24 de fevereiro de 2002

Mais luz!

Jornal O Estado do Maranhão
Há várias semanas vêm ocorrendo freqüentes faltas de energia elétrica no Olho d’Água, onde moro. No resto da cidade, não sei. Sei, sim, dar o exemplo de um jogo recente da seleção brasileira de futebol. Só me foi possível assistir ao início do primeiro tempo e ao fim do segundo. É irritante. Para mim e para um bocado de gente que gosta de futebol e paga suas contas de eletricidade em dia, a fim de poder ver os jogos e o que mais lhe der na telha na TV, mas que, mesmo assim, não recebe a natural contrapartida em bons serviços da Companhia Energética do Maranhão – Cemar.
Quando se começa a escrever alguma coisa no computador, a incerteza é permanente. Fica-se sempre na expectativa ansiosa de queda no fornecimento e perda de trabalho e de tempo, sem falar-se em danos ao sistema operacional do equipamento, na maioria das vezes difíceis de serem reparados. Já não falo no corte do fornecimento de consumidores com a conta paga, como a imprensa tem mostrado.
Na semana passada, estive a ponto de não poder mandar para este jornal minha colaboração. Fui atingido na sexta-feira pela manhã, em cima do prazo de entrega, quando fazia as últimas revisões no texto, por esse inexplicável, inexplicado e indesculpável descaso. Fui obrigado a me proteger com a compra de um aparelho chamado no break, que fornece energia emergencialmente.
A minha percepção, pela experiência recente, é de piora nos serviços. Não de melhora, como se esperaria. Logo após a privatização houve um período de otimismo. Parecia que a Cemar poderia oferecer mais qualidade. Agora, vivemos uma nova situação, em tudo indicadora de diminuição de novos investimentos na rede de distribuição de energia. Se não for isso, como se explica o problema? Se for, se a empresa não está investindo como devia, qual a razão por trás dessa política?
 A falta de conhecimento da economia local não poderá ser alegada como justificativa de qualquer mudança de atitude. O grupo controlador da Cemar tem experiência, conhece o ramo e não se deixaria surpreender. É providência elementar de quem vai assumir um negócio a realização de bons estudos sobre seu mercado potencial. Não existe a hipótese de avaliação equivocada sobre as perspectivas do negócio, a não ser que se admitisse a ocorrência de erros nos estudos.
Não creio estarmos diante de uma política deliberada de redução da qualidade do serviço, em favor da geração mais rápida de lucros. Isso não é compatível com a boa reputação dos controladores da companhia e com as obrigações que a Cemar tem com a sociedade maranhense.
Se as quedas freqüentes estiverem restritas a áreas pequenas, então será um problema de fácil resolução, não necessitando de grandes investimentos. Sua persistência, todavia, seria um indicador de que o mau gerenciamento do negócio estaria impedindo a obtenção de maior eficiência operacional na distribuição de energia.
O racionamento no setor elétrico deve ter provocado algum impacto negativo, embora temporário, nas finanças da empresa. Contudo, o setor já teve uma compensação, uma elevação de tarifas de 2,9% em janeiro. O consumidor como acontece habitualmente, será obrigado a pagar mais e a apagar mais um pouco, para não ter de apagar para sempre, uma vez que não pode apagar de sua vida a própria conta de luz. É pagar para ver. Vem aí um outro aumento, ainda este ano, de 20% que, somado a outros, anuais, deverá acumular 21% acima da inflação até 2006.
Os consumidores têm o direito a receber bons serviços, pelos quais pagam caro, e explicações honestas sobre as razões de tal não ocorrer. Se não for assim, estarão sendo lesados. A empresa tem o direito de não se interessar mais pelo nosso mercado e dele retirar-se, não importando suas razões econômicas, políticas, culturais ou outras. Mas, não o de prestar maus serviços enquanto não achar quem queira assumir a responsabilidade em seu lugar. Alguma coisa terá de ser feita depressa para quebrar a inércia. Na busca de soluções, precisamos de mais luz.

17 de fevereiro de 2002

Testes

Jornal O Estado do Maranhão
Se você, caro leitor, brincou todos os dias do carnaval, chegou inteiro à Quarta-Feira de Cinzas, não teve de tomar nenhum chazinho para se recuperar dos excessos e pôde trabalhar sem problemas, então parabéns. Você foi aprovado no teste do folião. Ele mede seu grau de entusiasmo carnavalesco e mostra sua integração com a cultura brasileira. Corra e comente o resultado com seus amigos.
Engana-se quem pensa que vivemos na era da informática. O nosso tempo é o do teste. Para tudo existe um. Tem o do bom marido, o do namorado romântico, o do cavalheiro perfeito, o do atleta eficiente, o dos pais amorosos, o do filho carinhoso, o do chefe querido, o do empregado responsável, o do professor impecável, o da idade real (um para os homens e outro, diferente, para as mulheres, o da idade irreal), o do político sincero, o do empresário moderno, o do jogador disciplinado e dezenas de outros.
Abra qualquer revista, popular ou não. Você vai encontrar um deles. Tem para todos os gostos e desgostos. Você quer saber se é um bom pai? Felizmente, alguém já preparou as perguntas certas. Assim, você poderá se auto-avaliar. Basta respondê-las e comparar sua respostas com as da revista. As desta, como se sabe, sempre vêm ali no pé da página, de cabeça para baixo. Mas não vale pescar. Se por outro motivo não for, será pelo incômodo de ficar invertendo a posição da revista a todo minuto. Melhor é responder honestamente e preparar-se para qualquer resultado, bom ou ruim. Nunca revele, porém, sua auto-avaliação a seus filhos.
Que tal saber se você é um bom motorista? Nem todo mundo é, embora cada um se ache o melhor. Passe na banca, gaste alguns trocados e pronto. Em dez minutos você estará avaliado. Não, seu cônjuge não precisa saber do resultado. (Digo cônjuge pela neutralidade da palavra. Se dissesse para não informar o marido, a fim de evitar aquele risinho sarcástico de “eu não disse?”, eu poderia ser acusado de politicamente incorreto).
Por falar em correção política, não posso deixar de mencionar uma pergunta que vi uma vez, em um teste sobre o assunto. O sujeito que preparou o questionário queria saber a forma de tratamento, pelo avaliado, de adversários, em um debate, fosse este político, universitário, futebolístico ou religioso. Dez pontos positivos eram atribuídos a quem afirmasse que sempre classificava as afirmações dos antagonistas como inverdades. Vinte negativos a quem tivesse a coragem de chamá-las de mentiras. Parecem a mesma coisa, mas não são. Inverdade é “condição ou propriedade do que não é verdadeiro; inexatidão, falsidade” enquanto mentira é “ato ou efeito de mentir; engano, falsidade, fraude”, segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Perceberam a diferença?
Agora vejo em uma revista de circulação nacional, de grande tiragem, o “teste da idade sexual”. Era o que faltava, quer dizer, era o teste que faltava. Não devemos duvidar de seus fundamentos científicos, como não duvidamos, em geral, dos pesquisadores norte-americanos, como os que elaboraram esse material. Além disso, e para maior confiabilidade dos resultados, a versão apresentada “foi ajustada à realidade brasileira”, embora não se explique a natureza dessa realidade. Anatômica ou fisiológica?
Vejam só como é curioso. Uma das perguntas é sobre as seções mais freqüentadas nos supermercados. Quem não vai a esses lugares adiciona anos a sua idade sexual. Quem vai subtrai. Perceberam a relação com a idade sexual? Outra indaga se o avaliado pensa no Kama Sutra como uma seita secreta. Aí não há do que duvidar. Ë óbvio que a desinformação aumenta a idade sexual. Quem, biologicamente, tem cinqüenta anos, sexualmente deve passar a cem, mas mentalmente a nenhum.
Esses testes ajudam a cumprir o ideal filosófico de conhecermo-nos a nós mesmos, com duas vantagens. A primeira é de serem quase de graça. A segunda é de evitarem a bisbilhotice sobre nossa vida por parte dos profissional que os aplicam. Sozinhos, sempre será possível corrigirmos eventuais injustiças dos resultados.

10 de fevereiro de 2002

Carnaval

Jornal O Estado do Maranhão 
No meu tempo de criança, o circuito de carnaval era feito em uma linha reta. Ela começava na praça Gonçalves Dias, quase na margem esquerda do rio Anil, e terminava na praça do Cemitério, perto da margem direita do Bacanga. Incluía, assim, a rua Rio Branco e a do Passeio, bem como o trecho entre as duas, numa das laterais da praça do Panteon.
Íamos de mudança para um segmento dessa reta, a família inteira, meu pais e a penca de crianças, durante a temporada carnavalesca. Ficávamos hospedados na casa de minha avó, Josefina Moreira, na rua do Passeio, em frente de uma construção que nunca acabava. Ou assim parecia a mim. Havia sido projetada para ser o Hospital da Cruz Vermelha. Acabou servindo de sede ao atual Socorrão I.
A cada ano, eu chegava com a esperança de encontrar a obra terminada. Imaginava o prédio pronto e o movimento de pessoas entrando e saindo apressadas. Umas procurando lenitivo para os males do corpo, outras o dando. O pronto-socorro da cidade ficava na mesma rua, em um pequeno prédio de dois andares situado a dois quarteirões, em frente ao antigo Rialto. Assistíamos, nesse cinema, aos filmes seriados nos domingos. Vibrávamos com Tarzan, Fantasma, Super-homem, Capitão Márvel e com os caubóis do oeste americano.
Eu imaginava o edifício como algo grandioso, quando terminado. Achava que, em um lugar como aquele, para mim do maior tamanho possível de ser construído, majestoso, imponente e bem iluminado, ninguém iria ter problemas, como os que uma amiga de minha mãe, tão jovem quanto ela, tivera em outro hospital. Nadir – era o nome dela – havia morrido, após um parto, em conseqüência de febre puerperal. Eu ficara inquieto. Minha mãe também não vivia tendo filhos, quase todo ano?
 O movimento começava de tarde, aí pelas três ou quatro horas. Durava até as nove mais ou menos, hora de início da folia atualmente. Ficávamos na janela ou em cadeiras colocadas na calçada a fim de “ver máscara”, como dizia minha avó, mas em verdade para ver tudo o que passava pela rua e mais o que passava pela imaginação. Víamos, então, desfilar, sem jurados, notas, classificações ou disputas, toda a tradição de nosso carnaval.
Havia os blocos, que mais tarde evoluíram para as escolas de samba. Eles desfilavam em uma formação compacta, retangular, quase militar, de linhas e colunas alinhadas, sem distinção de alas, sendo, o grupo todo, a própria bateria. À frente iam um mestre-sala e uma porta-bandeira fazendo evoluções, ao lado de meninos e meninas sambando com um lenço branco, seguro por uma das pontas entre os dedos indicador e polegar.
Chamava-se de corso ao desfile dos grupos de meninas, colocadas lado a lado, no interior do perímetro das carrocerias de caminhões, com a frente das saias das fantasias simples colocadas para fora do madeirame. Reunidas daquela forma, as saias formavam uma faixa colorida cobrindo as faces laterais e a traseira. O veículo subia e descia o circuito, com as moças cantando, balançando a cabeça para um lado e para o outro em direção aos ombros, batendo com graça seus pandeiros, acompanhadas por pequenas bandas.
Essas coisas e muito mais nos encantavam, mas pertencem a outra era. Os novos tempos são de profissionalização do carnaval, como ocorre com todas as manifestações de cultura popular, do reggae ao São João, com todos seus males e benefícios. Não se deve cometer o engano, porém, de achar que não sobrou espaço para as manifestações espontâneas do povo, com sua alegria, irreverência e criatividade. Elas continuam vigorosas, a julgar pelo que se vê agora.
Nosso carnaval de rua passou por um período de decadência, até chegar à infeliz situação de abaianizar-se com a importação da música axé dos trios elétricos. De uns anos para cá, felizmente, recuperou sua força, com o apoio do governo do Estado, e retomou o circuito antigo. Não é mais a mesma festa de antes porque está sempre em transformação, como tudo que tem vida. Contudo, é tão bom e autêntico quanto os antigos carnavais.

3 de fevereiro de 2002

Brasília, carnaval e futebol

Jornal O Estado do Maranhão
Houve um tempo em que todo mundo dizia que São Paulo era o túmulo do samba, como se nascessem sambistas somente no Rio de Janeiro. Sobre o futebol, a conversa ia além-fronteiras. Jogadores habilidosos, bons de bola, só os brasileiros. Os estrangeiros eram uns desajeitados, grossos de cintura dura. Como dizia minha mãe em seus arroubos patrióticos, eles eram selvagens, covardes e viviam dando pontapés nos nossos heróis da bola, modelos perfeitos do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda.
Mulher bonita, então, nem falar. A prova da beleza da mulher do nosso país era a garota de Ipanema. As mulheres dos outros – dos outros países, bem entendido – eram magricelas, reles branquelas sem graça e também grossas de cintura, literalmente. Parecia ser crença geral a superioridade genético do nosso povo, por insondáveis mistérios da natureza, justificando o ingênuo ufanismo nacional de então. Hoje todos reconhecem a excelência do samba de São Paulo. Sabe-se, ainda, de bons jogadores de futebol e de mulheres bonitas em qualquer lugar do planeta.
Dou essa volta toda para falar de algumas bobagens que são ditas contra Brasília, uma das mais belas cidades do mundo e das mais agradáveis para viver-se. São preconceitos semelhantes àqueles de antigamente, mas com os sinais trocados, autodepreciativos. A cidade não tem esquinas, vida noturna, nada. Trata-se, de fato, de uma cidade admirada universalmente e, contudo, lamentavelmente menosprezada aqui. Tornou-se o bode expiatório dos desacertos da classe política que procede, afinal de contas, de todo o Brasil.
No entanto, a cidade passa no teste crucial: o da opinião de seus moradores. Eles a amam e não querem sair de lá. Poucos símbolos no exterior contribuem tanto quanto ela para uma avaliação positiva dos brasileiros. Ela transmite uma boa imagem de nossa capacidade empreendedora, pois a erguemos do nada, no encanto luminoso do Planalto Central, para ser o emblema da nacionalidade. Ela é a síntese do bom e do ruim do país.
Chego à cidade na semana passada. Encontro nas folhas locais a notícia de uma proposta de proibição do carnaval. Os que não gostam da agitação carnavalesca poderiam isolar-se lá durante o chamado “reinado de Momo”. Sua Majestade perderia, portanto, sua jurisdição sobre esse pedaço do território nacional. A idéia foi de um deputado distrital. Querendo justificar sua remuneração generosa e não tendo muito a fazer, ele saiu-se com essa.
Aposto como isso é parte de uma conspiração para transformar o reinado de Momo na república de Momo. A cada ano, novos territórios sem carnaval seriam incorporados ao do Distrito Federal, até que todo o território nacional fizesse parte dessa república dos sem-folia. Aí então, o carnaval seria restabelecido. Teríamos, por fim, o presidente Momo no lugar do rei. Não sou contra a sugestão. Sou contra sua abrangência, que é pequena.
Por que proibir tão-somente o carnaval?  E o futebol? Muitas pessoas o odeiam, principalmente as que antigamente eram classificadas como do sexo frágil. Elas dariam tudo para se livrar da onipresença do nobre esporte bretão. Junto com a proibição da transmissão pela TV dos jogos para Brasília e, progressivamente, para todo o país, deveria impedir-se sua realização. Mais tarde, a exemplo do carnaval, a proibição seria levantada. O maior problema seria a gente se acostumar a chamar Pelé de presidente do futebol, em vez de rei do futebol.
Mas, para completar o pacote de proibições, seria conveniente aproveitar a idéia dos jogadores da Seleção de não deixar a torcida assistir a seus treinos por causa dos pedidos pela volta de Romário ao time. Sugiro que durante todos os jogos da equipe brasileira, telões sejam colocados à disposição dos torcedores, em volta do estádio. Os fãs não estariam muito distantes dos seus sensíveis ídolos, com a vantagem de não fazê-los nervosos com esses pedidos absurdos.
O difícil será convencer a Fifa a fazer o mesmo na Copa do Mundo.

Machado de Assis no Amazon