21 de julho de 2002

Gaioso

Jornal O Estado do Maranhão
Fui surpreendido, recentemente, por um convite do professor Sebastião Duarte, da Academia Maranhense de Letras. Sob a direção dele, a série Maranhão Sempre, da Editora Siciliano, patrocinada pelo governo do Estado, já editou, ou reeditou, vários livros importantes para a história e a cultura do Maranhão. Alguns com edição esgotada, e raros. Eles estão agora à disposição dos estudiosos de temas maranhenses.
Entre os já publicados temos a História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e suas circunvizinhanças, do padre Cláudio d’Ábeville, em tradução de César Marques, autor do famoso Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão, este atualmente em reedição por Jomar Moraes, presidente da Academia; a Relação sumária das cousas do Maranhão, de Simão Estácio da Silveira; a Estatística histórico-geográfica da Província do Maranhão de Antônio Bernardino Pereira do Lago. Clássicos, todos eles, da nossa historiografia. Outras obras sobre o Estado, de autores maranhenses, ou não, fazem parte da série.
Sebastião decidiu incluir, entre os próximos a virem a público, o Compêndio histórico-político dos princípios da lavoura do Maranhão, de Raimundo José de Sousa Gaioso, com primeira edição de 1818. Houve uma edição fac-similar, de 1970, sob a direção de Joaquim Itapary, também da Academia, na época dirigente da antiga Superintendência do Maranhão – Sudema, quando José Sarney era governador do Estado. Sebastião, em vista do livro tratar de assunto econômico, pode ter achado, pela única razão de eu ter a formação de economista, que eu poderia escrever um pequeno estudo introdutório a essa terceira edição.
Tento mostrar, nesse trabalho, que o livro de Gaioso reflete a visão de um produtor rural sobre a economia do Estado. Ele escrevia em um tempo, 1813, em que o modelo econômico colonial, com origens no mercantilismo português da era do Marquês de Pombal, enfrentava uma crise derivada da queda dos preços do algodão no mercado externo e do aumento do preço dos escravos, dois dos “entraves” à produção de que ele fala.
O Maranhão, desde o século XVII, vivera em extrema pobreza. João Lisboa afirma, na Crônica do Brasil Colonial: apontamentos para a história do Maranhão, que até o início da segunda metade do século XVIII os “processos agrícolas e industriais eram grosseiros e nulos [...]. As subsistências, aliás escassas e simples, tiravam-se principalmente da caça e da pesca; [...]”. Charles Boxer diz, em A Idade de ouro do Brasil: “em 1733 as ruas de São Luís ainda não tinham nomes fixos, sendo familiarmente chamadas pelos nomes das pessoas importantes que nelas moravam, ou segundo o lugar onde iam ter – “a rua que vai para a forca” – por exemplo”. Pobreza por todo canto.
Com a criação da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão, em 1755, e uma conjuntura de preços favoráveis ao algodão, arroz e outros produtos coloniais nos mercados externos, tudo mudou. Financiando o custeio da produção e fornecendo escravos a baixos preços aos colonos, que iam expulsando os povos indígenas de suas abundantes e produtivas terras, para usá-las na agricultura, ao mesmo tempo em que colocava os produtos nos mercados externos, a Companhia, extinta em 1778, tornou possível um período de crescimento econômico acelerado na região.
No modelo consolidado a partir daí, a economia crescia pela expansão da fronteira agrícola, submetia-se a um comando “de fora” e “para fora”, apresentava um mercado interno reduzido e alta concentração da renda pessoal, como mostra Bandeira Tribuzi em Formação econômica do Maranhão. Gaioso, compreendendo as ameaças, ao funcionamento do sistema, do aumento do preço dos escravos, da diminuição dos preços dos produtos exportados e de outros fatores, propõe ou insinua soluções destinadas a evitar um colapso econômico que o prejudicaria diretamente e toda a economia.
O certo é que essa estrutura condicionou negativamente a evolução posterior de nossa vida econômica, política, social e cultural, até os dias de hoje.

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