7 de agosto de 2005

Bem da Nação

Jornal O Estado do Maranhão    
Dizem ser a corrupção um dos piores males do Brasil. As avaliações de organizações internacionais de monitoramento do assunto nos colocam entre os primeiros colocados nessa competição em que deveríamos “dar tudo de si”, como se diz no nos meio futebolístico, para ser os últimos. Estamos na companhia de países pouco confiáveis porque presos, segundo nossa visão, à cultura da corrupção como norma. É a história do macaco não olhar para seu rabo.
Vejam a Rússia. Ao fim do antigo regime se atirou sem peias a uma economia de mercado, essa, sim, selvagem nas regras – ou na falta de regras – de funcionamento. Nós vemos a sociedade russa sob a dominação da máfia, imagem reforçada pela falta de tradição democrática sólida no país, aprofundada durante os 70 anos de ditadura de partido único dos companheiros comunistas. A doença russa é mais sinistra do que a brasileira ? Duvido.
O julgamento é consensual: aqui, o furto é endêmico. Como mudar, como livrar o Brasil dessa praga que o impede de crescer e multiplicar a riqueza nacional? Temos, primeiro, de identificar a origem do mal. Depois, prescrever o remédio certo.
As explicações mais comuns invocam razões históricas, sociológicas, culturais, econômicas e políticas. Certo, todas, de algum modo, ajudam na elaboração um diagnóstico útil para a resolução do problema. Com elas, afinal, aclamados cientistas sociais e conceituadas instituições de pesquisa já gastaram toneladas de papel e milhares de litros de tinta. Mas, eu discordo veementemente da atribuição a esses fatores da culpa pela situação atual. A verdade é esta: a origem da corrupção entre nós está no esquecimento e no desconhecimento. Explico.
Os acusados no escândalo do “mensalão”, que, como esse apelido sugere, é uma módica quantia repassada todo mês pelo Partido dos Trabalhadores a parlamentares da base política do governo no Congresso, dizem desconhecer a operação monetária em malas e em cuecas especialmente projetadas, ou não se lembrar de nada, sequer da existência da moeda brasileira, pois parte do recurso é distribuído em dólar.
O chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu, humilde como ele só, desconhecia as atividades do subchefe, Waldomiro Diniz, de extorsão de donos de bingos. O presidente do PT, José Genoíno, além do esquecimento do aval que deu a empréstimos bancários sem garantias do empresário Marcos Valério, desconhecia o caixa-dois do tesoureiro, Delúbio Soares. Este era um esquecido executor solitário de idéia própria, num partido que convoca reuniões até para ir ao banheiro, com o fim de prover o caixa petista, e, quem sabe, o seu, com dinheiro dos bancos e, conforme suspeita de muita gente, de estatais. O secretário geral, Sílvio Pereira, desconhecia as manobras de Delúbio e esqueceu do jipe Land Rover que uma empresa com negócios com o governo lhe dera. Todos eles esqueceram do mensalão, pois, conforme dizem, nunca ouviram falar disso. Os bancos, coitados, esqueceram de seus créditos. Por fim, Lula, chefe de todos, esquece que é presidente da República, além de desconhecer as tramas e patranhas de Dirceu.
Como não concluir pelo esquecimento e desconhecimento como causa da confusão, conhecendo um drama como esse? Se cada um desses homens tivessem tido conhecimento dos movimentos dos outros, o mensalão seria liquidado no começo e nenhum deles haveria de derramar tantas lágrimas na televisão, como fizeram. Ou, se não tivessem esquecido de tudo, muitas acusações injustas contra eles não prosperariam como agora.
O caso é patológico. Eles precisam com urgência de um remédio para lhes reavivar as frágeis memórias e, de alguma forma, impedi-los de serem tão distraídos que não ouvem burburinhos suspeitos nas portas de seus gabinetes e, talvez, dentro. É para o bem da nação.

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