23 de janeiro de 2011

Um livro de Tribuzi

 

Jornal O Estado do Maranhão

Bandeira Tribuzi não era apenas grande poeta. Homem atento a sua própria época e à sociedade em que vivia, estudava a história do Maranhão com a preocupação permanente de encontrar soluções dos problemas econômicos e sociais de sua terra. Os fatos do passado não se apresentavam a ele como mera sucessão de lutas políticas e de poder, de episódios sem conexões aparentes, de heroísmos e vilanias absolutos, mas de um jogo de forças e interesses cuja compreensão só poderia surgir do estudo da história econômica e da conformação cultural de um povo.
Daí porque esse estudioso das condições materiais de vida dos maranhenses, investigando o passado, voltava-se para o futuro, colocando o ser humano no centro de suas preocupações, tanto quanto em sua poesia. Não alimentava mitologias sobre nossa origem nem se apegava a “eras de ouro”. Basta ver, como comprovação dessa atitude, a revolução literária entre nós liderada por ele, afastando o bolor cultural de então, malgrado seu próprio temperamento avesso ao papel de líder. Em suma, estudava o passado a sério com o fim de servir ao presente e não, tão só, à demonstração , real ou imaginada, de erudição.
Ora, iniciativa do Conselho Regional de Economia do Maranhão (Corecon-Ma) de reeditar o livro de Tribuzi, Formação econômica do Maranhão, representa o reconhecimento dessa amplitude de visão e desta obra como emblemática, no Maranhão, das investigações históricas sobre nossas atividades produtivas, o que a credenciou, na forma dada ao público agora, à condição de comemorativa dos 35 anos de criação do Conselho.
Quem, dentre os que já se dedicaram a esse tipo de estudo, com a macroeconomia de nosso sistema produtivo vista em suas amplas linhas de desenvolvimento, com o objetivo de projetar o futuro possível de abundância material do nosso povo – quem, eu perguntava, foi além dele na compreensão do que fomos e do que podemos ser? Consciente da importância das pesquisas de Tribuzi, o Corecon, até janeiro deste ano dirigido por Dilma Pinheiro, como presidente, e Cursino Raposo Moreira, como vice-presidente, promoveu esta segunda edição (a primeira foi feita por Joaquim Itapary e editada em 1981 pela antiga Fipes, hoje Imesc) com o apoio da Vale e do Sebrae–Maranhão. Convocado para a tarefa de direção editorial, dediquei alguns meses à produção notas ao texto e às tabelas, identificação de fontes, elaboração de índice remissivo e cronologia do autor, e à atualização ortográfica do texto e sua revisão gramatical. Tenha-se em mente o fato de ser a Formação obra póstuma, condição geradora de muitas dificuldades editoriais.
Menciono, ainda, porque justo é mencionar, o trabalho do fotógrafo Edgar Rocha. Foi dele a concepção do leiaute, no tamanho 26 x 26 cm e, sobretudo, a realização de pesquisa iconográfica sobre o autor e tratamento das imagens com vista a adequá-las às exigências do Corecon de um trabalho de alta qualidade gráfica. O leitor saberá bem avaliar a beleza do produto final, quando o tiver em mãos a partir do dia 2 de fevereiro, data de seu lançamento na Associação Comercial do Maranhão, às 19 horas.
É interessante o leitor ter esta informação. Dilma e Cursino, hoje ex-dirigentes do Conselho, adiaram a data de lançamento para 2 de fevereiro – não o promovendo ainda durante sua gestão –, porque esse é o dia do nascimento de Tribuzi. Desse modo, prestaram homenagem adicional a ele. O atual presidente, Heloizo Jerônimo Leite, certo da importância do evento para o órgão sob sua direção, tem se empenhado em tudo a seu alcance a fim de assegurar o brilhantismo da festa na Associação Comercial e não poupou esforços na superação com rapidez de eventuais obstáculos burocráticos à finalização do trabalho.
Bom exemplo dá o Corecon, de recolocação ao alcance do grande público e em particular dos pesquisadores, do Tribuzi economista. Falta fazer o mesmo com o poeta e compositor. Órgãos de cultura públicos e privados. Não fazê-lo é condenar a segunda morte um dos maiores intelectuais maranhenses do século xx, homem de infinito amor pelo Maranhão e sua gente.

9 de janeiro de 2011

Sousinha

Jornal O Estado do Maranhão
          
Leio sobre história da ciência na edição especial no. 2 da Revista de História da Biblioteca Nacional, numa entrevista do doutor Ubiratan d’Ambrosio, professor emérito da Unicamp. Ele tem mais de 200 obras publicadas, muitas sobre a história da matemática. Suas declarações me fizeram lembrar meu discurso de posse na Academia Maranhense de Letras em 2004. Fiz então uma referência a um trabalho dele, cujo título é Joaquim Gomes de Sousa, o Sousinha (1829-1864). Transcrevo pequeno trecho: “Um estudo da vida e obras da figura fascinante de Joaquim Gomes de Sousa falta na historiografia da matemática brasileira”. É que Sousinha é o patrono da cadeira que ocupo na AML. Aí a razão de minha lembrança imediata.
Na entrevista, d’Ambrosio se refere a Sousinha. A menção veio a propósito de uma pergunta sobre o desenvolvimento dessa ciência no Brasil. Vinda de uma autoridade no assunto, como o professor, mostra a importância histórica do maranhense nesses estudos.
Quem era, afinal, esse homem nascido às margens do Itapecuru, em torno do qual tantos mitos se criaram? Sua verdadeira vocação estava na matemática em que obteve, em outubro de 1848, o doutorado pela Escola Militar do Rio de Janeiro, o primeiro concedido pela instituição, com a Dissertação sobre o modo de indagar novos astros sem auxílio das observações diretas. Logo em novembro, foi ali aprovado no concurso de professor substituto.
Em 1857 ou 1858, não se sabe ao certo, Gomes de Sousa publicou na Alemanha a Coleção de memórias de análise e física matemática, do qual não se conhece atualmente nenhum exemplar. Dela constam, entre outros, estudos sobre métodos gerais de integração, equações diferenciais parciais, funções transcendentes, aplicações do cálculo integral à solução de problemas de física matemática bem como analogia entre as equações diferenciais lineares e as equações algébricas ordinárias. Coisas de conhecedor do assunto.
Um livro por ele editado, chamado Antologia Universal: escolha das melhores poesias líricas das diversas nações em suas línguas originais, em dezessete línguas, contribuiu para a louvação sem limites acerca de seus conhecimentos linguísticos. Não se trata de uma edição bilíngue, fator limitante do alcance da obra. Aliás, Gomes de Sousa, impossibilitado de julgar por si mesmo, em vários casos, a qualidade da poesia selecionada, por desconhecimento do idioma em que estava escrita, menciona a ajuda de “pessoas competentes sob todos os aspectos”, sem referência, porém, a quem fosse.
Um dos mitos mais persistentes sobre Sousinha, porque propalado por um escritor de muita popularidade em sua época, é descrito por Humberto de Campos, em Carvalhos e roseiras: “[...] chegando a Paris, corre a assistir uma aula do famoso professor Cauchy, que era, na opinião geral, o maior matemático do tempo. Em meio da sala, apresentada por este uma equação como não integralizável, Gomes de Sousa ergue-se, e pede: ‘Dá licença?’ E, dirigindo-se à pedra, mostra, por duas vezes, o engano do sábio, que, diz-se, o abraçou, comovido, e se tornou, depois, o maior dos seus amigos”.
Ora, o grande matemático Cauchy em seu tempo era considerado invejoso, egoísta e rancoroso. Seria de ataque a Sousinha e não de reconhecimento do próprio erro a mais provável reação do francês. As palavras de Humberto de Campos mostram certo ufanismo conflitante com a dimensão intelectual de um escritor como ele. São representativas, no entanto, de uma visão sobre a carreira do maranhense, propensa a torná-lo folclórico. Patriotada de conterrâneo!
Considerados os fatos reais (impossíveis de serem mencionados em sua totalidade aqui) e os mitos, pode-se dele afirmar que tinha inteligência excepcional, incomensurável curiosidade intelectual, vontade de saber, consciência de suas qualidades, imensa autoconfiança, grande talento e disposição para o trabalho. Sua obra e personalidade ainda não tiveram o estudo profundo e consistente a que têm direito. Seu nome ficará como símbolo das nossas mais caras tradições de inteligência e cultura e fonte perene de inspiração.

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