12 de maio de 2019

Honesto Desconhecido



Crônica de 13/8/2006

Em meio a 24 deputados da Assembléia Legislativa de Rondônia, houve um solitário que não se envolveu nas falcatruas dos três Poderes, há pouco noticiadas. Ninguém sabe seu nome, é um desconhecido. Se tivesse entrado na dança seria pop star, porque notícia boa é notícia ruim. Convoco o caro leitor a uma campanha nacional para levantar fundos destinados a erguer uma estátua a esse Honesto Desconhecido. Não se fazem estátuas do Soldado Desconhecido, em lembrança dos homens que deram a vida pela pátria, anônimos que, se não o fossem, poderiam ter os nomes colocados em ruas, avenidas, praças, rodovias? Não se estendem, de outro ponto de vista, menos nobres, tapetes vermelhos para gente que, dado o tempo suficiente, passa de ladrão do dinheiro público a benemérito da sociedade? Não se elegem para fazer leis especialistas em descumpri-las? Não se chama de excelência os que não o são? Não se aplaudem os golpistas federais? Qual a razão de não se fazer tão modesta homenagem como essa, não ao deputado de exceção, propriamente, mas a todos os seus companheiros de ousadia, também desconhecidos?

A imprensa, pelo menos fora do estado, não deu uma palavra que o pudesse individualizar ou a polícia escondeu sua identidade, talvez temendo por sua segurança. Dizem ser a virtude, muitas vezes ou quase sempre, tão só o produto do medo de ser flagrado com a boca na botija. A muitos virtuosos faltaria não a vontade de delinquir, faltaria apenas a coragem de participar da gandaia daqueles a sua volta e enfrentar com indiferença as conseqüências do crime na improvável hipótese de a justiça funcionar e puni-los. Que seja, é da natureza humana, tanto a vontade quanto o medo. Mas, vamos admitir que o Honesto Desconhecido de Rondônia tenha agido daquela forma por princípios morais. Exceções sempre existem a confirmar a regra. Por que não homenageá-lo e assim homenagear todos os Honestos Desconhecidos?

Imaginem o drama desse homem acuado e angustiado. Chega na Assembléia e descobre sua condição de pária no próprio local de trabalho. Cruza no corredor com um parlamentar e não ouve resposta a seu bom dia. No seu gabinete, chama o contínuo e pede um cafezinho a fim de relaxar um pouco. O constrangido funcionário diz não poder servi-lo, por ordem superior. Quanta humilhação! O antigo motorista não dá mais atenção a seus pedidos, com medo de perder o emprego. No plenário ouve a toda hora a frase famosa: “Lá vem aquele chato de galocha”. Pensa em recorrer ao Judiciário contra a injustiça, por breves momentos apenas, pois se lembra de que, no momento, essa não é uma medida prudente em vista do pânico no Poder em vista da prisão do presidente do Tribunal. Resolve apanhar a filha na escola. Encontra a menina aos prantos: foi vaiada por alguns colegas, filhos dos outros deputados, revoltados, os filhos e os pais, com aquela pose de honesto de Honesto.

Ele e sua mulher foram incluídos em listas negras de recepções. Nas futuras, porque no momento todas estão suspensas, até passar a onda. Não recebem convite nem para chá de panela de boneca. Ele, como medida desesperada, decidiu entrar no programa de proteção a testemunhas, pois percebeu as ameaças a sua vida e da família. Não conseguiu falar com autoridade alguma em Brasília, já muito ocupada com mensalões e sanguessugas. Não estaria melhor protegido se conseguisse sua inclusão na lista de espécies de plantas e animais ameaçadas de extinção, elaborada de acordo com critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos Naturais? Se tantas na Amazônia estão em perigo, segundo aviso frequente dos cientistas de várias instituições de pesquisa, não haverá dificuldade em incluir naquela lista o Honesto Desconhecido, essa raridade, frágil subespécie da espécie humana.

8 de maio de 2019

Reformar ou reformar

Jornal O Estado do Maranhão

Quem está desinformado hoje sobre a situação de crise em que se encontra a economia brasileira? Ninguém, com a desonrosa exceção – não podia ser de outra forma – das esquerdas brasileiras. Mas esperem, expresso-me mal. Esse bando finge desconhecer a ameaça de colapso econômico-financeiro com todas as suas consequências socioeconômicas nefastas, em especial sobre os pobres. Todavia membros de ex-governos do PT, apoiados por seus revolucionários de gabinete com ar condicionados e, por outro, por manipuladores das necessidades mais elementares do povo desamparado, querem impedir a efetivação de reformas reparadoras dos males deixados por eles próprios, males que, se não forem eliminados, afundarão mais ainda o Brasil no buraco em que eles nos meteram. O problema não é a aritmética esquerdo-comunista, fraca, é verdade; é a aritmética mental. A reforma da Previdências, talvez a mais importante de todas, atrai a ira comunista, porque abre a perspectiva de arrancar as classes de renda mais baixa da tentativa de monopólio eleitoral sobre elas.

O mantra contrário a mudanças torra a paciência das pessoas com a história da “retirada de direitos, se ela for aprovada”. Se seus propagadores forem solicitados a dizer onde haverá prejuízo ao segurado da previdência, ficam calados ou desconversam. A verdade é esta. O PT, PCdoB e assemelhados usam o povo a fim de defender privilégios de uma classe pequena de funcionários públicos que ganha altíssimos salários e altíssimas aposentadorias. Aí está a força contrária mais tenaz contra a reforma. As regalias conferem poder descontrolado a eles, que foram capazes, ao longo do tempo, de barrar qualquer mudança. Situação como essa gerou inevitavelmente no Brasil e em outros países poderoso mecanismo de transferência de renda: arrecada-se de todos os cidadãos, para beneficiar desproporcionalmente os mais influentes. É o anti-Robin Hood em ação. E ainda falam em defender o povo! No entanto, uma das injustiças mais condenáveis a ser eliminada na Previdência é justamente o estancamento dessa transferência. Atualmente elas vão do bolso dos deserdados em direção aos dos privilegiados.

A necessidade e encontrar soluções para o problema não decorre da vontade de nenhum iluminado. Decorre de um fato da demografia. As pessoas têm uma expectativa de vida hoje muito maior do a de poucas décadas atrás. Isso leva, cada vez mais rapidamente, à diminuição do número de trabalhadores ativos que contribuem para sustentar todos os aposentados e pensionistas, relativamente ao número total destes últimos. No Brasil, no âmbito do INSS essa relação é pouco menos de 2 para 1. A relação ideal para recuperar o equilíbrio que havia quando a Constituição de 1988 foi promulgada é de 5 para 1. No setor público, a situação é mais grave: menos de um trabalhador ativo para 1 aposentado ou pensionista. Claro que existe também uma causa econômica: o baixo crescimento dos últimos anos gera poucos empregos formais. Mas, retomado o ritmo anterior, a essência do problema, o demográfico, continuará a aumentar o déficit previdenciário, considerando ainda que a expectativa de vida continua a subir.

Estamos numa situação de fazer ou fazer. Não fazer, como querem o PT, o PCdoB e o PSOL e outros contrários à reforma, equivalerá a aprofundar a pobreza e provocar o caos econômico e social.

Será esse o objetivo das forças do atraso? Não duvido nem por um segundo.

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