22 de maio de 2016

Questão de princípio

O Estado do Maranhão

           O Brasil viveu, há poucas semanas, um dos episódios mais grotescos e bizarros de sua vida política das últimas décadas: a tentativa de anulação do processo em curso no Congresso Nacional, de impeachment da presidente Dilma Roussef.
           O deputado Waldir Maranhão, do Maranhão, julgando estar investido de poderes efetivos, reais, além dos formais derivados do cargo de presidente da Câmara dos Deputados, por ele ocupado interinamente por causa do afastamento pelo STF do presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha, e aconselhado pelo governador do Maranhão, Flávio Dino, do PC do B, como também pelo Advogado Geral da União, resolveu anular sessões da comissão especial as Câmara, que avaliara como admissível a acusação de crime de responsabilidade contra a presidente Dilma Roussef. A prevalecer a intenção de Maranhão (não a intenção do Estado do Maranhão) o processo teria de recomeçar quase do zero. Mas, ele mudou de ideia em menos de 24 horas, anulando a anulação inicial. Conseguiu, tão só, provocar desorientação e confusão no país e acrescentar avaliação negativa real a seu claudicante currículo.
          De meu ponto de vista, a atitude do deputado não surpreendeu. Ele, afinal, já mudara de lado, de última hora, sem contrair um músculo sequer da face. Era a favor do impeachment e passou a contra, na sessão em que o plenário da Câmara decidiu pela admissibilidade da acusação contra a presidente. Não se tem notícia por meio de quais negociações.
          Surpresa, mas não grande, foi ver o chefe do Executivo do Estado dar orientação prévia a Waldir, numa pândega daquela, de curta duração, menor do que a da rosa do poema de Malherbe, “Consolação a Du Périer”: “o espaço de uma manhã”.
          Vejamos agora. A ética da responsabilidade e as altas exigências que ela impõe aos homens públicos os tornam responsáveis por milhares ou milhões pessoas, tornando inevitável a escolha entre essa ética, que lida com o bem-estar de todos, e a ética da convicção, assunto privado. A primeira – não se alimentem dúvidas – deve ter prioridade. O governador poderá pensar que se faz uma grande injustiça a Dilma e estar honestamente convicto da inocência dela. Ninguém poderá lhe negar, somente por isso, o direito de pensar assim e poderá, até, pensando assim, aplaudi-lo por agir de boa fé e não renegar seu próprio convencimento. Mas, não terá ele o direito de sacrificar os membros dessa comunidade à sua visão do mundo e da política.
          Explico: o confronto radical, de fundo ideológico, entre o chefe do Executivo, em defesa do governo moribundo do PT, e o novo, só poderá trazer prejuízos à economia do Estado e aos maranhenses, já não digo por qualquer espírito de retaliação dos novos dirigentes, mas, relativamente à nossa administração, por certa desconfiança, que pode ser, até mesmo, sentimento instintivo. Porém e mais uma vez, as crenças individuais jamais devem prevalecer sobre o bem-estar geral.
          Os grandes políticos, e coloco José Sarney entre esses, o são porque entenderam e aplicaram esse princípio. É pré-requisito para ficar na História entender o que é o poder e a política.

1 de maio de 2016

Preço a pagar

O Estado do Maranhão

          Na semana passada vi na TV entrevista com três correspondentes de jornais e revistas internacionais: um russo, um escocês e um espanhol. Os três falam excelente português e soam como nativos do português brasileiro. Destaco o talento deles a fim de lembrar que não padecem de problema comum de estrangeiros em qualquer país do mundo: a barreira da língua. As sutilezas linguísticas em qualquer idioma têm essa característica de, quando menos se espera, erguerem obstáculos à comunicação, criando a sensação ao não nativo de falta de chão e de vertigem de queda em precipício.
          Esses correspondentes, como é comum ocorrer em sua profissão, são bem treinados e altamente qualificados para entender e interpretar o país onde trabalham, sendo a habilidade com a língua local apenas uma entre várias. Eles também estudam a história e a vida social assim como a política das sociedades onde se encontram. Discursos ideológicos, portanto, bem como tentativas de arrastá-los até o ponto de vista de correntes políticas e ideológicas locais, são tentativas vãs de influenciar suas análises, destinadas ao público caseiro deles.
          Qual a razão de eu dizer tudo isso? O entrevistador insistia na mentira da polarização da sociedade brasileira, nomeadamente, como dizem nossos amigos portugueses, ao falar do impeachment de Dilma. Se algum entrevistado ignorava o suposto confronto de metade contra metade da população, ele voltava ao ponto.
          Ora, entende-se por polarização – pelo menos, entendo eu – como uma disputa equilibrada entre duas forças antagônicas e igualmente fortes. No contexto brasileiro de hoje, situação como essa não ocorre. Temos, em um polo, 20% da população e, no outro, 80%, segundo pesquisas de opinião recentes. Onde, o equilíbrio? Os números espelham a profunda rejeição ao governo em todas as regiões brasileiras, todos os níveis de renda e de educação e todas as faixas etárias da população. Lula é o potencial candidato a presidente em 2018 mais rejeitado, com vários corpos de vantagem negativa sobre os possíveis adversários, embora apareça, aos olhos dos eleitores, à frente de eventuais pretendentes. Num provável segundo turno, suas chances de eleição seriam mínimas.
          Esse povo, hoje opositor tão veemente ao PT e seus líderes, é o mesmo que já os aplaudiu fanaticamente. Mudou o quê? Mudaram muitas coisas, sendo o desastre econômico, criado por políticas econômicas simplistas e erradas, a mudança mais importante. O eleitor, acredito, tende a olhar em outra direção, evitando ver as falcatruas, quando sua vida e a de sua família lhe dão a sensação de melhorar. Aconteceu no Mensalão, quando as coisas andavam menos mal arrumadas, mas, não no Petrolão, quando a economia estava se desmanchando. Nenhuma Bolsa Família, nenhuma fábrica de votos, será capaz de gerar apoio quando a inflação aumenta junto com o desemprego, na presença de uma chefe do Executivo incompetente em todas as áreas.
          Os economistas costumam dizer que tudo tem preço, embora nem sempre quem deveria pagá-lo o faça, porque, na sociedade, outros o fazem em seu lugar. Neste caso, não, pois o PT paga o preço de seus próprios delitos e delírios.

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