1 de fevereiro de 2004

De Boas Intenções...

Jornal O Estado do Maranhão 
Volta e meia, alguém se lembra de aumentar a lotação do inferno com – vá lá – boas intenções. Essa prática e suas conseqüências danosas são velhas, da idade de Matusalém, mas, lamentavelmente, continuam a ter muitos adeptos. Falo do Estatuto do Idoso em seu parágrafo terceiro, inciso V, do 15º. artigo, aprovado pelo Legislativo e sancionado pelo Executivo. Lá, está a eterna mania de quererem fazer obséquio com o dinheiro alheio.
Na tentativa de proteger o cidadão de 60 anos ou mais de supostos “aumentos abusivos” por parte das firmas que comercializam planos de saúde privados, proibiu-se a elevação dos valores cobrados dessa faixa etária. Resultou daí a elevação para os futuros idosos – aqueles com idade abaixo desse limite – da mensalidade a ser paga a partir de seu ingresso nos planos.
Ocorre o seguinte. As empresas, como forma de compensar a proibição relativa aos mais velhos, elevaram, muito previsivelmente, aliás, a contribuição dos mais novos, especialmente daqueles na faixa de 44 a 49 anos. O aumento previsto para atingi-los somente depois de completarem 65 anos passou a ser cobrado logo e continuará a sê-lo, exceto na hipótese de resolverem piorar a situação, estabelecendo a mesma restrição para todas as faixas. Na prática, muitos que pensavam participar não mais o farão. Um burocrata da Agência Nacional de Saúde disse com ar de sabichão e tom professoral que o Estatuto obriga um pacto entre gerações. Bacana!
Entre os que vêem o lucro como pecado e acham que o empresário o almoça e janta, não faltará quem apóie esse tipo de ação bem intencionada, porém tola e desastrada, e quem veja as empresas de saúde como gananciosas e merecedoras mesmo de punição, por meio da utilização de controles de preços. A suposição é, naturalmente, de serem elas entidades filantrópicas; de existirem só receitas, mas não custos; de o atendimento aos idosos, demandantes de mais assistência médica em comparação aos jovens, não provocar acréscimo de custos e de não haver a necessidade de cobri-los.
 Porém, como todo aluno de economia do primeiro período, ou qualquer um que se dê ao trabalho de abrir um livro de história econômica, sabe, controles de preços nunca funcionaram no passado, não funcionarão no presente nem no futuro em uma economia de mercado. Ou melhor, funcionam, mas ao custo da suspensão da produção de bens e serviços, com o conseqüente desabastecimento, desemprego e diminuição da renda nacional. Mais certo seria ficar vigilante contra cartéis e monopólios e estimular a competição.
Mesmo em economias centralmente planificada, em que o governo imagina controlar todos os preços, essa será sempre uma pretensão ingênua, ou talvez arrogante, mas inevitavelmente fracassada. Essa ilusão, com todas as ineficiências dela resultantes, muito contribuiu para a derrota da antiga União Soviética na disputa com os Estados Unidos pela hegemonia econômica mundial.
Quero deixar bem claro uma coisa. Não sou de modo algum contra o Estatuto nem poderia sê-lo, como nenhuma pessoa é. Sou, sim, contra esse dispositivo, pela sua irracionalidade travestida de boas intenções. Ele não representa uma conquista social, como muita gente gosta de proclamar. É uma derrota da economia do país e de todos, pobres e ricos, jovens e idosos, como o foram muitas das “conquistas” da Constituição de 1988.
Os legisladores têm a tendência de conceder benefícios sem consideração alguma dos custos da concessão. Se tal procedimento fosse sustentável, para usar uma palavra da moda, então estaríamos no paraíso terrestre, pelo menos do ponto de vista material. Infelizmente, tudo tem preço, nada é de graça, como Adão e Eva já sabiam desde antes de sua injusta expulsão do Éden. Se nossos dirigentes querem cumprir suas obrigações, dando condições de vida dignas aos idosos, temos a obrigação de apoiá-los. Devem fazê-lo, todavia, de outra forma. Não é pela adoção de ilusionismo econômico-social que os mais velhos serão salvos. Nem eles nem ninguém.

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