8 de agosto de 2010

Uma escola e duas canoas



 Jornal O Estado do Maranhão


     Estivemos no dia 23 de julho no Estaleiro-Escola no relançamento da canoa costeira Dinamar, restaurada e entregue a seu proprietário, o mestre Martins. O que há de especial na restauração de uma embarcação a justificar uma solenidade com a presença do criador do Museu Nacional do Mar, Dalmo Vieira Filho, de membros da Academia Maranhense de Letras (Ubiratan Teixeira, Laura Amélia Damous, Benedito Buzar e eu), do Comandante da Capitania dos Portos, o Capitão de Mar e Guerra Calmon Bahia, da imprensa, de dirigentes de órgãos públicos, de gente do mundo cultural de São Luís? Vamos recuar no tempo a fim de obter a perspectiva adequada à explicação do sucesso daquele evento.
     Há 33 anos, Luiz Phelipe Andrès aportou em São Luís para aqui se fixar e dar contribuição importante ao Maranhão, tanto na preservação do Centro Histórico, que culminou no título de Patrimônio da Humanidade, dado pelo Unesco à cidade, quanto na salvaguarda das técnicas de construção naval artesanal utilizadas em nosso vasto litoral. Elas estariam quase extintas se não tivessem sido objeto de criteriosa pesquisa de sua autoria. Por conta de iniciativas como essa, ele adquiriu credibilidade e reconhecimento no Maranhão e no Brasil. Membro do Conselho Consultivo do Iphan, em sua instância nacional, vem realizando trabalhos importantes com acervos culturais, como a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, ou as cidades históricas de Parnaíba, no Piauí, e Iguape, no litoral sul de São Paulo – dou poucos exemplos –, para os quais elaborou pareceres aprovados por unanimidade pelo Conselho, viabilizando sua inclusão na lista do Patrimônio Histórico Nacional.
     Nesses anos todos, tenho acompanhado com admiração sua trajetória como servidor público dedicado e dou testemunho de como ele tem superado com habilidade obstáculos muitas vezes originadas em incompreensões, sem nunca esmorecer em sua determinação, criando parcerias, entre elas com o Iphan, que deu apoio à restauração.
     A Escola, criada e dirigida por Phelipe, se destina, à valorização e ensino daquelas técnicas, que foram utilizadas no restauro, como estratégia de evitar que a riqueza imaterial por elas representada desapareça. A feliz Dinamar pertence a uma rara tipologia de embarcações, da qual restam apenas cerca de 30 exemplares. Tal número poderá se reduzir ainda mais se o Ibama local, dirigido pelo funcionário chamado Paraguaçu, mas, de fato, um autêntico Caramuru, persistir na perseguição a essas canoas, como já fez com uma semelhante à restaurada.
     Falo da Sombra do Mar, menos feliz do que a Dinamar. Apreendida com o uso, a pedido do Ibama, da Força de Segurança Nacional, e apartada de seu humilde proprietário porque transportava meia dúzia de caranguejos a mais do permitido no período de defeso, foi colocada sob a guarda de um infiel depositário ligado à Secretaria de Meio Ambiente do município de São José de Ribamar. O secretário, Isaac Buarque de Holanda (vejam a ironia desse nome do ponto de vista cultural) permitiu sua indevida utilização por terceiros, que resultou em rápida degradação, saque e afundamento. Em resumo, sua quase destruição.
     Voltemos à solenidade. Aqueles que não conheciam a Escola disseram-se surpresos com a qualidade e beleza de suas instalações, no Sítio do Tamancão, margem esquerda do rio Bacanga, com bonita vista do Centro Histórico. Na sexta-feira, dia 30 de julho, Ubiratan Teixeira falou sobre os aspectos sociais de suas atividades, neste jornal. Este, no domingo, dia 1º deste mês, dedicou longa matéria ao assunto, destacando o trabalho dos alunos e dos mestres. Na coluna do PH, no mesmo dia, uma nota voltou ao papel social da Escola, registrando apelo de Benedito Buzar por mais apoio de parte da Univima, da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, instituição que a mantém. Acadêmicos da AML a visitarão no próximo dia 19.
     A experiência é pioneira e única no Brasil e prova de que dedicação, espírito público e capacidade de realização podem levar a bom termo ideias inovadoras, em consonância com a realidade da comunidade onde se encontram.

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