25 de julho de 2004

O porto de São Luís

Jornal O Estado do Maranhão 
Chego ao Papiros do Egito, o sebo de Moema na rua da Cruz, e descubro um número de 1950 da Revista de Geografia e História publicada pela antiga Diretoria Regional de Geografia do IBGE. Em suas páginas encontro o artigo O porto de São Luís de Wilson Soares, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Tomo-lhe emprestado o título. O texto, a história dos projetos elaborados para o porto e das várias tentativas de implantá-lo, está resumido nos parágrafos abaixo.
Na Colônia ­– 1799 – d. Diogo de Sousa, governador do Maranhão, propôs a seus superiores em Lisboa algumas medidas de melhoramento do porto, uma delas considerada inadiável, a abertura da barra. Nada foi feito. 1817 – Antônio Joaquim de Oliveira, capitão-de-mar-e-guerra encarregado de analisar suas condições, classificou-o como em “estado de ruína”. Até a Proclamação da Independência a situação não mudou.
No Império ­– 1832 – autorizada a construção de dois cais, um da ponta de São Francisco ao igarapé de Jansen e outro do Baluarte à ponta dos Remédios. Apenas parte deste último foi construído. A obra não continuou por carência de recursos. 1841 – iniciada a construção do cais da Sagração que envolveria a cidade pela margem esquerda do Anil e direita do Bacanga. Ficou inconclusa. 1863 – o Conselho Naval com base em relatório do capitão-tenente Giacomo Raja Gabaglia recomendou que se escavassem os canais obstruídos e as áreas próximas aos ancoradouros. A dragagem executada o foi a longos intervalos por causa mais uma vez da falta de recursos perdendo-se mesmo o pouco realizado. (Gomes de Sousa, o patrono da cadeira 8 da Academia Maranhense de Letras, na qual tomarei posse no dia 19 de agosto vindouro, discordava de Gabaglia acerca das causas do assoreamento do porto mas recomendava também a dragagem permanente). 1865 – André Rebouças fez um diagnóstico da situação e pleiteou junto com Raimundo Teixeira Belfort Roxo a concessão por 90 anos para a exploração do porto, a ser feita após a realização dos investimentos necessários por meio uma companhia que seria incorporada. Não foi em frente. 1875 – outro relatório, de John Hawkshaw, sugeriu a construção de um dique da ponta do Bonfim à ponta da Areia, sem obter resposta do governo. 1881 – W. Milnor Roberts recomendou a construção de um cais em frente à Alfândega e ao Tesouro do Estado, sem sucesso.
Na República ­­– 1890 – Aarão Reis recebeu autorização para construir obras de melhoramento do porto, inclusive com a conclusão do canal do Arapapaí (iniciado em 1742 e destinado à ligação direta do porto com a rede fluvial do Estado) de acordo com as recomendações de Rebouças, Hawkshaw e Roberts. Foi prevista a alternativa da enseada do Itaqui que teria ligação ferroviária com o centro de São Luís. Os trabalhos limitaram-se à conservação do que já existia. 1897 – Fábio Hostílio de Moraes Rego fez uma proposta de realizar diversas obras no porto. O governo respondeu com o silêncio. 1907 – o governo federal constituiu uma comissão a fim de estudar a área da ponta da Madeira até a ponta na extremidade sul da enseada do Itaqui, sendo esta indicada para o porto. Desta vez a ligação ferroviária com o centro comercial da cidade seria feita através de um ramal da Estrada de Ferro São Luís-Caxias (depois São Luís-Teresina). Nada. 1911 – Manuel Carneiro de Sousa Bandeira fez um estudo analisando o Itaqui. Percebia-se a vacilação na escolha entre este local e o ancoradouro de São Luís. 1918 – Luís J. le Cocq de Oliveira apresentou um projeto de melhoramento incluindo de novo as obras do Arapapaí. Como nada andou o governo estadual obteve do federal a concessão para os trabalhos. 1920 – no governo de Urbano Santos o Estado contratou a firma C. H. Walker & Co. Limited para a realização das obras com prazo de execução de 54 meses. Os estudos finais recomendaram alterações no projeto. 1921 – Fernando Viriato de Miranda Carvalho elaborou um relatório que serviu de base ao projeto definitivo. Por falta de autorização legislativa o Tribunal de Contas recusou-se a registrar o contrato que foi rescindido. De sua parte o governo estadual também não havia mobilizado recursos financeiros suficientes. Tudo parou. 1940 – o governo federal fez um novo projeto optando pelo Itaqui, com previsão da construção de uma estrada de rodagem até essa área com uma ponte sobre o rio Bacanga. O autor do artigo refere-se à opinião dos técnicos: “Ficará o Maranhão com um dos melhores portos, não só do Brasil, como de todo o mundo”.
Devo dizer, por fim, que embora a idéia da construção de um porto estivesse viva no Maranhão havia muitos anos sua efetiva implantação no Itaqui deu-se somente em 1966 quando governava o Maranhão José Sarney. Ele tornou realidade essa vontade secular do povo maranhense.

11 de julho de 2004

Dieta e vaidade

Jornal O Estado do Maranhão 
Uma das grandes epidemias do mundo moderno é a obesidade, maior até do que a da aids. O problema, inicialmente das sociedades ricas, hoje está em toda a parte, mesmo nos países pobres. Lembro bem de minha chegada em janeiro de 1978 à cidade de South Bend em Indiana nos Estados Unidos, onde eu ficaria quase cinco anos e meio estudando economia, nas áreas de desenvolvimento econômico e organização industrial, e de meu espanto ao ver a grande quantidade de pessoas com excesso de peso naquele grande país excessivo em tudo. Imediatamente associei o fenômeno ao elevado nível de renda e aos maus hábitos alimentares dos americanos. Eu não imaginava que veria o mesmo aqui na minha volta ao Brasil em 1983. Atualmente em muitas regiões da África e em outras áreas de baixa renda média esse fenômeno ocorre de um modo peculiar. A imensa diferença entre os rendimentos dos pobres e dos ricos criou uma situação em que na mesma sociedade convivem pessoas esquálidas por causa da subalimentação, a maioria da população, com outras, a minoria, obesas devido à superalimentação.
Esse problema de saúde pública levou à propagação de livros sobre dietas de emagrecimento, de todo o tipo e para todo gosto e capacidade, que é sempre inesgotável nas pessoas, de acreditar em milagres, como os da televisão, nos espetáculos eletrônicos de expulsão de satanás que parece estar permanentemente nas mentes dos expulsadores, como se pode deduzir da obsessão com que falam nele.
Vejam esta curta lista. Emagreça naturalmente com a dieta da Lua, escrito por uma tal de Franziska Von Au. Como entra a Lua nessa história, a acreditar-se na autora? Não entra somente nas reações fisiológicas de quem segue a dieta, mas principalmente no poder calórico transmitido à alimentação. No quarto crescente as calorias dos alimentos crescem, no quarto minguante, mínguam. Então o negócio é comer somente nesta última fase. Há na internet um sítio que recomenda: “Quando a Lua mudar, passe 24 horas sem comer nada. Abuse só dos líquidos: água, chá, café, diet shake, iogurtes, sopas batidas. Com isso você perde 1 quilo por semana”. Evidentemente o emagrecimento ­­– temporário e perigoso é verdade, porém emagrecimento – não tem nada a ver com o jejum mas, sim, com a passagem de uma fase a outra da Lua e com a crença nos efeitos lunares e lunáticos dessas recomendações. Afinal, a fé remove montanhas.
Outros desse tipo são estes. A dieta do arco-íris; Dieta do amor: aprenda a gostar de si mesmo; O jejum como dieta opcional (além de perda de peso este promete o alcance de serenidade e sabedoria); Adeus às dietas, cujo autor já de saco cheio com as dietas antigas dá uma receita para acabar com elas. O melhor de todos, contudo, é Imagine-se magro. A história é a seguinte. O sujeito se prepara mentalmente para emagrecer. O corpo então responde com a diminuição da vontade de comer alimentos que engordam e com o aumento do desejo por aqueles com o efeito inverso. Tudo que se tem de fazer é um pequeno exercício de caminhar até o bar da esquina e pedir uma cervejinha bem gelada, acompanhada de um bom tira-gosto. Aí, é só mentalizar a perda de peso. É infalível. A fim de dar maior segurança aos resultados o autor ensina como identificar a “auto-sabotagem” e manter um diário do “pensar magro”.
Mas isso tudo resulta da necessidade de parecer esbelto, bonito e, se possível, inteligente. Como se lê em um livro bíblico: “Vaidade de vaidades, diz o Eclesiastes (o Pregador), tudo é vaidade”. Em verdade, em verdade vos digo, caro leitor, de louco e vaidoso todos temos um pouco, sendo certo que, dependendo de seu tamanho, a vaidade pode ser saudável ou patológica. Neste último caso se o doente for manso não se deve arrancá-lo de seus devaneios inofensivos.
A prova da importância da boa vaidade está numa obra de publicação recente, A Síndrome do Status: como sua posição social afeta nossa saúde e expectativa de vida, do epidemiologista britânico Michel Marmot, da University College London. Segundo o pesquisador há uma relação entre a posição na hierarquia social e a expectativa de vida, isto é, o status pode determinar o número de anos de vida de uma pessoa. Dinheiro, escolaridade e atendimento médico são apenas parte dos fatores com influência na longevidade. Vejo, finalmente, chegar-se a uma boa explicação para eterna briga por lucrativas posições sociais. Quanto mais bem colocado socialmente alguém estiver mais tarde irá morrer, bem velhinho, em perfeito estado de saúde. Todavia, quando a vaidade passa de certo limite e a luta por status se torna feroz o estresse originado aí sobre os indivíduos mais suscetíveis pode fazê-los viver menos e não mais.
Não seria o caso de, nesta situação, o estressado fazer a dieta da Lua em sua vaidade, curando-se do insidioso mal?

4 de julho de 2004

Leonel

Jornal O Estado do Maranhão 
A morte, a necessária contrapartida da vida, tem, de um modo geral, o poder de revisar biografias positivamente, mas somente nos momentos imediatamente após ela se impor inexoravelmente. A verdade é esta. Qualquer coisa dita pelos contemporâneos sobre um líder carismático, um homem marcante na vida política e social de uma nação, ou mesmo sobre um qualquer do povo, um obscuro, mas não desimportante, um simples, um falto de influência, um desamparado, é precário, pois as opiniões estarão irremediavelmente contaminadas pelos interesses e paixões da ocasião, amores e ódios, afinidades e aversões, sentimentos bem humanos.
 O tempo, somente ele, o mesmo autor da sentença irrevogável sobre os grandes e os pequenos, indiferente a seus supostos poderes e fraquezas, é a única força capaz, quando todo o tumulto de uma época cessa, de fazer o julgamento sereno que, entretanto, estará permanentemente sujeito a revisões, com acréscimos e decréscimos à glória ou à infâmia dos levados ao exame da história. Apenas podemos ter esperança de nossa avaliação imediata servir como boa e honesta referência aos interessados, no futuro, em olhar a nossa era e nossos líderes e estabelecer seus próprios juízos sobre nós, como fazemos a toda hora sobre os nossos próprios antecessores, na aventura de construir a nação.
Digo isso tudo para falar de Leonel Brizola, morto recentemente. Ele, para mim, era o último, ou um dos últimos, representantes de uma era agitada e rica da história do Brasil em que eu estava crescendo e começando a descobrir o mundo e a vida política do país. A primeira imagem que me ficou dele, e a mais duradoura, contando eu 13 anos de idade, em 1961, foi a do valente líder da chamada Rede da Legalidade, cadeia de emissoras de rádio comandada por ele em Porto Alegre, usando os transmissores da rádio Guaíba, nos porões do Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul, governado por ele. Essa foi a forma dele se opor, depois da renúncia do presidente Jânio Quadros, à tentativa de golpe de Estado por militares que desejavam impedir a posse na presidência da República do vice-presidente João Goulart naqueles dias em visita oficial à China.
Brizola foi o mais típico representante de um desejo de reconstruir o país, sob sua chefia, pelo uso do aparelho do Estado, idealmente capaz de resolver todos os nossos problemas. Essa concepção logo revelou seu potencial de produzir distorções sociais. O estatismo defendido por ele mostrou muito cedo, ironicamente pelas mãos dos militares que cassaram seus direitos políticos e o exilaram, uma capacidade imensa de criar uma classe privilegiada de burocratas nas empresas estatais, muito hábeis em tornar o patrimônio de todos num privilégio de poucos.
Sempre achei Brizola admirável, não pelas suas idéias, com as quais nunca concordei, na área econômica e na política, nesta por sua noção de democracia como um valor instrumental apenas, mas pela coerência com seus ideais e consigo mesmo. A preocupação com a educação, a pregação incessante em favor de um certo tipo de nacionalismo, a coragem de enfrentar os poderosos e de remar contra a maré de novas idéias, o que não o impediu, no entanto, de abraçar a causa do combate à discriminação contra as minorias, mas o levou ao ocaso político muito antes da sua morte, tudo isso ajuda a esboçar o retrato de um político corajoso e coerente, um homem cuja vida foi dedicada inteiramente ao Brasil e seu sofrido povo. Os militares o investigaram exaustivamente durante a ditadura. Não conseguiram acusá-lo nunca de desonestidade, como gostariam.
Suas atitudes audazes de peleador gaúcho sempre pronto para a batalha ficará conosco como um símbolo de um lutador incansável em favor dos brasileiros.

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