27 de junho de 2010

Zebra, não


Jornal O Estado do Maranhão


    Em Copa do Mundo de futebol não existe zebra com respeito ao resultado final. Não será nesta, em terras africanas que têm muitos desses simpáticos animais, que elas irão “adentrar o gramado”, como diriam os locutores esportivos do passado, ou entrar no relvado, em termos portugueses. Vamos aos números, que só mentem se forem torturados barbaramente. (Escrevo na sexta-feira, antes do jogo contra Portugal).
    Em todas as Copas, desde a primeira em 1930, quando o Uruguai foi campeão em confronto com a Argentina, até a de 2006, uma das seleções do grupo constituído pelo que eu chamo de Os Quatro Grandes, o G-4 do futebol – Brasil, Argentina, Alemanha e Itália – chegou à partida final, ou duas delas chegaram. Isso quer dizer que, sem exceção, uma delas foi campeã ou vice-campeã em todas as Copas. todas. Nas 10 a partir de 1970 (já foram realizadas 18 e mais a deste ano, a décima nona) e até 2006, em 6 a disputa do título ocorreu dentro desse grupo, em mais da metade, portanto. Cito o campeão primeiro: em 1970 (Brasil e Itália); 1982 (Itália e Alemanha); 1986 (Argentina e Alemanha); 1990 (Alemanha e Argentina); 1994 (Brasil e Itália); em 2002 (Brasil e Alemanha). Nas outras 4, a última partida contou com uma do G-4 contra alguém “de fora”, em verdade apenas duas equipes, a da França, 2 vezes, contra o Brasil em 1998 e contra a Itália em 2006, e a Holanda, contra a Alemanha em 1974 e contra a Argentina em 1978.
    Essa concentração de poder futebolístico pode ser expressa também pelo número de países que venceram o torneio. Além das quatro grandes, apenas três: Uruguai nos muito distantes anos de 1930 e 1950 bem como Inglaterra no também distante 1966 e França em 1998. São, assim, 7 países. Para se avaliar bem estes números é preciso saber que a Fifa, entidade controladora do esporte no mundo, tem 208 membros, mais do que a ONU e do que o Comitê Olímpico Internacional. Os vencedores constituem, desse modo, 3,4% do total (7 de 208). Dito de maneira diferente, tão somente 3,4% dos filiados da Fifa venceram 100% das contendas. Concentração tão grande só a da renda pessoal em nosso país.
    Outra medida de concentração pode ser construída com o número de títulos ganhos pelo G-4. Neste caso, chegamos a 78% porque são 14 de campeão, ganhos por esse grupo, de um total de 18.
    Alguém deseja ter mais dados sobre essa concentração ludopédica? Vejam isto. O Brasil disputou 7 partidas finais, mesmo quantidade da Alemanha. Como os dois países foram juntos a uma delas, em 2002, por nós vencida, somadas elas perfazem o total de 13. Em termos percentuais, tal número equivale a 72,2% das partidas finais.
    E os nossos números? São estes: 1 quarto lugar (1974); 2 terceiros (1938 e 1978); 2 segundos (1950 e 1998; e 5 primeiros (1958, 1962, 1970, 1994 e 2002), ou colocação entre os quatro primeiros em 10 Copas do Mundo, equivalentes a 56% do número de competições. A Seleção é a elite dentro da elite. Caso eu diga, por exemplo, que a probabilidade de o Brasil ganhar é de 56% isso significa que a cada 100 Copas realizadas venceremos 56.
    Menciono esses números com o fim de dar ao leitor um quadro realista da situação atual. Temos, sim, maiores chances, nós e os 4 grandes, nessa ordem. O passado é um bom guia relativamente ao futuro. Mas, se falamos em ganhar, como aqui fazemos, então, se a probabilidade não é de 100%, devemos ter o espírito preparado para a derrota também. No entanto, quem ganhou mais do que o Brasil? Ninguém.
    De qualquer maneira, falo de um esporte. Se fôssemos capazes de prever todos os resultados, tudo perderia a graça e ficaria chato. O futebol é tão popular justamente porque tem capacidade única de gerar paixões, pondo a razão de lado. O bom mesmo é sentir o frio na barriga, a ansiedade antes do início do jogo e explodir num grito de gol, com bandeiras e camisas do Brasil. É se emocionar.
A zebra existe apenas em partidas isoladas, mas não tem influência sobre quem vai sair vencedor. Os melhores não ganham sempre, ganham, porém, mais vezes, como o Brasil a partir de 1958.

13 de junho de 2010

O Memorial dos 80 anos

Jornal o Estado do Maranhão



     Acabo de ler o Memorial dos 80 anos, editado pelo Instituto. Geia O livro é de autoria de Mílson Coutinho, presidente da Academia Maranhense de Letras, onde ocupa a Cadeira 15, patroneada por Odorico Mendes e fundada por Godofredo Viana, governador do Estado entre 1923 e 1926. Em verdade, fiz uma releitura de sua primeira parte, pois esta, revista e atualizada agora, compõe Sarney: apontamentos para a vida e obra do chefe liberal, publicado em 1986.
     O presidente da AML, ocupante de Cadeira criada por um político e escritor, escreve sobre outro político e escritor, José Sarney. Este, além de governador, como Godofredo, foi presidente da República e tantas coisas mais que relacioná-las tomaria todo o espaço de minha conversa quinzenal neste jornal. Recomendo aos interessados a leitura da bibliografia de Sarney entre as páginas 344 e 350. Desde já ela se torna a mais completa de quantas já foram elaboradas sobre a obra do decano da AML e da Academia Brasileira de Letras. A listagem tem 141 entradas e está organizada em grandes itens: Poesia, Conto, Romance, Ensaios, Crônicas, Política e Avulsos.
     Se a esse apanhado no campo literário, adicionarmos as posições políticas ocupadas por Sarney no período de mais de cinco décadas de vida pública no Maranhão e no Brasil, incluindo-se a de presidente da República, poderemos ter ideia da importância para os destinos da nação brasileira do mais importante político da história do Maranhão.
Milson Coutinho, com sua capacidade de extrair ordem do aparente caos de informações contidas nas fontes documentais com que é feita em grande parte a História e, ainda, historiador com uma produção certamente longa e importante, podendo ser considerado como um dos melhores historiadores de nosso Estado na atualidade, Mílson, eu dizia, vai passo a passo construindo a trajetória de seu biografado – é de uma história de vida de que o livro trata – de tal forma a mostrar como o político e o intelectual convivem sem conflitos instransponíveis. No fim, fica-se com a certeza de que um, o político, olha o outro, o escritor, com admiração e vice-versa, embora não permitam interferências mútuas, ou só o façam minimamente. De fato, nesse tempo todo de vida ativa nas letras e na política, José Sarney nunca permitiu a esta última interromper o exercício da outra. Essa constância é mais evidente agora, quando ele acaba de completar 80 anos de idade, sendo sinal de extraordinária disciplina intelectual bem como daquele suor cotidiano componente indispensável do trabalho das grandes figuras da literatura.
     O livro não deseja ser contra nem a favor do biografado, não quer atacá-lo nem defendê-lo. Apresenta fatos e circunstâncias, sem tomar partido, frustrando certo tipo de leitor sempre à espreita, nesse tipo de narrativa, da luta do bem contra o mal, ou da grande batalha dos maus contra os bons, visão sem guarida tanto na política quanto na literatura. Mílson pretende, em vez disso, levar o leitor a tirar suas próprias conclusões. Se a avaliação resultar positiva para Sarney, como tenho certeza de que resulta, isso irá apenas confirmar a avaliação feita anteriormente e por longo tempo pela grande maioria dos maranhenses.
Na segunda parte, o autor deixa falar as pessoas. São depoimentos de diversas personalidades brasileiras e estrangeiras. O conjunto nos dá a dimensão internacional da projeção de Sarney e da qualidade de seus admiradores de todas as orientações político-intelectuais, conquistados pelo mundo afora.
     Não é coincidência o lançamento neste mês. Sarney completa no dia 17 de junho, quinta-feira próxima, 58 anos de sua posse em 1952 na Academia Maranhense de Letras, na Cadeira 22, fundada por Ribamar Pinheiro que, como ele, foi presidente da Casa, e patroneada por Humberto de Campos, escritor que exerceu mandatos de deputado federal em duas legislaturas. No dia anterior, 16, a obra será lançada na Biblioteca do Senado com a presença do autor às 19 horas. No dia 18, o evento se repete aqui em São Luís na Fundação da Memória Republicana no mesmo horário.

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