25 de novembro de 2014

De quem, a conta


          Passados brevíssimos três dias da eleição presidencial, o Banco Central, a mando de Dilma Rousseff, notória inimiga da autonomia do órgão, sentimento alardeado por ela durante a campanha eleitoral, elevou a taxa básica de juros da economia brasileira a 11,25%. Todos sabiam que, cedo ou tarde, medidas de contenção da inflação, entre elas essa de agora, teriam de ser tomadas, na hipótese benigna, claro, de estar na cogitação dos companheiros o combate “diuturno e noturno à inflação”, como certamente diria Dilma em dilmês, essa língua tão pitoresca, da família do búlgaro antigo. Todavia, ninguém contava com tanta pressa. Faltou um pouco de pudor, considerado o discurso aterrorizante de campanha contra, justamente, a elevação.
          Em verdade, eu sempre pensei que seria Aécio Neves, caso eleito, o executor dessa política “neoliberal” e não o “partido do povo”, não o PT, na medida da representatividade efetiva da presidente das ideias do petismo, ou petralhismo, sei lá, defensor presumido de medidas econômicas heterodoxas cuja aplicação há tempo geram fracassos e ranger de dentes mundo afora. Onde receitas de tal natureza funcionaram positivamente? Em qual país elas geraram estabilidade com inflação baixa e crescimento razoável? Por favor, amigos, ajudem-me, preciso conhecer um exemplo apenas, a fim de convencer-me da das virtudes da heterodoxia. Prometo, caso alguém me apresente fato concreto, ser dela fiel discípulo.
          Mas, eu falava dos juros e da ordem de elevá-los dada por Dilma ao BC e já me lembro dos combustíveis e da energia elétrica. No primeiro caso, a julgar pela reação do mercado, a subida dos preços, autorizada pelo governo do PT, veio insuficiente e muito tarde, na avaliação dos agentes econômicos, e não resolverá os problemas de caixa da Petrobrás. Simultaneamente, levará à intensificação das pressões inflacionárias. Esse julgamento resultou em forte movimento de baixa das bolsas e alta do dólar, como há décadas não se via.
          Fechando, por enquanto, esse pacote pós-eleitoral, a energia elétrica foi igualmente elevada como consequência das barbeiragens na condução da política energética do país de 2013 até hoje. Dilma, suposta especialista no assunto, achou de forçar as geradoras de energia a renovar antecipadamente seus contratos de fornecimento. A conta chegou agora na forma de preços mais altos.
          O nome dado a todos esses movimentos, nas circunstâncias em que foram feitos, logo após as eleições e em confronto com promessas da candidata Dilma, inteiramente contrárias às decisões dela mesma neste momento, só pode ser o de estelionato, assim definido: "Obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento."
          É autor de tal crime, de esconder do eleitor os aumentos planejados ainda antes da campanha e de atribuir ao adversário da então candidata ações que acaba de praticar, o governo do Brasil, por sua presidente e seus ministros da Fazenda e do Planejamento. Eles agora pedem ao Congresso aval legislativo para desrespeitar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a Constituição do Brasil e a Lei de Responsabilidade Fiscal por meio do abandono das metas de superávit primário, tornando legal comportamento ilegal já adotado na prática: o abandono de diretriz econômica de qualquer natureza. Teremos este ano um superávit inexistente, como inexistente é a política econômica. Resultado: aprofundamento do descrédito do Brasil e fortalecimento das expectativas inflacionárias, como se já não tivéssemos tantas más notícias.
          Como dizem com acerto os economistas, nada é de graça, tudo custa alguma coisa e, portanto, tem preço explícito ou não. Se não o pagamos, outros necessariamente o farão por nós. A conta já começou a chegar. Pena que ela não seja cobrada apenas dos responsáveis pelo desgoverno, pelos embustes eleitorais e pela decadência em que vivemos. Pagarão caro todos os brasileiros, eu e você, caro leitor, na moeda da perda de renda e estagnação econômica inescapáveis.

23 de novembro de 2014

Programa de pesquisa


Jornal O Estado do Maranhão

          A revolução modernista de 1922 chegou ao Maranhão somente em 1946, com Bandeira Tribuzi, de volta de Portugal, para onde fora com o fim de estudar em Coimbra, e de Lucy Teixeira, vinda de Minas Gerais, onde conviveu com grandes nomes da literatura mineira e da nacional. Veio dela o primeiro e mais forte incentivo à minha experiência de escrever crônicas e, depois, com a seleção de algumas delas, publicá-las no livro Pedaços da eternidade, que, imagino, teve boa acolhida do público. Ela e Tribuzi, com quem eu, um jovem economista recém-formado, trabalhei no extinto Banco de Desenvolvimento do Maranhão – BDM, difundiram a partir daquela época o Modernismo entre nós.
          O acadêmico José Sarney, por ocasião da sessão magna comemorativa do centenário da Academia Maranhense de Letras – AML em 2008, quando eu presidia a instituição, sobre Lucy, afirmou que “tinha flores nas palavras”. Antes, ao recepcioná-la por ocasião de sua posse na AML, já resumira com precisão: “Dois grandes polos marcam a vida literária daqueles anos. A importância que iriam ter na nova geração é marcante [...]. Tribuzi traz os poetas novos portugueses, lança em termos do presente os reencontros da lírica portuguesa no Maranhão. E Lucy o acompanha nos caminhos da nova poesia, nas perplexidades dos jovens, numa busca angustiosa de novas formas, novas expressões”.
          Inicialmente, formou-se um pequeno grupo em volta dos dois: Carlos Madeira, Luís Carlos Bello Parga, Murilo Ferreira, Evandro Sarney, José Sarney. Logo depois, Ferreira Gullar e Lago Burnett. Um pouco mais adiante, Manuel Lopes, Cadmo Silva, Domingos Vieira Filho, Reginaldo Telles, Vera Cruz Santana, José Bento, José Filgueiras, José Brasil, Raimundo Bogéa, José Chagas, Agnor Lincoln da Costa. Quase toda a nossa produção intelectual até aquele momento voltava-se para um passado simultaneamente real idealizado, clara forma de compensação psicológica pela decadência do presente, e continuava aprisionada aos padrões românticos e parnasianos vigentes no começo do século XX, já superados havia quase três décadas. O retorno de Lucy e Tribuzi mudou muita coisa.
          Por volta de 1950, já faziam parte da AML, depois de período de apatia, jovens ligados aos movimentos de renovação, como Franklin de Oliveira, Pedro Braga Filho e Corrêa da Silva, e, pouco mais tarde, Lago Burnett, Odylo Costa, filho, José Sarney e Domingos Vieira Filho.
          Apesar de algumas mudanças de lá até agora e de todo o esforço de algumas pessoas solitariamente bem como de várias instituições, nossa sociedade padece ainda das limitações culturais onipresentes, embora, felizmente, não onipotentes, características de nossa atmosfera mental mais do que centenária. Permanecemos deficientes em estudos e pesquisas consistentes sobre as nossas realidades econômica, social e política. Um exemplo só: não pesquisamos ainda sobre a possível existência de mercado interno dinâmico aqui no período colonial, a exemplo do que fez Jorge Caldeira no seu História do Brasil com empreendedores, para o Brasil, a fim de confirmar ou não o modelo “agrário-exportador” e o papel do latifúndio em nossa formação econômica, como analisados por Caio Prado Júnior; consideramos o estudo e uso da teoria como ocupação de sonhadores desligados da realidade, na suposição de serem reflexões teóricas antagônicas à prática e não um guia seguro da ação consequente e responsável; fazemos muitos versos e pouca poesia, com as boas exceções de sempre; não escrevemos quase nenhuma ficção e quando o fazemos, corremos o risco de reinventar a roda ou redescobrir o fogo, porque não nos preocupamos em acompanhar as novas correntes de pensamento ou os movimentos de renovação surgidos fora daqui. Em tudo ressalvo os esforços desses bravos lutadores contra as forças da entropia intelectual e a favor de nossa sintonia com a dinâmica do mundo moderno.
          Quem sabe as breves notas que aqui acabo de deixar possam servir à reflexão dos pesquisadores locais no estabelecimento de necessário programa de pesquisa sobre a economia do Maranhão.

2 de novembro de 2014

Projeto ilegítimo

Jornal O Estado do Maranhão

          Candidatos a postos do Executivo são eleitos, em parte, pelas ideias apresentadas na campanha. Os eleitores as avaliam com as informações que possuem e tomam decisões acertadas do ponto de vista de seus interesses. Na eleição recém-encerrada, para presidente da República, um dos temas debatidos com franca radicalização foi o do controle (ou descontrole) da inflação e do papel do Banco Central na preservação do valor da moeda nacional. A presidente Dilma afirmou, com base em teoria e dados empíricos antes desconhecidos, pois vindos de Marte, que a fim de se chegar à taxa de inflação de 3% seria necessária taxa de desemprego de 15%. Sua mensagem era óbvia: ela não elevaria os juros com o objetivo de reduzir a inflação, porque tal medida faria crescer o desemprego demasiadamente. Que nos conformássemos com inflação alta e crescente. Três dias depois da eleição, ela mandou o Banco Central (lembre-se, leitor, ela não gosta de BC autônomo) aumentar os juros. A taxa básica ficou em 11,25% ao ano, o mercado já prevê 12% em pouco tempo e, acreditem, um dos nomes da lista de cotados para assumir a direção do BC é banqueiro, o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco.
          Teria ela mudado de ideia? O crescimento das taxas de desemprego não a preocupam mais? Elevar juros deixou de ser coisa do neoliberalismo desalmado das elites? O BC agora pode ser entregue a um banqueiro e pode majorar juros sem tirar o alimento da mesa e da boca dos pobres? Marina, objeto desta mentira repetida mil vezes com o fim de nela ser posto o selo mentiroso de querer matar o povo de fome, pelo menos entregaria o BC aos banqueiros à meia noite num terreno baldio, segundo Dilma. A presidente o entregará “diuturnamente”, como se diria em dilmês castiço, para acalmar os miseráveis mercados. Ou o Banco já estava anteriormente, em pleno desgoverno petista, dominado pelos banqueiros e no gozo de plena autonomia, nas barbas de Dilma? Como se sabe, as bancas nacional e internacional são compostas de gente má e insensível, que pretende acabar com o país descoberto por Lula e não por Pedro Álvares. Afinal, o senhor Trabuco honrará o próprio nome e sairá por aí atirando nos pobres brasileiros?
          Após o aumento dos juros, o estelionato eleitoral se completará com o aumento de combustíveis e eletricidade.
          Do projeto petista-leninista, consta também o chamado “controle social da mídia”. Controle não é, porque a palavra dá um certo tom de neutralidade às maquinações criminosas dos companheiros. Eles querem, mesmo, é a eliminação da imprensa independente e a manutenção apenas dos blogues sujos, que são financiados com dinheiro das estatais. Seriam eles os combatentes pela liberdade de darem apoio ao governo e destruírem com calúnias e difamação a reputação alheia. O assunto foi evitado nos debates eleitorais por conhecerem seus proponentes a repulsa dos brasileiros a essa ideia. Dilma foi eleita também com essa missão de controlar a imprensa.
          A pauta petista tem, ainda, item ousado: a usurpação de poderes do Congresso Nacional via criação de conselhos populares, semelhantes aos existentes na Venezuela, cujos membros seriam indicados pelo governo, isto é, pelo PT. Eles atuariam nos órgãos de Estado, inclusive nas agências reguladoras, determinando as políticas públicas a serem implementadas no país. A Câmara dos Deputados acaba de impor derrota ao governo a esse respeito, votando decreto legislativo que derruba o do Executivo que criava os conselhos e implantava uma justiça paralela. Neste caso, se alguém invadisse uma propriedade, a Justiça como a conhecemos hoje não poderia conceder mandatos de reintegração de posse antes de ouvir uma tal mesa de negociação em que o proprietário espoliado estaria sempre em minoria e entidades como o MST, em maioria. O Senado confirmará a queda.
          Ninguém poderá alegar não conhecer as intenções do PT. Seus líderes sempre foram claros acerca de seu projeto ileg´timo e o partido tentará cumprir a agenda bolivarianista. Arrependimentos de quem, de boa-fé ou não, votou a favor desse projeto serão tardios.

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