4 de maio de 2003

Hora de reformar

Jornal O Estado do Maranhão 
Acusam o presidente Lula da Silva e o PT de incoerência. De fato, depois de chegar ao poder, o partido e seu mais expressivo líder rapidamente colocaram em prática as políticas econômicas tenazmente por eles combatidas durante décadas, sem ao menos dar a seus eleitores o consolo da implantação de suas próprias receitas, recomendadas anteriormente, supostamente destinadas à cura da injustiça social no nosso país.
O chamado neoliberalismo, de que a administração passada era “acusada”, foi adotado sem nenhum acanhamento pela atual, antes oposição, embora não se mencione mais a palavra execrada, neoliberal. Não se ouve mais essa “acusação” contra ninguém. Todavia, a política é a mesma, com uma diferença: sua aplicação é radical agora, embora sua denominação tenha desaparecido. Nem mesmo a atual oposição, anteriormente governo, “insulta” de neoliberal a nova direção petista do país. Lembra-se, quem sabe, de sua antiga defesa das políticas governamentais de hoje.
Esses os fatos. Vamos ao mérito da acusação política contra Lula.
Ora, coerência pode ser, muitas vezes, teimosia, burrice, recusa de ver a realidade mutante, desconfiança do desconhecido. Dizer de alguém, por exemplo, que, é coerente pode soar como uma forma de encobrir um birrento, desses de dizer que, se a realidade não está de acordo com suas pré-concepções, pior para a realidade. Se o partido mudou, ou pelo menos seus dirigentes e a maioria de seus membros, foi porque percebeu a necessidade de fazê-lo, dadas as limitações da economia brasileira e a responsabilidade com o país, assumida desde o momento da vitória nas eleições presidenciais. Onde está a incoerência? Esta, como diz o Houaiss, é “falta de lógica; ausência de ligação, de nexo entre fatos, idéias, ações etc.”. Não é isso que se vê. O partido teve, isto sim, apenas uma espécie de crise de bom senso, escasso no passado, é verdade, que, como a CPMF, que todos pensavam ser provisória, vem, felizmente, se revelando permanente. A política econômica atual, de responsabilidade fiscal e de aperto monetário, é adequada ao momento presente e, certamente, a qualquer época. Alguns poucos deputados do PT insistem nas antigas propostas. Estão sendo teimosos e cegos.
Todos gostaríamos de aplicar mais verbas nas áreas sociais, tão necessitadas de investimentos, para diminuir as desigualdades. A eliminação destas fará do Brasil não apenas um país mais justo, mas uma grande potência econômica. Contudo, de onde é possível tirar tais recursos, senão de uma economia saudável, a ser construída com políticas macroeconômicas coerentes e consistentes, como as que o PT adotou, capazes de gerar aqueles meios financeiros? Enquanto não se inventar algo melhor do que a economia de mercado, essa é a regra do jogo. Tudo tem um preço. O da aplicação inconseqüente de recursos em programas sociais, sem uma base econômica forte, gera o caos econômico, social e político, como já ocorreu em alguns países.
É nesse contexto que devem ser analisadas as reformas encaminhadas, ou a ponto de encaminhamento, pelo governo, ao Congresso. A da previdência procura eliminar, a longo prazo, o desequilíbrio do sistema previdenciário, contribuindo, dessa forma, para o equilíbrio orçamentário do setor público e, portanto, a saúde econômica da nação. A tributária propõe reduzir custos da atividade econômica, sem perda de receita do setor público, tornando nossa economia mais eficiente e capaz de superar nossos competidores nos mercados internacionais.
Naturalmente, a discussão das reformas, não importa se as chamamos de neoliberais ou não, terá de levar em consideração os interesses dos diversos grupos sociais. A importante questão, de natureza essencialmente política, de decidir com justiça sobre ganhadores e perdedores nesse processo, irá influenciar o resultado das reformas e o nosso futuro. Resolvê-la é o nosso desafio agora. Vencê-lo é contribuir para a construção do Brasil que desejamos legar às gerações futuras.

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