12 de maio de 2002

Bem da pátria

Jornal O Estado do Maranhão
Saddam Hussein, o chefão do Iraque, é uma figura conhecida no mundo todo. As pessoas pensam nele apenas como um sujeito mau, com um bigode no estilo Stálin, que vive aterrorizando o povo iraquiano, com a prática de tiro ao alvo, ou melhor, de tiro à oposição.
 Mas, como as agências de notícias internacionais, em especial as americanas, vivem dizendo, ele vai além disso. É a própria encarnação de Satanás na Terra, já que suas forças armadas possuem armas de destruição em massa. Os americanos, a julgar pela maneira de falar deles, não têm tal tipo de armamento nem sabiam que o Iraque o tinha durante a guerra deste país, então aliado dos Estados Unidos, contra o Irã.
De qualquer modo, esse tipo de equipamento não pode ficar nas mãos de um diabólico qualquer como Saddam, um dos articuladores, junto, imaginem, com os inimigos iranianos, do eixo do mal, obsessivamente mencionado pelo presidente Bush, filho. No máximo, pode ficar sob o controle de caubóis texanos. Por isso, as tropas de Tio Sam não tardarão a passear na capital iraquiana, Bagdá, em nome da paz entre os povos e da prosperidade da indústria bélica.
Quanto ao incômodo defeito de ser um ditador, o infernal Saddam está na companhia angelical de gente bastante apreciada pelas diplomacias inglesa e americana, como o general golpista do Paquistão, Musharraf. É curioso como a imprensa internacional não o chama pelo nome verdadeiro de ditador. Diferentemente de seu colega iraquiano com seu bigodão, ele prefere um bigodinho. Como os dois professam a mesma fé islâmica e reprimem com igual vigor os adversários, esse é o único meio do paquistanês não se confundir com o colega.
Para não se dizer, no entanto, que o iraquiano não passa de um mal humorado, daqueles que odeiam o mundo e a vida, um ressentido com traumas impossíveis de serem explicados até por Freud, ele resolveu mostrar um surpreendente senso de humor. Não o macabro, já exercitado por ele há muito tempo contra seus súditos. Mas, um de outro tipo. Mais guerreiro, digamos.
Sob a alegação de preparar o país contra a anunciada invasão norte-americana, Saddam botou os ministros para correr, em compacta formação militar, em lugar secreto qualquer de Bagdá, como exemplo a ser seguido pelo povo. A cena, mostrada na televisão, tem um quê de ridículo e grotesco, mas não deixa de ser engraçada. Senhores de certa idade, fardados e com um sorriso meio amarelo, estão lá fazendo um esforço comovente. Querem entrar na cadência da corrida, parecer em plena forma. Tentam acertar o passo. Mas o que eles fizeram mesmo foi dançar conforme a música. Aliás, quem não dançasse, dançaria de seus postos. Em vez de correr pelo chefe, seriam postos para correr do chefe.
Vamos supor, agora, que os Estados Unidos, em nome dessa tal de globalização tão execrada, inventada pelo FMI na imaginação de muita gente, e no interesse dos valores da civilização cristã-ocidental, resolvesse invadir o Brasil, com o fim de destruir tudo que os brasileiros mais valorizam: o futebol, o jeitinho brasileiro, a cachaça, a cerveja, o samba, o Carnaval, o São João, os feriadões, as mulatas e as louras também, de verdade ou não. Nosso governo, sabendo desses planos, iria treinar a nação para a defesa de seu território. O presidente, inspirado em Saddam, chamaria os ministros à ordem unida.
Qual seria o desempenho dessa turma? Eles seriam capazes de dar uma volta completa em torno da Esplanada dos Ministérios, em Brasília? Ou desistiriam todos nos primeiros cem metros? Esses sérios senhores mostrariam determinação e garra num momento tão importante? Ou mandariam tudo às favas e iriam plantar batata em outro lugar?
O certo é que existe aí uma diferença entre o Brasil e o Iraque. Enquanto os “desertores” de lá iriam enfrentar tempos difíceis na prisão, ou coisa pior, os daqui teriam empregos assegurados em uma multinacional, de preferência da área financeira. Para compensar os imensos sacrifícios que sempre fizeram pelo bem da pátria.

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