24 de janeiro de 2010

O calendário de Antônio Almeida

Jornal O Estado do Maranhão

     O calendário do título é o de 2010 da Academia Maranhense de Letras. Foi nosso desejo – dos membros da AML –, prestar homenagem ao ocupante da Cadeira 40, Antônio Almeida, falecido no dia 2 de janeiro do ano passado. A forma de realizá-la foi reproduzir, no calendário, trabalhos de autoria do acadêmico. O critério utilizado na seleção foi o de priorizar a diversidade de técnicas e materiais utilizados por ele nas diversas vertentes das artes plásticas. Há escultura, xilogravura, pintura a óleo, tapete, painel mural bem como madeira, cerâmica e metal. Aliás, o calendário traz uma pintura a óleo sobre madeira, O Beco do Couto, de tamanho pequeno (6 por 10 centímetros), pertencente ao acervo do espólio de Almeida, que pela primeira vez é divulgada amplamente.
     Ele foi, como se vê pela variedade de sua produção, um artista plástico no verdadeiro sentido da expressão, pois não se limitou a apenas uma das linhas de seu ofício. Em todas atuou com o talento explosivo, inventivo, original  e insuperável que o tornou um dos maiores, talvez o maior, entre os que têm se dedicado a essa labuta, considerados tanto os aqui residentes quanto os emigrados e os de outros Estados.
    De origem rural, filho de cearenses obrigados pela seca do Nordeste a demandar os vales férteis dos grandes rios do Maranhão, ele revela em numerosos exemplares de sua obra essa marca de origem. Dou como exemplo as xilogravuras, algumas constantes do calendário, usadas como ilustração para a primeira edição de Norte das águas, do escritor e decano da AML, José Sarney. Elas ajustam-se com perfeição à temática dos contos ambientados no interior do Maranhão, com personagens do mundo rural que Almeida conhecia tão bem e que hoje vai quase desaparecendo, como resultado da urbanização do Estado, mas por Sarney fixado com muita felicidade, com todos os dramas humanos universais ambientados no ambiente social local.
     Outra característica, em minha visão de leigo nesse campo, de Antônio Almeida, é a impressão de movimento em quase tudo feito por ele, impondo um dinamismo que não deriva simplesmente de mero realismo ingênuo, pois sua arte não se subordina a tal concepção equivocada de representação da realidade, não importando o que se possa definir como tal. A impressão vem de um simples gesto; de um dobrar ou não de um braço ou perna de um sertanejo; da curvatura do pescoço e das pernas do cavalo de Dom Quixote; de braços levantados; de um galo numa luta feroz; de uma cadela a proteger sua ninhada, gesto ao mesmo tempo tão instintivo e comovedor.
     Mesmo quando se pensa, inicialmente, não haver esse dinamismo do movimento, como em “Beco do Couto”, feita quase com certeza no início dos anos cinquenta, eis que dois simples traços definem com precisão duas pessoas que descem do alto da ladeira (o ponto de vista é de quem olha de baixo) puxadas pela força de gravidade tão presente, mas raramente sentida no nosso dia a dia, a não ser quando a verdadeira arte, como a dele, nos arranca da opressão do viver automatizado e estéril.
Ninguém pode escapar inteiramente à própria época. Antônio Almeida não será exceção. Mas, assim como olhamos, por exemplo, os quadros dos grandes pintores do Renascimento e refletimos sobre sua projeção para muito além de seu tempo e de seus contemporâneos, de tal modo que sua beleza nos faz reconhecer neles ainda hoje a verdadeira arte, da mesma forma, creio eu, esse grande artista maranhense será sempre compreendido.
     Começaremos a distribuir o calendário no decorrer desta semana. No próximo dia 4 de fevereiro, quinta-feira, a Diretoria presidida por Mílson Coutinho e a Comissão Fiscal tomarão posse e dirigirão a Academia no biênio 2010-2012. Na ocasião, a distribuição continuará. Os presentes o receberão como brinde da Diretoria que sai. Poderão, assim, avaliar por si mesmos, com essa amostra representativa, a justeza da homenagem feita pela Academia. Poderão também ver o presente dado a nós por ele: o seu talento, a beleza de suas realizações e o exemplo de vida dedicada à arte.

10 de janeiro de 2010

Nunca antes?

Jornal O Estado do Maranhão

     Nunca antes na história brasileira foi tão evidente que a construção de uma nação é obra de gerações, de várias administrações, de governantes com diversificadas orientações ideológicas. Tal como acontece com todas as instituições humanas, cujas construções não dependem nem podem depender, por constituir tarefa impossível, de vontade ou visão únicas. Demos nos últimos quinze anos passos enormes para nos tornarmos cidadão de um país do presente e não mais do futuro, aquele, sabia-se lá em quanto tempo, destinado a se tornar grande entre os grandes, permanente cantilena em meus ouvidos desde o dia em que pude entender alguma coisa a respeito do Brasil.
     Faço estas reflexões motivado pela tendência do atual governo de pensar ser Lula o descobridor do Brasil, o verdadeiro Pedro Álvares Cabral e as faço, ainda, informado pelo estudo feito pelo professor Claudio Salm, do Departamento de Economia da UFRJ e Membro da editoria do site Aparte – Inclusão Social em Debate, objeto de notícia dada por Elio Gaspari na Folha de S. Paulo. Segundo o resumo feito pelo jornalista, as Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios de 1996 e 2002, que inclui os anos de governo do PSDB, e de 2008, cobrindo os do PT, fornecem dados que mostram isto: 48,5% dos domicílios de famílias consideradas pobres, em 1996, tinham água encanada. No fim do governo tucano, em 2002, essa percentagem era de 59,6%, aumento de 11,3 pontos percentuais. Ao longo da administração petista esse indicador subiu mais 8,7 pontos percentuais. Significa dizer que a água encanada chegou  a 68,3% dos domicílios dos pobres em 2008.
     Em saneamento, as coisas se passaram de maneira semelhante. No período tucano, o acesso à rede de esgoto, dos mesmos domicílios das famílias pobres, passou de 32,3% a 41,4%, um ganho de 9,1 pontos percentuais entre 1996 e 2002. O PT acrescentou outros 11 pontos percentuais elevando o indicador a 52,4% de domicílios com acesso à rede. Os serviços de luz elétrica evoluíram de 79,9% em 1996 para 90,8% em 2002 e 96,2% dos domicílios pobres em 2008. Os telefones saíram de 5,1% e chegaram a 28,6% nos anos tucanos e a 64,8% em 2008, na gestão petista. Outros indicadores tiveram evolução parecida, como a coleta de lixo.
     Percebe-se nesses números melhoria constante, quase em linha reta, sem que esta apresente mudanças em sua inclinação, vale dizer sem elevação nas taxas de evolução. Não houve, a partir do início da administração petista, aceleração nenhuma na tendência anterior. Não é coincidência que a correta política econômica do governo Lula seja a continuação da política de FHC.
     Antes disso tudo, no entanto, no período de José Sarney como Presidente da República, a experiência acumulada no combate à inflação, prejudicado pela configuração política da época de transição, quando o país estava saindo do regime ditatorial, serviu de valioso subsídio para o início, no governo Itamar Franco, da vitória sobre a inflação. O fim desta permitiu ao país promover – superado o período de adaptação à nova realidade surgida com o  restabelecimento do sistema de preços relativos, que orienta as decisões de investimento e consumo das empresas e das famílias e ante os arranjos institucionais existentes –, a melhor alocação possível dos escassos recursos da economia.
     Qual o sentido então de se empenharem o PSDB e o PT numa disputa ao estilo futebolístico a fim de ver quem é o tal? A emulação entre eles é até bem-vinda e é natural que os partidos queiram exaltar suas realizações, mas não a ponto de sovieticamente empenhar-se em fazer o outro desaparecer da história do país, como se fazia na antiga União Soviética. O Brasil está se tornando uma força considerável na arena internacional. Isso não ocorre por acaso ou por vontade de um ser superior e infalível, isento de erros. Acontece porque estamos nos tornando economicamente importantes nos mercados globais e amadurecendo como nação. Acontece porque estamos construindo, todos nós, sem monopólios da sensibilidade social, uma sociedade melhor.

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