16 de setembro de 2007

Tempos e costumes

Jornal O Estado do Maranhão 16/9/2007
A propósito de acontecimentos recentes da vida política nacional, há dias reli a famosa crônica de Machado de Assis, O Velho Senado, peça de evocação do Senado do Império em 1860, quando ele era um jovem repórter, “adolescente espantado e curioso”, de 21 anos, do Diário do Rio de Janeiro, jornal dirigido por Saldanha Marinho. Entre seus colegas jornalistas naquela Casa, estavam Bernardo Guimarães, então repórter do Jornal do Comércio, autor do famoso romance A escrava Isaura, e Pedro Luís, do Correio Mercantil, da mesma idade do romancista de Dom Casmurro, e que viria a ser o patrono da cadeira 31 da Academia Brasileira de Letras, um dos precursores do condoreirismo poético e ministro dos Negócios Estrangeiros, bem como dos Negócios da Agricultura, tendo contado, nesta última função, com a colaboração de Machado, funcionário do ministério.
A fim de se ter idéia de como era o Senado, basta reparar nestas observações da crônica: “Esta minudências, [são] agradáveis de escrever [...] Achava-lhes [nos senadores] uma feição particular, metade militante, metade triunfante, um pouco de homens, outro tanto de instituição. [...] Dissentiam sempre, mas é próprio das famílias numerosas brigarem, fazerem as pazes e tornarem a brigar; parece até que é a melhor prova de estarem dentro da humanidade. [...] Nenhum tumulto nas sessões. A atenção era grande e constante. [...] mui excepcionalmente, eram admitidos ouvintes no próprio salão do Senado [...] porém os expectadores não intervinham com aplausos nas discussões. A presidência de Abaeté redobrou a disciplina do regimento, porventura menos apertada no tempo da presidência de Cavalcanti”.
Passa então Machado a descrever as imagens de grandes nomes do Senado, que lhe ficaram na memória, como Eusébio de Queiroz, “justamente respeitado dos seus e dos contrários”; Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco, que lhe escreveu a biografia que é também um amplo retrato do Segundo Império, “orador para debates solenes”; marquês de Olinda, “lúcido e completo”; Paranhos, “uma das mais fundas impressões que me deixou a eloqüência parlamentar”.
Fica-se com a impressão, descontada a possível e até provável idealização do passado, que os homens daquele tempo, com todos os vícios e virtudes próprios do ser humanos e com tudo de ruim que pudesse haver numa formação social inteiramente destorcida pelo escravismo, criador nas classes dirigentes do sentimento de estar acima das leis, e pudesse prosperar numa política feita com e para as elites econômico-sociais, não traziam, esses homens, seus vícios privados à arena pública, não os confundiam com o interesse público, ou pelo menos procuravam manter as aparências, o decoro externo e extremo, a impressão de seguirem as regras. Não eram santos nem diabos, apenas homens em quem as virtudes públicas prevaleciam sobre os vícios e que mantinham a liturgia do poder. Sua moral não estava tão distante daquela dos representados.
Mas os tempos e os costumes mudam, estes para pior, se a transgressão da lei e da moral não é punida e é, até, vista com certo entusiasmo, como sinal de firmeza e certa esperteza avaliada como admirável.
A absolvição pelo plenário da Casa do presidente do Senado Renan Calheiros é simbólica dessa visão. Contudo, a realpolitik (“política baseada em fatores práticos e materiais em vez de objetivos teóricos ou éticos”, segundo definição do Merriam-Webster Dictionary), não pode ser o único fator a determinar nossa vida política. Princípios deveriam contar, perdoem-me a ingenuidade.
Pode ser que as vestimentas, como a do porteiro do Senado, na visão que Machado teve, sigam “as praxes do tempo”, e por isso envelheçam ou se troquem ou se desmanchem por si mesmas. Mas há mandamentos perpétuos, não mandatos.

Machado de Assis no Amazon