13 de abril de 2008

Fora Inflação

Jornal O Estado do Maranhão

Varrida sem clemência da vida brasileira a CPMF – imposto que, de renovação em renovação, tornou-se tão provisório que chegou a ser permanente, situação conveniente em mais de um sentido, porque permitiu, entre outras coisas, a permanência da sigla com o P original e, também, abundância de recursos para compras diversas – proclamaram para dali em diante desastre nunca experimentado pelos brasileiros na administração das finanças públicas. Ninguém seria capaz de governar sem ela, diziam. Feito a canção de Assis Valente: “anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar”. Pois é, gente simples e crédula, acreditando na história, começou a rezar, já que o fim estava próximo e melhor seria confessar de imediato os pecados, antes da hora fatal, a tempo de salvar a pobre alma atribulada. Qual seria o destino – botavam a mão na cabeça, – do Bolsa-Família e outros programas sem o tal imposto? Viveriam de que jeito, as massas espoliadas, mais uma vez vítimas da ganância das poderosas e insensíveis elites, que não queriam pagar tributos? Era necessário aumentá-los de alguma maneira ou todos morreriam de fome. De repente, todavia, os cofres públicos começaram a bater recordes e mais recordes de arrecadação. Nunca antes neste país se arrecadou tanto, como depois do fim da CPMF. O motivo não é difícil de ser descoberto: sua falta obrigou o governo a aumentar a eficiência arrecadadora, embora não a gastadora. Quem foi o ingênuo que falou em cortar gastos? Estes aumentaram de imediato e continuam aumentando em resposta ao crescimento da receita, confirmando nefasta e antiga tendência. Agora chega uma notícia interessante, mas não surpreendente. O Ministério do Planejamento anunciou corte de R$ 19 bilhões em algumas despesas previstas no Orçamento de 2008, de um lado, e, de outro, elevou outras em R$ 17 bilhões. O corte incidiu sobre as não obrigatórias, caso das emendas orçamentárias de congressistas destinadas a beneficiar suas bases eleitorais. É o chamado contingenciamento, no jargão burocrático. A elevação, por sua vez, ocorreu em despesas obrigatórias, porém em pequena proporção, a exemplo de seguro-desemprego, subsídios e fundos regionais de desenvolvimento, mas, em sua parte mais significativa, resultou de medidas provisórias destinadas a criar “créditos extraordinários”. Em outras palavras, créditos qualquer tipo imaginável. É bom ficar claro isto. Na esperança de induzir o Banco Central, na prática órgão independente, como deve ser, a não endurecer a política monetária, como reação às pressões inflacionárias atuais originadas em choques de oferta, em especial no setor de alimentos, fenômeno, aliás, mundial, o governo tentou dar a impressão de que os cortes representavam endurecimento da política fiscal. Não funcionou, pois os agentes econômicos adquirem a custo zero no mercado informação sobre o real comportamento das autoridades fiscais. Assim, por medo do descontrole das finanças públicas, os compradores de títulos públicos passam a exigir, a fim de continuar a adquiri-los e desse modo financiar os crescentes dispêndios do governo, taxas de juros cada vez mais elevadas. Pode-se ver, daí, que, nessas circunstâncias, juros altos são conseqüência e não causa do aumento da gastança e do déficit. Dessa forma, o ônus de conter a elevação de preços fica inteiramente a cargo do BC que, de maneira correta, não tem se negado a fazê-lo. Na conjuntura presente de choque de oferta e elevação dos gastos do governo, será inevitável o aumento na taxa de juros e diminuição da oferta de crédito, farto nos últimos meses. O corte real nas despesas do governo, medida indispensável de combate às pressões inflacionárias, não está à vista nem há esperança de que esteja em breve num ano eleitoral como este.

6 de abril de 2008

Caudilhismo

Jornal O Estado do Maranhão

Cuba tem, a Venezuela tem, o Equador também, a Argentina adquiriu um exemplar recentemente e há mais candidatos a caudilho por toda a América do Sul, região com história de ditadores bufões levados nos braços do povo e elevados ao poder como salvadores da nação. “Será que nunca faremos senão confirmar/A incompetência da América Católica/Que sempre precisará de ridículos tiranos”, como perguntou Caetano Veloso na sua canção Podres Poderes?
Não poderia o Brasil também ter o seu? Pode ser fora de moda, pode ser compreensível em povos “em desenvolvimento”, no dizer preconceituoso de alguns cientistas sociais, pode ser, até, se quisermos adotar um critério estético de julgamento, cafona e, ainda, constrangedor aos olhos de uma Europa que, em outras circunstâncias se curva, como de costume, humildemente ao Brasil, pode ser coisa de gente sem cultura política ou cultura de tipo nenhum, ansiosa para se aproveitar do poder. Mas, seja como for, é, acima de tudo, imoral.
E se o povo quiser? Comecei a pensar no assunto depois da declaração do Vice-Presidente, José Alencar (por favor, companheiros, não confundi-lo com o grande romancista cearense): "O Lula deseja fazer o seu sucessor. Mas eu digo para você que, se perguntarem aos brasileiros, o que os brasileiros desejam é que o Lula fique mais tempo no poder". Eu, brasileiro, não desejo nem o continuísmo de Lula nem de qualquer outro, por ferir o princípio da alternância no poder, essência da democracia sem adjetivos. A declaração de Alencar não está longe da verdade, se por verdade entendermos os resultados de pesquisas de opinião, que são voláteis e mudam tão depressa quanto o PT mudou depois de sua chegada ao Planalto. Se for para governar e estabelecer ou alterar regras de funcionamento do jogo político legítimo de acordo com os humores cambiantes das pesquisas, seguindo os inevitáveis altos e baixos da conjuntura econômica, o melhor então seria usá-las como mecanismo ideal de expressão da vontade dos cidadãos e expurgar o país das obsoletas eleições diretas.
Pode-se perguntar: Se a popularidade de Lula caísse, seria legítimo interromper o mandato dele? Valeria o “Fora Lula”, ressurreição do “Fora FHC”? A regra manca só valeria para quando o presidente em exercício estivesse bem nas pesquisas?
Em qualquer democracia moderna de verdade, as declarações do vice-presidente levariam a um processo de impeachment imediato. Só um Cândido voltairiano acreditaria na espontaneidade das declarações e no desconhecimento por Lula dos movimentos de Alencar. Como parte da encenação, o presidente, em mais uma de suas tiradas pitorescas, acaba de se definir como o “o cidadão mais cansado de eleição”. Cansado fisicamente de sucessivas eleições ou de eleições em geral, sendo melhor neste caso acabar com elas e mandar fazer pesquisas para saber a vontade dos eleitores?
Não falo da influência na popularidade de Lula do bolsa-tudo, instrumento de fácil manuseio, aperfeiçoado com o objetivo de ganhar, como ganha, a eterna e barata gratidão dos eleitores pobres, e varinha de condão da popularidade de Lula. Tem apenas entrada, sem porta de saída, como em toda ratoeira, tudo em prejuízo de investimentos na infra-estrutura do país, na educação, tão necessitada de uma revolução a fim de melhorar sua péssima qualidade, no sistema de saúde pública em frangalhos. E, no entanto, esse truque, esse populismo moderno, de alto rendimento eleitoral no curto prazo, é, mais à frente, prejudicial à economia e, por isso mesmo, a todo mundo, ricos e pobres.
As elites brasileiras responsáveis têm o dever de se opor ao terceiro mandato de Lula. Manipulado, o povo não se oporá e até aplaudirá com entusiasmo. Não precisamos de mais tipos como Chávez en nuestra incompetente América Católica.

Machado de Assis no Amazon