21 de março de 2004

Futuro virtual?

Jornal O Estado do Maranhão 
O governo Lula não apresentou à sociedade brasileira até hoje resultados compatíveis com as esperanças criadas pelo PT ao longo de sua história. Seus programas sociais, na prática, em nada se distinguem de muitos anteriores, de resultados insatisfatórios. As frustrações são profundas porque o partido sempre se colocou como monopolista da sensibilidade à pobreza e à injustiça, levando muitos a imaginarem que a atuação da administração petista daria prioridade a esse campo, gerando bons frutos sem demora.
Parte do problema está na inexperiência dos novos administradores, no plano federal. Daqui por diante, porém, completado um ano e alguns meses da posse, essa desvantagem inicial não mais poderá ser invocada como justificativa da inação. O aquecimento, para usar uma imagem ao estilo Lula, já acabou. Agora é o jogo de verdade.
Afora isso, há outra dificuldade, maior, relacionada à própria concepção dos programas. Estes e seus assemelhados de todas as épocas têm caráter assistencialista, de reforço da cultura do favor, da dependência e do controle sobre a vida das pessoas, obrigadas a gastar não em suas necessidades, de acordo com suas próprias avaliações, mas no que a burocracia arrogante vê como melhor para as famílias, utilizando-se dos onipresentes cadastros e cartões. Há um enorme desperdício de preciosos recursos, através de suas tentaculares atividades burocráticas, em verdade muito ineficientes.
O senador Eduardo Suplicy, do próprio PT, vem propondo uma alternativa simples e superior pela qual seria dada uma complementação em dinheiro, sem burocracia, a todas as famílias pobres, de tal forma que sua renda atingisse um nível mínimo previamente definido de acordo com padrões amplamente aceitos. Elas teriam, então, a liberdade de gastar a renda extra assim obtida naquilo que consideram mais adequado a seu bem-estar. Infelizmente a idéia foi jogada ad calendas Graecas pelo partido.
Uma grande ironia, contudo, está na arena econômica. O PT não implantou suas idéias de “fora o FMI” de sua época de oposição, renunciando, assim, a inventar um novo capitalismo sem capital, sem capitalistas e sem lucros. Ainda bem. O governo vem recebendo, em conseqüência dessa atitude sensata de renúncia a idéias esdrúxulas, o “fogo amigo” de parlamentares, supostamente de sua base de apoio. Agora mesmo, parte da bancada governamental lança uma ofensiva contra a política econômica, defendida em várias oportunidades por setores da oposição.
Reclama-se dos juros. Ora, Lula adotou uma política monetária baseada em metas de inflação. Ele segue um modelo usado com muito sucesso nos países desenvolvidos e, também, nos emergentes. Dessa forma, estabelecido um objetivo para a inflação, digamos de 8% no ano, a autoridade monetária calibra as taxas de juros com o fim de a atingir a meta até o fim do período. Não há nesse regime nada que implique necessariamente em juros elevados. Mas isso ocorre no nosso caso como resultado de diversos fatores não econômicos. Vejamos os principais.
A histórica instabilidade brasileira nas regras de funcionamento da economia aumenta os riscos relativos aos investimentos privados. Quantas vezes, por exemplo, já mudamos a regulamentação sobre o movimento de capitais? Recentemente diretrizes para o setor elétrico, estabelecidas havia poucos anos, receberam um viés estatizante, com a redução ou eliminação do poder da agência reguladora do setor, antes relativamente independente. O que dizer do judiciário, tão lento em definir direitos de propriedade, dificultando também a realização de investimentos? E a confusão, ineficiência e injustiça dos aparelhos tributário e trabalhista, empecilhos à produção? E a anarquia político-partidária?
Isso tudo aumenta o chamado custo Brasil que se expressa em altas taxas de juros. Enquanto reformas de caráter estrutural nessas áreas não forem feitas nossas taxas não irão apresentar quedas expressivas. Estamos diante da opção de reformar ou estagnar. Não podemos mais ser o país de futuro virtual apenas.

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