22 de abril de 2012

Pode, não pode

Jornal O Estado do Maranhão

          Vejam se se pode dormir com um barulho desses. Não, não falo do desrespeito à Lei do Silêncio, assunto que já abordei aqui. Falo da história de vilões e heróis alimentícios, de coisas que não se pode comer num dia e daí a algum tempo não só são liberadas para consumo corrente, mas tornam-se eficazes contra várias doenças e, até, preventivo de males a serem descobertos.
          Uma vez comecei a fazer uma planilha com os nomes dos alimentos numa coluna e seus males ou benefícios em outra. Chocolate era o primeiro da lista. Na época, segundo os especialistas de televisão, deveria ser consumido em doses mínimas, pois causaria aumento de peso, pelo seu alto teor calórico, bem como do mau colesterol, por seus componentes gordurosos. Depois de pouco tempo, comecei a ver a falta de sentido em ter tanto trabalho. A relação cresceu rapidamente de modo a incluir quase tudo possível de se imaginar, levando-me à conclusão de que eu sempre estivera certo ao adotar o princípio de comer tudo... moderadamente, com o fim de estar seguro de ingerir todos os nutrientes necessários a uma boa saúde, sem calorias em excesso e sem a preocupação de contá-las ou de saber se eu tinha me esquecido de alguma comida capaz de me salvar de um câncer potencial. Escapei de me tornar um obcecado com o pseudoproblema.
          Cheguei a essas reflexões depois da divulgação de alguns estudos, um deles justamente sobre o chocolate. Segundo uma pesquisa da Universidade da Califórnia em San Diego, ele ajuda a eliminar o peso ao invés de aumentá-lo, se o consumo for – atenção, caro leitor –, regular, além de moderado. O conselho sobre a moderação é válido para todos os alimentos, não havendo aí novidade alguma. Mas a regularidade diante das recomendações anteriores contra esse ex-vilão é uma virada radical. O estudo diz mais. O chocolate, embora altamente calórico, contém ingredientes eficazes na perda de peso, porque ajudam na aceleração do metabolismo, e eficazes também na regularização da pressão arterial e na normalização dos níveis totais de colesterol. Ele é também rico em antioxidantes. Para quem era visto como a encarnação dos malefícios da alimentação incorreta, as notícias são de espantar.
          Mas, os benefícios do chocolate vão mais longe. Outra pesquisa, da Universidade Hull, da Inglaterra, descobriu que pessoas com diabetes do tipo 2 podem se beneficiar com a ingestão diária de barras de chocolate enriquecidas com polifenóis, substâncias naturais tais como flavonoides e taninos, encontradas em plantas, que levam à diminuição das taxas de colesterol ruim (LDL) e aumento das de colesterol bom (HDL).
          Vejam mais esta. Consumir bebida alcoólica com moderação pode diminuir o risco de morte por qualquer causa, não apenas por uma causa específica, em homens que sobreviveram a um ataque cardíaco. Seria o caso de concluir que sofrer essa ameaça é benéfico à saúde? Afinal, basta, depois do ataque, tomar umas doses diárias a fim de diminuir as chances de morrer de qualquer doença, tornando-se desse modo quase imortal, como os membros das academias.
          Há casos curiosos. Uma vez descobriram propriedades engordativas na lambida do se-lo. Algumas pessoas tiveram a ideia de substituí-lo por um chipe de silício. Tem gente certa da culpa da televisão na epidemia mundial de obesidade, por causa daquele monte de propagandas de comidas gostosas.
          Às vezes, me pego pensando que um dia vão anunciar com estardalhaço, em meio a campanhas de divulgação, a descoberta revolucionária: fumar faz bem à saúde. Todas aquelas substâncias dos cigarros consideradas cancerígenas, revelaram-se apenas invenções de fanáticos religiosos contrários ao saboroso hábito. Na verdade, antes as pesquisas eram financiadas por Igrejas, cujo objetivo era impor seus valores à sociedade laica. A verdade enfim apareceu. O ideal é fumar três carteiras por dia. Só assim todos os benefícios do fumo serão obtidos. E não se impressionem se alguém lhes anunciar a morte de um amigo vítima de câncer de pulmão. Ele apenas não resistiu à má qualidade de cigarros falsificados no Paraguai.

16 de abril de 2012

Equívoco

        

          A crônica que saiu no jornal O Estado do Maranhão de ontem, domingo, 15/4/2012, sob o título Fogo ou paranoia 2, infelizmente não é de minha autoria, mas da companheira da Academia Maranhense de Letras, Ceres Costa Fernandes.
          Coisas que acontecem em jornais, pela imensa pressão que é colocar todos os dias na rua um jornal da qualidade de O Estado.

8 de abril de 2012

Desordem cultural

Jornal O Estado do Maranhão

          Li neste jornal o artigo Desordem urbana e criminalidade, do promotor de justiça Cláudio Cabral Marques. Ele apresenta ao público temas de grande importância e o faz com a experiência de quem vem dando reconhecida contribuição a sua discussão que, no entanto, poderá ter seu escopo ampliado se nela incluirmos fatores culturais como uma das causas da desordem civil em que vivemos nesta cidade.
           Tomemos o exemplo de Brasília. Quando eu morava naquela cidade, a utilização da faixa de pedestres era tão perigosa quanto o é hoje em São Luís e ainda será por muito tempo. Mais tarde, quando voltei a passeio, depois de poucos anos de ausência, pude ver os veículos da capital do país a pararem civilizadamente nas faixas, dando prioridade aos pedestres. O segredo da mudança? Campanha de esclarecimentos à população numa primeira fase combinada na segunda com intensa repressão aos infratores. Quem acredita que o ser humano é como o selvagem de Rousseau, bom por natureza e apenas corrompido pela civilização, apoiará, na resolução do problema, somente a campanha da fase inicial. Quem tem uma visão mais próxima de Hobbes (“o homem é o lobo do homem”) acreditará na força da repressão, pois, dirá, as pessoas são egoístas e pensam apenas em seus próprios interesses. Na prática, porém, o resultado exitoso dependeu de uma mistura das duas visões, nem sempre formuladas conscientemente, neste e em outros casos, na mente das próprias autoridades.
          O impossível de alcançar – respeito à faixa dos pedestres– tornou-se possível, como se fora uma segunda natureza dos motoristas de Brasília. Passou a fazer parte da cultura local.
          O dr. Cláudio Cabral foi feliz ao apontar perigo muitas vezes negligenciado: as infrações administrativas que sequer estão no âmbito do direito penal “acabam por evoluir para infrações penais, pois não sendo fiscalizadas, as pessoas encontram caminho fértil para a prática de delitos [...].” Mais adiante: “Há muito [...] Émile Durkheim chamava a atenção para o problema da anomia, que nada mais é que o absoluto desrespeito/descumprimento das normas estatuídas para o controle social cuja consequência é a completa erosão do necessário consenso mínimo para a vida em sociedade.”
          Eis o ponto crucial. A vida das sociedades civilizadas é regulada por leis. Se sua execução não é fiscalizada, se elas são desrespeitadas, se a anomia prevalece então vivemos no tempo do homem das cavernas.
          O seu descumprimento não tem relação alguma de causa e efeito com nível de renda ou posição social, como se pode inferir do exemplo de Brasília. O caso contrastante da poluição sonora generalizada em São Luís, com desprezo evidente da lei pelos infratores, me ocorre de imediato. A muitos, poderá parecer quase impossível mudar a prática, cuja ilegalidade nasce não da falta de equipamentos urbanos, mas da cultura do desrespeito às normas. Contudo, como vimos, esclarecimentos pelo poder público aos cidadãos e uma boa dose de repressão podem fazer a mágica.
          Há, ainda, um traço ainda mais deletério, também de ordem cultural. É a ideia, primeiro, de que uma vez feitos, investimentos em negócios geradores de poluição sonora não obrigam os investidores ao cumprimento da legislação porque esta contém exigências com o potencial negativo de afetar seus lucros, como se antes de investir não conhecessem as regras do jogo; segundo, que os cidadãos com baixo nível de renda quando desobedecem as leis, no caso da ocupação de espaços públicos, por exemplo, estão “apenas ganhando a vida honestamente”, como se a lei fosse aplicável a alguns cidadãos, mas não a outros. Cria-se, desse modo, uma legislação esquizofrênica, pois ela é e não é, pega e não pega. Gera-se até preconceito contra os não pobres. Chegará um dia quando estes, qual personagens de Nelson Rodrigues, andarão por aí, olhares rútilos e baba nas gravatas, repetindo obsessivamente: – Mil desculpas por não sermos pobres. Mas, um dia seremos. Perdão. Perdão.
A desordem é urbana, mas igualmente cultural. Está na hora de dar fim, permitam-me a expressão, a essa esculhambação.

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