24 de fevereiro de 2008

Fidel Castro

Jornal O Estado do Maranhão

Quando Fidel Castro e seus companheiros de guerrilha tomaram o poder em Cuba, a partir da Sierra Maestra, derrubando o regime corrupto e ditatorial de Fulgencio Batista, eu ia completar 11 anos de idade exatamente 45 dias depois daquele 1º de janeiro de 1959, quando os revolucionários entraram em Havana, acontecimento inesquecível para minha admiração de criança nas imagens e reportagens da famosa O Cruzeiro, revista que circulou de 1928 a 1975 (ininterruptamente entre 1943 e este último ano), chegando a atingir tiragens de até 750 mil exemplares, a maior do Brasil até hoje, em relação à população, e que nos anos cinqüenta era a mais influente da imprensa brasileira.
A Revolução criou excitação e esperanças nos espíritos e mentes pelo mundo afora, assolado pela pobreza e injustiça social, como até hoje. As imagens mais impressionantes foram as dos fuzilamentos no paredón da primeira leva de executados (haveria outras). Eram principalmente agentes e chefes da repressão do deposto ditador, que tiveram também os bens seqüestrados.
O Brasil no fim dos anos cinqüenta experimentava o chamado ciclo desenvolvimentista, durante a presidência de Juscelino Kubitschek entre 1956 e 1961. Foi a época da construção de Brasília, da implantação das montadoras de automóveis, com capitais multinacionais das grandes indústrias do setor, especialmente as americanas e a alemã Wolkswagen, da explosão da bossa-nova, então já na praça com Chega de Saudade, com letra de Vinicius de Moraes e melodia de Tom Jobim, considerada seu marco inicial, gravada por Elizeth Cardoso em 1958 e por João Gilberto em 1959 e muitas outras canções que se tornaram clássicos do gênero no Brasil e em todo o mundo. Quando fui pela primeira vez aos Estados Unidos em 1968 se ouviam os sucessos da bossa nova por todos os lugares e quando fui a Key West,no extremo sul da península da Flórida fiquei pensando que quase se podia ver as praias de Cuba a poucas milhas de distância, de onde muitos estavam vindo para os Estados Unidos fugindo das turbulências revolucionárias.
O Brasil vencera na Suécia, apenas seis meses antes, sua primeira Copa do Mundo de futebol, começando a se libertar do complexo de vira-lata de que falava Nelson Rodrigues, sentimento ainda sobrevivente em parte da imprensa esportiva brasileira durante as sucessivas Copas, quando os “especialista” se põem a descobrir, apesar de o Brasil já ter ganho cinco títulos mundiais, mais do que qualquer outra país, as maravilhas do futebol de outros países, geralmente autênticos pernas-de-pau.
Esses fatos todos parecerão às gerações mais jovens não só coisa do século passado, mas acontecimentos de milênios, e no entanto, são de somente 50 anos atrás. Quem tem hoje 50 anos de idade não se lembrará da chegada de Fidel ao Poder, o que diz de sua longevidade, apesar do bloqueio americano e das inúmeras tentativas de assassinato pelos gringos. Sua figura dominante e seu carisma irresistível o fizeram figura amada e odiada ao mesmo tempo.
Indiferente ninguém jamais ficou com relação a ele. Há uma certa perplexidade e um certo mistério sobre a origem de sua força. O jornalista Clóvis Rossi, da Folha de S. Paulo, o chamou adequadamente de pop star e contou uma história dele numa reunião da Organização Mundial do Comércio. Os oradores falavam, falavam e ninguém dava muita bola, até que anunciaram a fala de Fidel. Todo mundo pára e corre a ouvi-lo. Ele começa dizendo “la vida es sueño, y los sueños, suenos son”. “Um Calderón de la Barca que pareceria profano naquele ambiente”, completa o jornalista. Uma chuva de aplausos se seguiu. “Difícil entender o que aconteceu ali”, termina Clóvis Rossi.
É isso mesmo. Difícil entender Fidel, político até na sua renúncia, como Getúlio foi na morte.

17 de fevereiro de 2008

Carlos de Lima na Academia

Jornal O Estado do Maranhão

Na próxima quinta-feira, às 20:30 horas, a Academia Maranhense de Letras realizará sessão solene, quando será empossado na Cadeira 7, patroneada por Gentil Braga e fundada por Alfredo de Assis, este do grupo dos doze fundadores originais da Academia em 1908, o historiador, folclorista, escritor, poeta e ator Carlos de Lima, que será recebido pelo acadêmico Sebastião Duarte. O empossando é sucessor da saudosa Lucy Teixeira, extraordinária figura humana e intelectual brilhante, durante quase 30 anos ocupante da Cadeira, antes regida apenas por seu fundador.
Presenciaremos mais uma vez um ritual marcado por necessário simbolismo, que sempre nos lembra que a imortalidade da Academia se constrói pela constante renovação de seus membros, pois após darem perenes contribuições à vida da Casa, eles se vão, permitindo novos, diferentes e revigorantes aportes ao patrimônio comum de nossa cultura pelos sucessores, que assim contribuem para a permanência dela.
Carlos de Lima chega à Academia depois de décadas de atividades em diversos campos da cultura. Tem publicadas as seguintes obras: folclore – Bumba-meu-boi, 1968 (2ª ed. 1973); Bumba-meu-boi do Maranhão (coletânea de toadas); A festa do Divino Espírito Santo em Alcântara, 1972 (2a ed. 1988); Lendas do Maranhão, 2006; história – História do Maranhão, 1981; Vida, paixão e morte da cidade de Alcântara, 1997; Caminhos de São Luís: ruas, logradouros e prédios históricos, 2002; cordel – Carta ao compadre Triburtino, 1995; ABC do SEBRAE, 1995. Publicou ainda As minhas e as dos outros: estórias maranhenses, 1988, livro de crônicas e contos, e uma elegia, Requiem para um menino, 1982. Tem ainda a publicar Poesias esparsas; Arquivo morto (memória); e uma novela, Tempestade no lago.
Ele foi também ator, tendo, no teatro, participado das peças A ratoeira; Gimba – presidente dos valentes; O processo de Jesus; A revolução dos beatos; e Por causa de Inês, todas encenadas pelo Teatro Experimental do Maranhão – Tema, grupo de presença marcante no teatro maranhense nos anos sessenta e que, nas palavras de Aldo Leite no seu Memória do Teatro maranhense, “para os grupos locais foi uma revolução”, sob a liderança de Reinaldo Faray, então recém-chegado do Rio de Janeiro. “Foi uma guinada de 180”, afirmou Zelinda Lima, esposa de Carlos, ativa no movimento teatral da época, em depoimento transcrito no livro de Aldo. No cinema, Carlos de Lima atuou em A faca e o rio e em Uirá, um índio à procura de Deus, filmes da inevitavelmente escassa produção local. Essas atividades mostram bem seu espírito inquieto e versátil.
Agora, ele se dedica à publicação de uma História do Maranhão, em 3 volumes, dada como 2ª edição de sua História do Maranhão, de 1981, mas que pode ser considerada uma obra nova, tal a extensão dos acréscimos à primeira edição. Apenas o primeiro volume, sobre o período colonial, publicado pelo Instituto Geia em 2006, na Coleção Geia de Temas Maranhenses, tem 637 páginas. O segundo, já em fase de edição final, tratará do período imperial e o último, do republicano. Será fonte permanente de consulta sobre nossa formação histórica.
Muitos se espantarão ao saber da idade desse homem de grande senso de humor, cavalheirismo (ele, doutor em viver, insiste em me chamar de doutor, apesar de meus protestos) e afabilidade: 88 anos a serem completados no próximo dia 14 de março. Mas, quem o conhece não se surpreende com seu vigor produtivo, que seria admirável mesmo em pessoas com 40 ou 50 anos de vida a menos, com sua capacidade intelectual e disposição para o trabalho.
A chegada de Carlos de Lima se dá no ano do centenário da Casa, onde é admirado tanto pelas suas qualidades humanas quanto pelos seus méritos intelectuais. Ele recebe desde já nossos abraços de boas-vindas.

10 de fevereiro de 2008

Festa a bordo

Jornal O Estado do Maranhão

“É nossa intenção que o povo brasileiro seja estimulado a dar sua contribuição ao controle e fiscalização”. Ao se ler a declaração assim, sem menção a quem pronunciou tão belas palavras, pode-se até pensar que foi dada por um militante de uma dessas Ongs que andam por toda parte, não se sabe eleitas por quem, fazendo farra com recursos públicos, transferidos a elas em valores que vêm aumentando de forma exponencial nos últimos anos, levando seus dirigentes se dedicarem com exclusividade ao bem dos brasileiros e dos próprios bolsos.
Quem fez a declaração, contudo, foi o presidente Lula, quando o Portal da Transparência foi lançado em 2005. Outra, de agora, feita por Franklin Martins, ministro da Comunicação Social do mesmo Lula, e ex-presidente da UNE em tempos idos, defendeu os gastos com cartões corporativos do governo, quando surgiu o mais novo escândalo do governo, que os tem como origem. A verdade, porém, é que fizeram a festa, mesmo em sentido literal, pois o uso desse instrumento moderno de pagamento, boa idéia em princípio, foi utilizado na compra, até, de material para festa.
Os gastos, limitados por legislação específica a despesas emergenciais e de pequeno valor, se distribuíram democraticamente por toda a administração federal, cobrindo itens de difícil enquadramento nas exigências da lei. As agências reguladoras devoraram mais de um milhão de reais em 2007, na maior parte em lojas de material de construção, papelarias e supermercados, ou simplificaram as coisas fazendo saques em espécies cuja aplicação pode ser disfarçada de diversas maneiras, nem todas modelo de correção. Em algumas universidades federais, o cartão foi usado em padarias sofisticadas e lojas de artigos para, adivinhem, festa de novo. O ex-scretário executivo e agora titular do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, usou-o no pagamento de um almoço oferecido a companheiros petistas. No Ministério das Comunicações, um funcionário gastou mil e quatrocentos reais na reforma de uma mesa de sinuca, sob a alegação de que o serviço era urgente. Devia ser mesmo, pelo menos do ponto de vista dele, pois a mesa é usada na sua recreação e dos colegas na garagem subterrânea do prédio do Ministério. Como se vê a folia vai dos mais elevados andares ao subsolo.
O máximo de transparência, todavia, foi alcançado com Lula e sua família. Nesse caso, os seguranças da segurança presidencial, sentindo grande insegurança sobre suas reais funções, se esbaldaram em churrascarias e em lojas de departamento e de material de construção. Chegaram a construir e equipar uma academia de ginástica. Em três anos, sacaram trinta e quatro mil reais em caixas eletrônicos.
O governo reagiu logo. Se o cartão estava sendo mal usado, a solução seria esconder a informação, pela sua retirada do site, como na piada em que o marido retira o sofá da sala, a fim de sua mulher não utilizá-lo em seus momentos de intimidade com o amante. Depois, pensando bem, achou melhor demitir um ministro qualquer. E lá se foi a da Igualdade Racial, menos igual do que seus pares, sem influência e importância reais.
Agora se anuncia a proibição do uso dos cartões pelos ministros, porque eles não poderiam ordenar despesas em favor deles mesmos, descoberta tardia. Ótimo, daqui por diante os assessores podem fazer as compras de suas excelências e, se algo der errado, a culpa será só dos subordinados.
A liderança do governo no Senado se apressou em propor uma CPI do Cartão, abrangendo o período 1998-2008, que inclui o governo de Fernando Henrique Cardoso. É para não dar certo.
E assim o barco navega, com sua pesada carga de vícios radicais, sem bússola nem GPS, mas com marinheiros cheios de dinheiro alheio, em suas roupas de pirata, felizes da vida.
Amém.

3 de fevereiro de 2008

Carnaval em debate

Jornal O Estado do Maranhão

O verdadeiro Carnaval hoje é o São João. Um leitor ali salta espantado, com seu fofão (ainda se fazem fofões), mas digo que é sem razão o espanto. A festa não é conhecida como de todo o povo? Se é assim, então o povo deveria participar das brincadeiras, não é verdade? Mas, o que se vê por aí? Dê uma volta pela cidade, cara leitora, com sua bela fantasia, fora do circuito oficial, durante o chamado reinado de Momo, rei de quem arrancaram grande parte de sua outrora tradicional gordura, a julgar pelo de Salvador com seus ridículos 58 quilos de puro osso. Não encontrará nada que não se encontre num feriado qualquer: ruas vazias, trânsito tranqüilo, doce preguiça nas calçadas e janelas, andares lentos, olhares de sesta recente, vontades de bocejar, latidos e miados sob espreguiçadeiras – idosos sobre –, ares de subúrbio sossegado, desejos de mais feriados, tudo ausente e mais alguma coisa em falta.
Imagine agora o São João e faça o mesmo percurso. Não há em toda a cidade um único e parco beco, rua, bairro, quintal, terraço, esquina, canteiro, meio-fio sem uma quadrilha ou fogueira. Nesses locais, os rapazes aproveitam para roubar beijos (estarei romantizando e não se roubam mais beijos, mas unicamente o objeto do beijo? Ou são as moças que agora os roubam?), numa época em que todo mundo vai direto ao assunto e ficar é a regra ou a falta de regra. O bumba-meu-boi está por todo lado, se apresenta em vários lugares, onipresença joanina.
A concentração do Carnaval no circuito oficial e no desfile de escolas de samba, financiado em grande parte pelos governos, modelo importado do Rio de Janeiro, que viu suas escolas se agigantarem a partir dos anos 50, e tanto que foi preciso impor um limite a seu tamanho nos próprios regulamentos, levou ao esvaziamento dos bairros no período carnavalesco. É o caso de se perguntar se a concentração e o gigantismo são conseqüência ou causa da transferência de recursos públicos. Estes levaram inevitavelmente àquela ou a concentração, que supõe certo grau de organização, permitiu aos governantes a utilização de mecanismos formais pré-existentes nas escolas e outras organizações carnavalescas com o fim de para elas canalizar recursos?
Inclino-me pela primeira hipótese, a presença estatal levou à concentração. A competição e os prêmios conseqüentes impulsionaram o processo de crescimento num único local e esvaziamento nos outros. Chego a essa conclusão vendo o exemplo do bumba-meu-boi, que permaneceu aberto à participação popular em todos os cantos da cidade, e não somente no circuito oficial, recebendo pouco auxílio público relativamente ao Carnaval. Não seguiu o caminho deste, para não virar boi de Parintins. O Carnaval embarcou na carioquice e, em certa época, na baianice, mas já teve a característica de acontecer em toda a cidade, pelo menos aquele de meu tempo de criança e adolescente, quando cada bairro tinha suas próprias brincadeiras.
Não podemos deixar nos interrogar sobre o papel do apoio oficial: É benéfico ou prejudicial às manifestações culturais populares? Sua prática conduz necessariamente a algum tipo de dirigismo cultural? O Carnaval nasceu e se desenvolveu espontaneamente, alimentado por suas próprias raízes culturais. Começou a receber apoio público somente após ter obtido da sociedade certificado de plena maioridade cultural. Não precisou de nada no início a não ser do próprio apoio popular para ter natural vigor. Por isso, espalhava-se por todos os cantos. O reggae, goste-se ou não dele, cresceu, isto é fato, no meio do povo, sem tutelas estatais.
Não se trata de ser contra ou favor do apoio. Mas de saber em que condições e a quem ele deve ser oferecido, ou não. É chegado o momento de se iniciar amplo debate sobre o assunto.

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