8 de setembro de 2002

Bandeira Tribuzi

Jornal O Estado do Maranhão
Há dias vinha eu pensando sobre os vinte e cinco anos da morte, completados hoje, do grande poeta Bandeira Tribuzi. De repente, uma coincidência, outro nome dado às tramas do destino, interpôs-se entre mim e algumas recordações da época em que nós dois fomos companheiros de trabalho no Banco de Desenvolvimento do Maranhão.
Essa trama, atirou-me às mãos, aparentemente por acaso, mas, verdadeiramente, por desígnio anterior à luz e ao tempo, pelas mãos de Fernando Silva, justamente uma fotografia do pai de Tribuzi, Joaquim Pinheiro Ferreira Gomes, de 1946, tirada em São Martinho de Gândara, freguesia do Concelho de Oliveira de Azemeis. Naquele tempo, o poeta estudava em Portugal. Seu pai, durante muitos anos um importante comerciante português em São Luís, da firma Pinheiro Gomes & Cia, aparece na foto ladeado pelo pai de Fernando, Adelino Silva, por Antônio Borges, outro comerciante português do Maranhão, e por um cunhado deste, João Baptista Neves de Oliveira.
O caso é este. José Primeiro Borges, filho de Antônio Borges, fora seminarista em Portugal, na mesma época de Tribuzi, chegando a tomar o hábito, a que renunciou depois. Veio morar, posteriormente, no Rio de Janeiro. Há mais de quarenta anos ele não vinha ao Maranhão nem via Fernando, que estivera presente à celebração de sua primeira missa, em Travassô. Quando os dois se encontraram há poucos dias em São Luís, pela primeira vez depois desse tempo todo, Fernando mostrou a ele a fotografia e, dias depois, a mim, ao contar-me essa história.
Fiquei olhando e vi, no pai de Tribuzi, o filho, fisicamente. O mesmo rosto retangular e fino, e até os mesmos óculos de aros delgados com lentes redondas, semelhantes aos de uma foto de Tribuzi, que Maria, sua mulher, mostrou-me uma vez. Faziam lembrar Fernando Pessoa.
Aquele senhor de aspecto severo, que nunca vi em vida, mas tão vivo na foto, em seu terno de listas verticais claras e chapéu de feltro, com um jornal na mão, O Imparcial, não sabia, naquela hora, que seu filho rejeitaria a missão de servo da igreja de seus maiores, para aceitar outra missão, dupla, de servo e mestre da arte poética.
Na sua volta de Portugal, Tribuzi revelou-se de grande importância na introdução do Modernismo no Maranhão, vinte e cinco anos após a Semana de Arte Moderna de São Paulo, uma indicação do nosso atraso cultural. Tornou-se, pela força de seu talento e de suas idéias, uma referência cultural em sua querida cidade, para a qual compôs uma canção tornada seu hino. Quando, pois, anunciaram sua admissão, em 1970, no Banco de Desenvolvimento, instalado em um prédio na esquina da rua do Sol com a de Santaninha, a excitação foi grande entre todos nós, jovens técnicos de lá, crentes em poder mudar facilmente o mundo, os homens e tudo.
Dizia-se antigamente que ninguém é herói na visão de seu criado, para significar que a intimidade pode destruir a imagem das pessoas, feita à distância. Se isso for verdade, não o será sempre. Neste caso, a convivência diária mais aumentou nossa admiração por Bandeira Tribuzi. Contra nossos ímpetos ainda juvenis, de revolta pelas mazelas de nossa sociedade, era ele quem, com a voz da experiência de quem havia sido preso e perseguido pela ditadura, chamava-nos ao bom senso e à realidade.
Foi ele quem me orientou na elaboração de uma exposição sobre a implantação de um pólo siderúrgico em São Luís, submetida ao CNPq, em 1977, como requisito para obtenção de uma bolsa que me permitiu obter o grau de mestre e doutor em economia na Universidade de Notre Dame, em Indiana, Estados Unidos.
Dele, ficou-me a imagem de um homem bom, cordial, generoso, leal e, como eu, apaixonado por futebol. Com ele, convivi quase diariamente até sua internação no Hospital Português, de onde sairia morto, como resultado de um ataque cardíaco. Ainda hoje, guardo com carinho um exemplar de seu último livro, Breve memorial do longo tempo, que ele me deu com a dedicatória da qual muito me orgulho: “A Lino que é irmão”.

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