29 de setembro de 2002

O ano-sousândrade

Jornal O Estado do Maranhão
Joaquim de Sousa Andrade, Sousândrade, morreu em 21 de abril de 1902. Completam-se agora, portanto, cem anos de sua morte, motivo mais do que suficiente e justo para a Academia Maranhense de Letras considerar este 2002, como o fez, o Ano-Sousândrade. A Academia, como parte dos eventos que vem realizando nos últimos meses em homenagem a Sousândrade, realizou uma sessão especial em seu auditório, na última quinta-feira, dia 26, a fim de lançar, junto com a Gerência de Desenvolvimento Humano do Estado e com a de Desenvolvimento Regional de São Luís, o Concurso Ano-Sousândrade e um livro do professor Sebastião Moreira Duarte, acadêmico, ocupante da cadeira no. 1, fundada por Barbosa de Godois.
O concurso destina-se aos alunos da rede pública estadual do ensino médio da Grande São Luís, englobando os municípios de São Luís, São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar. O melhor trabalho de cada unidade de ensino, e, no geral, os dez melhores, que poderão abordar qualquer aspecto da vida ou da obra de Sousândrade, farão parte de uma coletânea a ser editada pela Academia. Dessa publicação, constará uma síntese bibliográfica do poeta. Será uma oportunidade de os estudantes poderem mostrar seus talentos e, simultaneamente, estrear em livro e não em jornal, este o caminho mais comum das estréias literárias. Eles poderão entregar seus trabalhos à Comissão Organizadora de suas escolas até o dia 24 de outubro, devendo o resultado ser divulgado pela Academia até o dia 17 de novembro deste ano.
O livro do professor Duarte, que poderá servir de valioso subsídio para os participantes do concurso, tem como título A épica e a época de Sousândrade. Ele incluiu dois estudos nesse trabalho. Intitulou o primeiro “O Guesa: Reaproximação ao Problema da Épica”. O segundo foi denominado “Sousândrade e a Epopéia do Segundo Reinado”. Como bem assinalado por Jomar Moraes, presidente da Academia, na orelha do livro, o professor tem uma valiosa contribuição a oferecer aos estudos sousandradinos. Afinal de contas, sua tese de doutorado em literatura latino-americana, apresentada à Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, tratava exatamente da obra do poeta maranhense, tendo como título O Guesa de Sousândrade e o Canto General de Pablo Neruda. O segundo estudo foi extraído dessa tese. O primeiro já havia sido publicado em O périplo e o porto, obra do professor publicada em 1992, pela Editora da Universidade Federal do Maranhão – Edufma.
A fortuna crítica de Sousândrade foi, durante muito tempo, quase inexistente. Durante pouco mais de sessenta anos depois de sua morte, o poeta descansou obscuro, de uma atribulada vida. Havia silêncio acerca de sua obra, ou avaliações dando-o como menor e confuso. Em 1964, porém, os irmãos Campos, Augusto e Haroldo, publicaram uma monumental antologia crítica de sua poesia, a Re Visão de Sousândrade, que, em terceira edição, saiu neste ano, pela editora Perspectiva. Esse trabalho foi considerado definitivo por muitos especialistas em literatura. Graças a ele, o poeta pôde ser reavaliado e considerado em sua correta dimensão. Não se pode esquecer, no entanto, que a redescoberta deve-se em parte, também, mas não na mesma dimensão dos irmãos Campos, a Fausto Cunha, em artigo pioneiro de 1954.
 Tendo iniciado sua produção como um poeta romântico, ainda que com dicção muito própria, com Harpas Selvagens, em 1857, Sousândrade passou a ser reconhecido como um precursor do modernismo e antecipador de formas que somente mais tarde viriam a ser usadas pelos modernistas. Sua principal obra é O Guesa, publicado em livro, em Nova York, em 1888.
Em 1890, foi presidente da Intendência Municipal de São Luís e professor de grego no Liceu Maranhense. Idealizou a bandeira do Maranhão e foi presidente da comissão de preparação do projeto da constituição republicana do Estado.
Justas são as homenagens ao grande poeta e homem de ação maranhense, no centenário de sua morte.

22 de setembro de 2002

O craque gojoba

Jornal O Estado do Maranhão
Pergunta-me um leitor a razão de eu, tendo algumas vezes escrito sobre futebol, especialmente durante a última Copa do Mundo, vencida pela quinta vez pelo Brasil, nunca ter feito uma única e escassa referência ao futebol maranhense. Paro, penso e chego a uma conclusão. Não tendo nada de positivo para dele dizer, preferi calar. Tinha optado por não me manifestar sobre uma situação de completa decadência futebolística, como a que se observa em nosso Estado. Mas, devo dizer também, que esse silêncio foi, em certo grau, inconsciente, como agora percebo.
Sei, todos bem sabem, da impossibilidade de exigir-se de nosso futebol desempenho comparável ao dos Estados mais ricos. Seria fora de propósito tomarmos como referência São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e outros Estados do Sul e Sudeste. A diferença, em termos, principalmente, de nível de renda, é grande. Tira-nos qualquer possibilidade de competir com eles, com chances mínimas de sucesso. A questão é, em grande parte, econômica. Não existe um mercado local com poder de compra capaz de sustentar receitas mínimas para os clubes. Essa é a razão da escassez de recursos para investimento por parte dos times maranhenses.
No entanto, se – e esse é um grande se – houvesse uma mentalidade empresarial na direção desses clubes, voltada para a formação de jovens jogadores maranhenses, com a exclusão de interesses estranhos ao futebol, seríamos mais competitivos. Mesmo com toda a desorganização implantada pela CBF nos campeonatos regionais e no nacional. Poderíamos, obter melhores resultados nas competições no Norte e Nordeste, como já obtivemos antes, quando elas eram mais freqüentes.
Mas, já que falei em passado e em futebol, não posso deixar de referir um encontro que tive na última semana. Vou ao aniversário de meu cunhado Marcelino Machado, de idade incerta. De repente, o passado surge à minha frente, na entrada da casa. Reconheci logo um grande jogador maranhense de outros tempos, que até então eu não conhecia pessoalmente, José Raimundo Silva Moraes, Gojoba.
Eu o vi jogar muitas vezes pelo Moto Clube e pelo Sampaio Correia, no fim dos anos sessenta e em parte dos setenta, no Estádio Nhozinho Santos. Atuou também no Ceará. Em Pernambuco, fez parte da seleção do Estado. Em um jogo contra a Alemanha, em 1965, o gol da vitória da equipe pernambucana, por um a zero, foi dele. A diretoria do América, na época um time grande, presente ao jogo, junto com o time, que treinava em Recife, tentou adquirir seu passe. Os dirigentes do Sport Club do Recife, excitados pela excelente atuação de Gojoba na partida, exigiram um preço exorbitante, impedindo sua transferência para o futebol carioca. Pretendido por clubes de Portugal, teve sua venda vetada pelo técnico do Esport, Rubens Minelli. Este alegava ser ele imprescindível ao time. Numa situação de mais oportunidades, como a de hoje, ele não teria sido impedido de brilhar fora do Brasil.
Gojoba jogava na posição de volante. Com ótimo porte atlético, que conserva até hoje, defendia e atacava com igual eficiência e vigor. Isto não significava maus-tratos à bola, à base de pontapés. Não. Ele dava tratos à bola, antes de tratar bem a bola, roubada dos adversários e conduzida até o campo do oponente, ou lançada aos companheiros, com elegância e precisão. Ele, é exato afirmar, deslizava no campo, de uma área à outra, em um vai-e-vem incessante. Uma espécie de Gilberto Silva, da Seleção do Brasil atualmente.
Esse craque, prata de casa, é prova de que, para a obtenção de bons resultados, não se precisam importar caminhões de jogadores, que no fim da temporada vão embora, sem nada deixar, a não ser dívidas. É evidência de que nenhuma lei da genética ou da geografia impede o nascimento de bons jogadores em solo maranhense.
Em sua época, não era incomum os times daqui destacarem-se nos torneios e nos jogos amistosos regionais. Hoje se vêem quase só derrotas e vexames. Com cabeças-de-bagre e pernas-de-pau de fora.

15 de setembro de 2002

Retórica insustentável

Jornal O Estado do Maranhão
Em outubro de 2001, escrevi um artigo, aqui em O Estado do Maranhão, falando sobre o conceito de desenvolvimento sustentável e sua gradativa aceitação, por parte dos governos, no mundo todo. Eu terminei dizendo que haveria um encontro neste ano de 2002, em Johannesburg, África do Sul, a fim de avaliar o progresso alcançado na sua incorporação às políticas públicas, nos dez anos entre 1992 e 2002, e marcar a realização da Rio-92. “Será a hora de os países apresentarem os resultados de suas políticas para a implantação do desenvolvimento sustentável. Era para valer ou tratava-se de retórica, apenas?”. Agora, com o término do encontro, chamado Rio +10, realizado entre os dias 26 de agosto e 4 de setembro, julgamentos de seus resultados estão sendo feitos e continuarão a sê-lo durante algum tempo.
É preciso levar-se em conta, nas avaliações, que o conceito de desenvolvimento sustentável incluiu a idéia de diminuição da pobreza e das desigualdades econômica e social. Contém, também, a visão de preservação do ambiente e seus recursos naturais. As principais áreas em discussão no encontro, escolhidas com base na aceitação dessas noções, foram energia, agricultura, biodiversidade, água e ajuda ao desenvolvimento.
A maioria dos participantes considerou a Rio +10 decepcionante. Ela foi imaginada justamente como uma ocasião de implementação de planos de ação destinados a tornar efetivos os compromissos com a sustentabilidade assumidos na Rio-92. Resultou ser, lamentavelmente, um encontro em busca da salvação da reunião de 1992.
Os Estados Unidos adotaram a posição, bastante clara a todos, inclusive europeus, de andar em marcha a ré nos seus comprometimentos anteriores. Como é de amplo conhecimento, os americanos são os maiores consumidores mundiais de petróleo e seus derivados. Isso os torna os maiores emissores de gases, como o CO2, causadores da retenção de calor na atmosfera, resultando no efeito de estufa, que eleva a temperatura da Terra, com as conhecidas conseqüências negativas.
No entanto, em aliança com alguns países árabes, grandes produtores de petróleo, os americanos derrotaram o Brasil e a União Européia, que haviam feito uma proposta. Esta estabelecia que, da energia consumida no mundo, 10% fossem produzidos a partir de fontes renováveis. Concordou-se, somente, em, “com senso de urgência, aumentar substancialmente a fatia mundial de energias renováveis”, sem o estabelecimento, porém, de prazos e metas específicas, e em “instar os países que ainda não o fizeram a ratificar o Protocolo de Kyoto”, que trata da redução da emissão de gases-estufa.
O compromisso de destinação de 0,7% do Produto Interno Bruto – PIB dos países ricos, como ajuda ao desenvolvimento, acordado na Rio-92, foi ratificado, embora, na realidade, entre 1992 e 2002 a percentagem tenha caído até 0,22%. Mas, os Estados Unidos colocaram ressalvas, tornado-o, na prática, algo sem chance de ser cumprido.
Em apenas duas áreas, das cinco em discussão na Rio +10, foi possível estabelecer compromissos com metas e prazos. Uma área foi a de saneamento, com o objetivo de reduzir à metade, até 2015, o número de pessoas sem acesso a água potável e esgotos; a outra foi a de biodiversidade, de diminuir a perda de espécies até 2004, mas sem quantificação de metas, e, também, de restaurar os estoques de peixe a níveis sustentáveis até 2015, onde for possível.
De positivo, na Rio +10, houve o anúncio da decisão da Rússia, China e Canadá, de ratificarem o Protocolo de Kyoto, levando o governo americano a uma situação de isolamento internacional, pela recusa em seguir o exemplo dos outros.
Diante das difíceis circunstâncias, muitos comemoram. Apesar do boicote americano, dizem, pelo menos os princípios do desenvolvimento sustentável, aceitos na Rio-92, não foram rejeitados. Essa, a ironia dessa história. Quantos anos mais serão necessários para substituir-se a retórica vazia e insustentável da sustentabilidade por ações concretas?

8 de setembro de 2002

Bandeira Tribuzi

Jornal O Estado do Maranhão
Há dias vinha eu pensando sobre os vinte e cinco anos da morte, completados hoje, do grande poeta Bandeira Tribuzi. De repente, uma coincidência, outro nome dado às tramas do destino, interpôs-se entre mim e algumas recordações da época em que nós dois fomos companheiros de trabalho no Banco de Desenvolvimento do Maranhão.
Essa trama, atirou-me às mãos, aparentemente por acaso, mas, verdadeiramente, por desígnio anterior à luz e ao tempo, pelas mãos de Fernando Silva, justamente uma fotografia do pai de Tribuzi, Joaquim Pinheiro Ferreira Gomes, de 1946, tirada em São Martinho de Gândara, freguesia do Concelho de Oliveira de Azemeis. Naquele tempo, o poeta estudava em Portugal. Seu pai, durante muitos anos um importante comerciante português em São Luís, da firma Pinheiro Gomes & Cia, aparece na foto ladeado pelo pai de Fernando, Adelino Silva, por Antônio Borges, outro comerciante português do Maranhão, e por um cunhado deste, João Baptista Neves de Oliveira.
O caso é este. José Primeiro Borges, filho de Antônio Borges, fora seminarista em Portugal, na mesma época de Tribuzi, chegando a tomar o hábito, a que renunciou depois. Veio morar, posteriormente, no Rio de Janeiro. Há mais de quarenta anos ele não vinha ao Maranhão nem via Fernando, que estivera presente à celebração de sua primeira missa, em Travassô. Quando os dois se encontraram há poucos dias em São Luís, pela primeira vez depois desse tempo todo, Fernando mostrou a ele a fotografia e, dias depois, a mim, ao contar-me essa história.
Fiquei olhando e vi, no pai de Tribuzi, o filho, fisicamente. O mesmo rosto retangular e fino, e até os mesmos óculos de aros delgados com lentes redondas, semelhantes aos de uma foto de Tribuzi, que Maria, sua mulher, mostrou-me uma vez. Faziam lembrar Fernando Pessoa.
Aquele senhor de aspecto severo, que nunca vi em vida, mas tão vivo na foto, em seu terno de listas verticais claras e chapéu de feltro, com um jornal na mão, O Imparcial, não sabia, naquela hora, que seu filho rejeitaria a missão de servo da igreja de seus maiores, para aceitar outra missão, dupla, de servo e mestre da arte poética.
Na sua volta de Portugal, Tribuzi revelou-se de grande importância na introdução do Modernismo no Maranhão, vinte e cinco anos após a Semana de Arte Moderna de São Paulo, uma indicação do nosso atraso cultural. Tornou-se, pela força de seu talento e de suas idéias, uma referência cultural em sua querida cidade, para a qual compôs uma canção tornada seu hino. Quando, pois, anunciaram sua admissão, em 1970, no Banco de Desenvolvimento, instalado em um prédio na esquina da rua do Sol com a de Santaninha, a excitação foi grande entre todos nós, jovens técnicos de lá, crentes em poder mudar facilmente o mundo, os homens e tudo.
Dizia-se antigamente que ninguém é herói na visão de seu criado, para significar que a intimidade pode destruir a imagem das pessoas, feita à distância. Se isso for verdade, não o será sempre. Neste caso, a convivência diária mais aumentou nossa admiração por Bandeira Tribuzi. Contra nossos ímpetos ainda juvenis, de revolta pelas mazelas de nossa sociedade, era ele quem, com a voz da experiência de quem havia sido preso e perseguido pela ditadura, chamava-nos ao bom senso e à realidade.
Foi ele quem me orientou na elaboração de uma exposição sobre a implantação de um pólo siderúrgico em São Luís, submetida ao CNPq, em 1977, como requisito para obtenção de uma bolsa que me permitiu obter o grau de mestre e doutor em economia na Universidade de Notre Dame, em Indiana, Estados Unidos.
Dele, ficou-me a imagem de um homem bom, cordial, generoso, leal e, como eu, apaixonado por futebol. Com ele, convivi quase diariamente até sua internação no Hospital Português, de onde sairia morto, como resultado de um ataque cardíaco. Ainda hoje, guardo com carinho um exemplar de seu último livro, Breve memorial do longo tempo, que ele me deu com a dedicatória da qual muito me orgulho: “A Lino que é irmão”.

1 de setembro de 2002

As valois

Jornal O Estado do Maranhão
A gente pegava o ônibus a pouca distância de nossa casa, defronte do Senai, perto do Cine Monte Castelo, no bairro do mesmo nome. Íamos em nossos uniformes com as letras ST, iniciais de Santa Terezinha, escola das irmãs Valois, bordadas no bolso esquerdo da camisa branca de mangas curtas. O percurso, de pouco mais de mil metros, até lá, na esquina da avenida Getúlio Vargas com uma rua que leva ao bairro do Matadouro, hoje Liberdade, parecia uma longa jornada.
Os ônibus, quase sempre cheios, principalmente de comerciários rumo ao centro da cidade, e de pacatos funcionários públicos, eram lentos, velhos e maltratados. Eram, porém, os únicos coletivos da pequena cidade, em que poucas pessoas possuíam automóvel, coisa de gente rica. Os cobradores permaneciam em um incessante ir e voltar da parte dianteira à traseira do ônibus, sacudindo moedas enfileiradas na palma da mão voltada para cima, em um tilintar até hoje em meus ouvidos, chamando os passageiros ao pagamento da passagem.
Esses veículos davam a impressão de querer, a qualquer hora, parar, revoltados com a lotação excessiva, mas inevitável por causa do pequeno tamanho da frota, e com a eterna falta de manutenção. Não nos importávamos com isso, nem com o calor e a lentidão com que se arrastavam, fumaçando e engulhando. Mas nós os sentíamos como queridos e íntimos companheiros. Bem ou mal, faziam o favor de transportar-nos diariamente. Deles, conhecíamos os humores, as manias e o temperamento. Suas reações em nada nos surpreendiam. Se paravam, é porque tinham bons motivos. Essa a nossa resignada filosofia de usuários sem opção.
Os nomes eram bem conhecidos. “O Primor já passou”, comentávamos na parada. “O Mimoso deu prego no Canto da Fabril”. A notícia viera pelo ônibus chamado Viação Santo Antônio dirigido pelo Zé Maria. Seu Domingos, tão velho quanto a Arca de Noé, na nossa medida de criança, mas que não devia passar dos quarenta e cinco anos, era o motorista do Gigante da Ilha.
Saltávamos quase à porta da escola. Meu pai, Carlos Saturnino Moreira, seguia, sem descer do ônibus, para o seu comércio de representação e conta própria, na firma Azevedo & Moreira, na Praia Grande. Creio ter sido seu Azevedo, o outro sócio dessa firma, a primeira pessoa em quem ouvi um sotaque lusitano, que ele nunca perdeu nem atenuou nas suas muitas décadas de produtiva vida no Brasil.
Na pequena escola, então instalada em duas salas da residência das irmãs Valois, funcionavam duas ou três turmas pela manhã e outras tantas à tarde. Lá, encontrávamos nossas professoras Edite, Luísa e Maria Helena, todas da família Valois, e mais dona Elsa.
Essas educadoras sempre deram um dos melhores exemplos de autênticas católicas que, sem nenhuma carolice, praticavam, e ainda praticam, serenamente, no seu dia a dia, os preceitos de sua fé, por meio de um trabalho educativo, incomum virtude e raro traço de caráter em nossa sociedade de extremo individualismo.
Para elas, vale o lema “façam o que eu digo e façam o que eu faço, também”. Essa era a razão, penso, de nos sentirmos tão bem em suas salas de aula. Ensinaram letras e números a várias gerações de maranhenses, de todas as classes sociais, e demonstraram diuturnamente que mais força tem o exemplo do que a mera pregação. Educar tem sido, para elas, sobretudo, um apostolado.
Cada uma tinha seu próprio estilo. Maria Helena era alegre e descontraída, Luísa, mais disciplinadora. A mim, contudo, sempre pareceu ser Edite, hoje com mais de noventa anos, a síntese possível da família. Tinha, e tem, uma elegância natural, evocatória de uma dama no seu chá das cinco num jardim inglês. Suave, mas com uma firmeza evidente, principalmente, no timbre metálico de sua voz, Edite Valois ensinava com uma pedagogia, nela instintiva, mais tarde chamada de moderna: compreensiva, próxima do aluno, mas com a medida exata de limites que uma personalidade em formação precisa ter. A ela e suas irmãs, muito devem várias gerações de maranhenses.

Machado de Assis no Amazon