24 de março de 2002

Segurança para todos

Jornal O Estado do Maranhão
É de Chico Buarque de Holanda a letra de uma canção popular em que ele, ironicamente, pede para chamarem o ladrão, por falta de confiança na polícia. Ele se referia aos tempos da ditadura, época em que fez a composição. Naquele período, o cidadão, envolvido ou não em atividades políticas oposicionistas, podia, de repente, ser arrancado de seu lar sem que dele jamais se voltasse a ter notícias.
Mais tarde, com a redemocratização, a polícia deixou de ser política. Retornou, então, com todos os seus defeitos e virtudes, a suas antigas funções de proteger a integridade dos cidadãos. Mas, o país cresceu muito de lá para cá. As cidades incharam com a rápida urbanização e a violência passou a fazer parte do cotidiano brasileiro. Vê-se quase diariamente, hoje, assaltos, seqüestros, assassinatos, chacinas e todo tipo de violência nas nossas cidades.
De tão freqüentes, esses crimes já não criam a indignação capaz de levar à ação e ao enfrentamento de problemas. Causam o entorpecimento da sensibilidade coletiva, funesto fenômeno que nos ameaça com a indiferença de todos com respeito ao destino de todos. A maioria das pessoas quer, com justa razão, apenas livrar-se das ameaças imediatas e evitar a transformação de suas famílias em meros números das estatísticas macabras da violência.
E não se diga que os violentados são apenas os mais pobres, embora, proporcionalmente à sua participação na população, eles sejam atingidos mais fortemente. Os assassinatos nos últimos meses de dois prefeitos do PT, de duas importantes cidades paulistas, e o seqüestro de uma filha do apresentador de TV Sílvio Santos, mostram bem o alcance do crime organizado – ou desorganizado. Ninguém está a salvo da violência, como o prova, também, o fuzilamento de um promotor de Minas Gerais, durante seu trabalho de investigação de uma quadrilha de falsificadores de combustíveis naquele Estado.
As esperanças de que deve existir uma solução para a dificuldade, qualquer que seja sua origem, começam a desaparecer, a ter ares de ilusão ou ingenuidade, quando se vê a própria polícia, inferiorizada em armamentos, sob ataques de quadrilhas financiadas com o dinheiro do tráfico. Elas são comandadas a partir de presídios, em mais uma evidência do fracasso do sistema penitenciário do país. Deprimente espetáculo, esse nos últimos dias, no Rio de Janeiro, dos atentados contra delegacias e contra quartéis da polícia militar. Se os encarregados de combater a criminalidade tornam-se a caça, deixando de ser os caçadores de criminosos, o que acontecerá com as pessoas comuns? A antiga Cidade Maravilhosa é, tão-somente, um exemplo mais grave da situação em todo o Brasil.
Se já é uma ousadia a ação dos bandidos contra a polícia, o que se dirá das bombas atiradas ultimamente contra tribunais paulistas? Se o sistema judiciário do país está sujeito a essa ameaça, a essa tentativa de intimidação, poderemos estar seguros em nossas casas e nas ruas de nossas cidades? Certamente, o atrevimento criminoso não tem nem terá limites se a sociedade não se mobilizar para impedir a transformação deste país numa grande Colômbia, sob o domínio do narcotráfico, da violência e do medo.
A imagem é desgastada, mas expressa corretamente a sensação geral: isso tudo parece um pesadelo do qual queremos acordar, sem poder fazê-lo até agora. Outros países enfrentaram desafio semelhante e conseguiram vitórias contra o banditismo de todos os tipos. Será tão difícil aprender com a experiência de fora?
Medidas simplistas, porém, não irão mudar nada. Além da necessária repressão no curto prazo, outras providências de cunhos social e econômico, terão de ser tomadas. O Congresso Nacional, que discute atualmente o aperfeiçoamento da legislação contra a violência, deverá aprofundar a discussão a fim de encontrar remédios de efeitos permanentes, de ação nas causas da doença e não em seus sintomas. A segurança, base da sociedade civilizada, é direito inalienável de todos os cidadãos.

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