Pode, não pode
Jornal O Estado do Maranhão
Vejam se se pode dormir com um barulho desses. Não, não falo do desrespeito à Lei do Silêncio, assunto que já abordei aqui. Falo da história de vilões e heróis alimentícios, de coisas que não se pode comer num dia e daí a algum tempo não só são liberadas para consumo corrente, mas tornam-se eficazes contra várias doenças e, até, preventivo de males a serem descobertos.
Uma vez comecei a fazer uma planilha com os nomes dos alimentos numa coluna e seus males ou benefícios em outra. Chocolate era o primeiro da lista. Na época, segundo os especialistas de televisão, deveria ser consumido em doses mínimas, pois causaria aumento de peso, pelo seu alto teor calórico, bem como do mau colesterol, por seus componentes gordurosos. Depois de pouco tempo, comecei a ver a falta de sentido em ter tanto trabalho. A relação cresceu rapidamente de modo a incluir quase tudo possível de se imaginar, levando-me à conclusão de que eu sempre estivera certo ao adotar o princípio de comer tudo... moderadamente, com o fim de estar seguro de ingerir todos os nutrientes necessários a uma boa saúde, sem calorias em excesso e sem a preocupação de contá-las ou de saber se eu tinha me esquecido de alguma comida capaz de me salvar de um câncer potencial. Escapei de me tornar um obcecado com o pseudoproblema.
Cheguei a essas reflexões depois da divulgação de alguns estudos, um deles justamente sobre o chocolate. Segundo uma pesquisa da Universidade da Califórnia em San Diego, ele ajuda a eliminar o peso ao invés de aumentá-lo, se o consumo for – atenção, caro leitor –, regular, além de moderado. O conselho sobre a moderação é válido para todos os alimentos, não havendo aí novidade alguma. Mas a regularidade diante das recomendações anteriores contra esse ex-vilão é uma virada radical. O estudo diz mais. O chocolate, embora altamente calórico, contém ingredientes eficazes na perda de peso, porque ajudam na aceleração do metabolismo, e eficazes também na regularização da pressão arterial e na normalização dos níveis totais de colesterol. Ele é também rico em antioxidantes. Para quem era visto como a encarnação dos malefícios da alimentação incorreta, as notícias são de espantar.
Mas, os benefícios do chocolate vão mais longe. Outra pesquisa, da Universidade Hull, da Inglaterra, descobriu que pessoas com diabetes do tipo 2 podem se beneficiar com a ingestão diária de barras de chocolate enriquecidas com polifenóis, substâncias naturais tais como flavonoides e taninos, encontradas em plantas, que levam à diminuição das taxas de colesterol ruim (LDL) e aumento das de colesterol bom (HDL).
Vejam mais esta. Consumir bebida alcoólica com moderação pode diminuir o risco de morte por qualquer causa, não apenas por uma causa específica, em homens que sobreviveram a um ataque cardíaco. Seria o caso de concluir que sofrer essa ameaça é benéfico à saúde? Afinal, basta, depois do ataque, tomar umas doses diárias a fim de diminuir as chances de morrer de qualquer doença, tornando-se desse modo quase imortal, como os membros das academias.
Há casos curiosos. Uma vez descobriram propriedades engordativas na lambida do se-lo. Algumas pessoas tiveram a ideia de substituí-lo por um chipe de silício. Tem gente certa da culpa da televisão na epidemia mundial de obesidade, por causa daquele monte de propagandas de comidas gostosas.
Às vezes, me pego pensando que um dia vão anunciar com estardalhaço, em meio a campanhas de divulgação, a descoberta revolucionária: fumar faz bem à saúde. Todas aquelas substâncias dos cigarros consideradas cancerígenas, revelaram-se apenas invenções de fanáticos religiosos contrários ao saboroso hábito. Na verdade, antes as pesquisas eram financiadas por Igrejas, cujo objetivo era impor seus valores à sociedade laica. A verdade enfim apareceu. O ideal é fumar três carteiras por dia. Só assim todos os benefícios do fumo serão obtidos. E não se impressionem se alguém lhes anunciar a morte de um amigo vítima de câncer de pulmão. Ele apenas não resistiu à má qualidade de cigarros falsificados no Paraguai.
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