21 de dezembro de 2014

Cuba x Estados Unidos

Jornal O Estado do Maranhão

          Em 8 de janeiro de 1959, quando os revolucionários, ao derrubar o regime de Fulgêncio Batista, entraram em Havana sob a liderança de um jovem Fidel Castro e de outros líderes que, em breve, por sua vez, também seriam derrubados por Fidel, eu estava a cinco semanas de completar onze anos de idade. Nesses 56 anos de lá até aqui, conheci apenas dois governantes de Cuba: os irmãos Castros, Fidel e Raúl.
          Lembro a ansiedade da espera pela chegada em casa da revista “O Cruzeiro”, a de maior circulação da era pré-Veja, trazida por meu pai semanalmente. Impressionavam-me, sobretudo, imagens dos revolucionários barbudos com seus charutos, em uniformes de campanha, e dos fuzilamentos de “contrarrevolucionários” nos paredões até hoje tristemente famosos. O sangue dos perdedores correu pelo chão cubano durante alguns anos até a institucionalização da revolução e a consequente ocorrência de fuzilamentos segundo regras pré-determinadas, evitando, pelo menos isso, que a justiça sumária prevalecesse e permitindo, por mais caricata que fosse, alguma forma de direito de defesa contra as arbitrariedades revolucionárias.
           Recentemente, li o livro póstumo “Mapa dibujado por un espía”, do grande escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, em que se vê o clima sombrio daquele país na era logo depois da revolução. Imperava, como ainda hoje, tantos anos decorridos, a delação, a intimidação aos opositores do regime, o controle da imprensa, prisões e arbitrariedades de todo tipo. Uma sociedade onde os revolucionários de Ipanema ou das universidades públicas brasileiras e eu, também, não gostaríamos de viver. Imaginem só, Cabrera, ainda iludido com o novo regime, era servidor público como adido cultural da embaixada de Cuba em Bruxelas. Com a notícia da iminente morte da mãe, vai a Havana com licença de ficar por lá por uma semana. Mas a viagem se torna um pesadelo quando, a poucos minutos de embarcar de volta para a Europa, recebe ordem para permanecer no país até segunda ordem. Foram quatro meses de idas e vindas, período em que pôde compreender a realidade da revolução e ver a escassez, as injustiças, os medos, a perseguição aos homossexuais, aos oposicionistas, em suma os horrores do totalitarismo. Conseguiu voltar a seu posto de trabalho, mas, nunca mais colocou os pés no solo de sua pátria.
          No Brasil, os anos 50 e a primeira metade dos 60 tinha sido de forte agitação política. Getúlio Vargas, que governara o país como ditador de 1937 a 1945, se reelegera presidente da República em 1950 e se suicidara em 1954, acusado de leniência com a corrupção em seu governo. Depois, viera a euforia com o desenvolvimentismo representado, principalmente, pela figura do presidente Juscelino Kubitschek, que iria construir Brasília e ter papel de grande importância na implantação da indústria automobilística brasileira. Os cubanos criaram aqui e no mundo uma onda de simpatia com sua terra e capturaram as mentes e corações de muitos jovens. Mas, claro, os horrores internos do regime não eram ainda conhecidos ou, se o eram, passavam como exagero da imprensa “burguesa”. Chegou-se ao ponto de Fidel ordenar em 1989, já trinta anos após a revolução, o fuzilamento de um herói nacional, o general Ochoa, julgado por tribunais sem independência alguma.
          O anunciado reatamento de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba é bem-vindo tão só se dele resultar a criação de condições internas na ilha que permitam a implantação de um verdadeiro regime democrático. Dessa maneira, pensa, com acerto, grande parte do Congresso americano, republicanos e democratas. Se assim for, os ganhos econômicos do lado cubano virão naturalmente. Nesse campo, os Estados Unidos não terão quase nada a ganhar. Do ponto de vista de Barak Obama, a mudança faz parte de um grupo de iniciativas destinadas a melhorar a imagem do presidente desgastada nos Estados Unidos e no exterior. Ele está tão somente interessado em salvar a pele perante a história. Para os Castros, talvez uma oportunidade de finalmente tirar da pobreza o seu povo, com aval americano.

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