, serve interesses geopolíticos e empresariais brasileiros [...]”.
É o imperialismo brasileiro a invadir a Europa ou a ex-colônia a colonizar o ex-colonizador. Com o fim de mostrar a trama originária deste “não fazer nada”, Graça faz a “acusação”: “O Acordo resulta de uma iniciativa de José Sarney que, em 1986, enviou um emissário ao PALOP com essa finalidade”. Verdade verdadeira! 
PS. Estão em meu blog novas fotos de um dos barcos apreendidos pelo Ibama, episódio a que me referi no dia 21/3. A fiel (?) depositária é a Secretaria de Meio Ambiente de São José de Ribamar, cujo titular, Isaac Costa, julgando-se acima de críticas, anda ameaçando de usar a Polícia Federal contra quem lhe cobra responsabilidades. Voltarei ao assunto. 
(Ver as fotos no post abaixo sobre a situação atual de um dos 4 barcos apreendidos)

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