12 de novembro de 2006

Cadastro ou cadarço

Jornal O Estado do Maranhão

Não me surpreendo com o bizarro projeto do senador Eduardo Azeredo, de vigilância sobre os usuários da internet, sob a desculpa de, com essa intimidação, evitarem-se atividades ilegais na grande rede mundial. A mentalidade por trás da tentativa é velhíssima. Tão velha que chegamos a esquecer de maus exemplos do passado. De um, porém, por mais recente, o leitor se lembrará. É o do cadastro de telefones celulares pré-pagos.
Como as autoridades do Executivo são incapazes de controlar a utilização criminosa da telefonia celular, como já se viu muitas vezes – não conseguem sequer bloquear o uso de celulares nos mal afamados presídios brasileiros – decidiram que os possuidores de pré-pagos teriam de fornecer informações para a montagem de um cadastro, instituição onipresente no Brasil, onde existe um, inútil, em cada esquina. Basta ir a qualquer loja de operadoras de telefonia celular e ver a ansiedade dos vendedores em aceitar qualquer informação cadastral de fantasia fornecida pelo comprador, a fim de confirmar a inutilidade. Se me provarem que um dia houve a prevenção de um escasso crime pelo uso desses dados, anunciarei à humanidade, pela rede mundial, a boa nova. Se não tiver de fazer cadastro algum.
Sempre há alguém pronto a atribuir às pessoas comuns a responsabilidade dos governantes no combate ao crime. Desta vez foi o Legislativo, representado por Azeredo, acusado de ser o verdadeiro pai do valerioduto e, agora, padroeiro incontestável da burrice. Se os homens públicos não têm a capacidade de cumprir suas obrigações, como no caso dos celulares, transfira-se a aporrinhação para o cidadão. Essa é a cultura dominante.
Deseja-se agora atribuir aos usuários a responsabilidade por crimes na rede e aos provedores de acesso o papel de cães de guarda, pois nisso são transformados pela obrigação de fazer um cadastro de seus clientes, que ficaria à disposição das autoridades incompetentes. Na hipótese de não o fazerem, estariam sujeitos a pena de prisão de 2 a 4 anos. É como responsabilizar o revendedor de automóvel pelo mau uso dos veículos vendidos por ele. A Associação Brasileira de Provedores, o Comitê Gestor da Internet no Brasil, ONGs e a maioria dos usuários criticam o projeto.
Pela proposta, os provedores teriam de exigir toda aquela papelada infernal e checar sua autenticidade – com nome, CPF, endereço, número de telefone, carteira de identidade, etc.–, a mesma, por sinal, que nos pedem quando, por uma necessidade corriqueira qualquer, precisamos lidar com as kafkianas burocracias públicas e privadas. Pois é essa cultura que o senador quer disseminar na internet, vai ver inspirado no Big Brother, ou Grande Irmão, personagem do livro 1984, de George Orwell, em que o governo controla a vida de todos.
A idéia é ruim porque iria contra a privacidade dos usuários, seria ineficaz e um estorvo nas operações dos internautas. Mais, seus pressupostos são errados. Um é o de ser possível legislar nacionalmente sobre a internet. Não é. Outro é de ser o cadastro confiável, sabendo-se, todavia, que os criminosos, precisamente os mais capacitados a falsificações, depressa produziriam quantos documentos fossem necessários para se identificar.
Mas, o mais perigoso disso tudo é o atentado contra o espírito da rede, em que não há um centro nem um governo, embora haja regras básicas e mínimas de funcionamento, tudo produzindo uma “anarquia” produtiva e eficiente.
O certo seria inverter a direção do projeto e estabelecer rigorosa vigilância sobre políticos como Azeredo. Eles levariam uma dúzia de bolo de palmatória e ficariam impedidos de receber o mensalão, com monitoramento de 24 horas por dia, toda vez que tentassem criar cadastros que são cadarços de amarrar a liberdade dos cidadãos.

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