17 de março de 2002

Todos os Santos

Jornal O Estado do Maranhão
Hostes celestiais estarão presentes à solenidade de reinauguração no próximo dia 22, sexta-feira, às 19 horas, do Palácio Arquiepiscopal de São Luís, restaurado graças às gestões da governadora Roseana Sarney na obtenção de recursos do Programa Mecenato do Ministério da Cultura.
Refiro-me à corte formada por santos maranhenses. Digo de outra forma: por imagens de santos. Melhor ainda: por fotos de imagens de santos. Explico-me. É que, por ocasião da reinauguração, será lançado o livro Olhos da alma: Escola Maranhense de Imaginária, de autoria de Kátia Santos Bogéa, Emanuela Sousa Ribeiro e Stella Regina Soares de Brito, sob a coordenação editorial da primeira autora. O livro tem um belo conjunto de fotografias de santos feitos no Maranhão e um bom texto.
Patrocinado pela Petrobrás, com o apoio do governo do Estado e da Fundação Sousândrade, ele é o resultado de uma pesquisa histórica que cobre o período desde a época colonial até o início do século XX. A idéia central é a de que existiu uma Escola Maranhense de Imaginária (este último termo designa o estudo tipológico de imagens de santos) da mesma forma que existiu uma escola em Minas, Rio de Janeiro e Pernambuco, por exemplo.
Não se faria inteira justiça ao estudo se não se indicasse, logo de início, ser ele pioneiro no Maranhão e ter poucos similares em todo o Brasil. Embora a produção maranhense de imagens sacras já fosse conhecida, pelo menos em parte, não havia ainda por aqui um estudo amplo e sistemático que tornasse possível demonstrar a existência de uma escola no nosso Estado. É essa caracterização que as autoras estabelecem, residindo justamente aí o pioneirismo do trabalho.
Para fundamentar o estudo, elas percorreram 45 municípios, orientadas por um levantamento prévio de 284 peças, e visitaram 71 igrejas e capelas em que as imagens se encontram. Com essa base e com o apoio de vasta bibliografia e da documentação disponível nos arquivos históricos do Estado, elas foram capazes de mostrar como surgiu e evoluiu a Escola Maranhense de Imaginária.
   Assim é que elas apontam corretamente o importante papel dos jesuítas, até sua expulsão definitiva em 1759, no sistema educacional da colônia, do qual era parte o ensino de ofícios manuais, entre eles a confecção de santos, nas oficinas de entalhe, escultura e pintura da ordem, para o abastecimento de suas igrejas, capelas, fazendas, missões e colégios em toda a região do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Padrões estilísticos e estéticos bem definidos podem ser identificados nas imagens desse período jesuítico, entre a segunda metade do século XVII e a primeira do XVIII.
Com a expulsão dos jesuítas, os santeiros ficaram livres, a partir da segunda metade deste último século, para fugir das regras sobre estilo e técnica. Puderam, então, com os conhecimentos obtidos de seus antigos mestres jesuítas, reinterpretar os códigos estéticos de maneira livre, iniciando uma produção com características próprias. As autoras assinalam que é a partir dessa época que se pode falar com propriedade de uma escola. Surge, assim, o que se pode chamar de Barroco Maranhense.
No século XIX, houve uma ruptura profunda nos padrões da imaginária maranhense, como conseqüência, em grande parte, das transformações provocadas pelo crescimento econômico do Estado. Isso levou a uma grande diversidade estilística, surgida da mistura do legado jesuíta com as influências neoclássicas importadas da Europa.
O século XX viu, com o declínio econômico, a perda de técnicas e de estilo com a gradativa substituição do trabalho artesanal local por peças industrializadas de gesso.
O livro, em formato de álbum, é excelente também do ponto de vista gráfico. As imagens dos santos aparecem nas belas imagens fotográficas de Edgar Rocha. Mais uma vez, ele demonstra competência e sensibilidade, agora com o trabalho impecável de revelar o encanto dessa arte sacra legada a nossa cultura pela Igreja Católica com todos os seus santos.

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