15 de dezembro de 2002

Algumas crônicas

Jornal O Estado do Maranhão
Depois de dois anos deste exercício semanal de escrever crônicas aqui em O Estado do Maranhão, ocorreu-me a possibilidade de haver nelas material suficiente para compor um livro. Selecionei, então, utilizando critérios subjetivos, como é inevitável quando selecionamos os frutos de nosso próprio trabalho, as que me pareceram mais bem realizadas. Dessa maneira, elas teriam alguma esperança de escapar à corrosiva ação do tempo, juiz rigoroso que a tudo ameaça com a severa punição do esquecimento.
Se, assim arrancadas de seu meio natural, o jornal, continuarem a parecer boas aos eventuais leitores, terão passado em um bom teste de qualidade. Se, pelo contrário, perderem qualquer sentido que possam ter tido, estarão reprovadas e, junto com elas, seu autor, mesmo antes do julgamento do tempo. Com isso em mente, compus o livro. Seu lançamento será depois de amanhã, dia 17, terça-feira, a partir das 19 horas, no Museu Histórico e Artístico do Maranhão.
Na etimologia da palavra crônica entra a idéia de tempo, vinda de sua origem grega khrónos, mas introduzida na língua portuguesa através do latim chronica, no século XIV, segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa. É essa idéia que sempre está nela presente, desde quando designava simplesmente um relato de fatos históricos, ou supostamente históricos, ou de fatos relacionados à vida dos soberanos, como na Crônica dos sete primeiros reis de Portugal.
Hoje, o gênero continua tratando do tempo, geralmente de fatos da atualidade ou do dia-a-dia do cronista e dos seus leitores, procurando, segundo entendo, um significado para essa coleção de pequenos acontecimentos aparentemente banais e efêmeros, mas que podem revelar-se, e freqüentemente revelam-se, importantes nas nossas vidas. É a tentativa de ir além das aparências das coisas, das pessoas e das cidades e acompanhar suas mudanças. A crônica começa no cotidiano e termina na filosofia, entendida esta como reflexão sobre o sentido da vida. É, portanto, difícil de ser praticada, mas tem o jeito de ser fácil, pela leveza da linguagem e pelo tom despretensioso.
Jamais me ocorrera que escolher um nome para essa variedade de assuntos reunidos no mesmo volume daria tanto trabalho. Inicialmente, convicto da importância de, no título, dar a idéia de conjunto, logo descobri não ser essa uma tarefa simples. Desisti de adotar esse como o único critério de escolha. Depois, achei que poderia achar algo alusivo à publicação das crônicas em jornal e ao dia da semana de sua publicação, domingo. O sétimo dia? Ou, Domingo no Estado? Não gostei do que me veio à cabeça. Nada parecia adequado.
De repente, tive a impressão de ter descoberto algo aproveitável. Pensei em Baú de prosa ou Prosa de Baú. Um destes dois daria, eu pensava, a idéia de guardados que se vai buscar depois de certo tempo, para novo uso. Mas, aí vi outra coisa. Baú de prosa tinha ecos muito fortes do Baú de ossos, de Pedro Nava, que se transmitiam a Prosa de baú. Além disso, a palavra baú já havia sido usada por Viriato Correia em Baú velho.
Vários amigos, entre eles Jomar Moraes, Lucy Teixeira, Sebastião Duarte, José Chagas e Nauro Machado, todos com muita experiência no trato com as palavras, bem como o fotógrafo Albani Ramos, o autor da capa do livro, deram-me a sugestão de utilizar o título de uma das crônicas. Analisei cuidadosamente todas e não descobri nada que expressasse a unidade procurada por mim.
Todo o material já estava pronto para ser enviado à gráfica, quando escrevi a crônica Pedaços da eternidade. Phelipe Andrés, diretor do Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís, enviou-me um e-mail dizendo que eu deveria incluí-la no livro e neste usar o título dela. Concordei com sua observação.  O uso da palavra pedaços, de fato, daria a idéia de um mosaico representado pelas crônicas. Tirei uma destas e coloquei a sugerida por ele, dando seu título ao conjunto. O livro estava pronto para ser julgado.

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