11 de abril de 2004

Sem dúvida

Jornal O Estado do Maranhão 
Será o Brasil um pária da comunidade internacional, que desrespeita acordos, planeja e executa golpes de Estado no exterior, ameaça militarmente países mais fracos respaldado por seu poderio militar atômico, e os invade, derrubando ditadores com o fim de substituí-los por outros mais confiáveis? Age como um senhor da guerra disposto a usar meios escusos para seus fins igualmente escusos? Pressiona seus parceiros comerciais para obter vantagens econômicas? Recusa-se a assinar tratados de controle da emissão de gases poluentes, apesar de lançá-los em quantidades imensas na atmosfera em prejuízo do ambiente no mundo todo? Será? Seremos uma nação condenada a causar medo? Seremos tão prepotentes assim? Nossa arrogância não tem limites?
Uma notícia do Washington Post do dia 4 deste mês poderia justificar respostas positivas a todos essas perguntas. Disse o jornal norte-americano, requentando o café servido em dezembro do ano passado, que o Brasil proibiu inspetores da ONU de examinar instalação de enriquecimento de urânio em Resende, no Rio de Janeiro. Esse elemento químico tem o potencial de ser utilizado para a produção de bombas atômicas.
Dita dessa forma, secamente, sem menção ao contexto ou a história do fato, poderia parecer que a referência era a um fora da lei internacional. Vejam o que afirmou um ex-negociador nuclear dos Estados Unidos: “Se nós não queremos esse tipo de instalações no Irã ou na Coréia do Norte, nós também não devemos querê-las no Brasil”.
Ora, esses dois países tinham instalações não declaradas e agiam sem dar nenhuma informação a ninguém, procedimento, aliás, adotado pelas atuais potências atômicas, quando iniciaram seus programas de pesquisa em energia nuclear. A situação agora é inteiramente diferente. Todas os dados acerca das atividades brasileiras nessa área são enviados à Agência Internacional de Energia Atômica – AEIA, de acordo com disposições do Tratado de Tlatelolco, que cria uma zona sem armas nucleares na América Latina, e do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Aquela agência realizou, desde dezembro de 2003, oito visitas à fábrica de Resende, informação não fornecida, essa sim, aos leitores do Washington Post. Não há crime nenhum a esconder nem esqueleto no armário brasileiro.
Logo após a divulgação pelo jornal da meia-verdade –como se sabe, mais danosa do que a mentira inteira –, um funcionário do Departamento de Estado americano citou um discurso de George Bush em que ele pedia a todos os países que assinassem um protocolo de inspeção adicional permitindo inspeções-surpresa da Agência. Não por coincidência, as “acusações” ocorrem justamente a poucos dias de uma visita ao Brasil do secretário de Energia dos Estados Unidos e da recente admissão pelos negociadores de ambos os países de que as negociações para a implantação da Alca chegaram a um impasse a respeito de diversos assuntos, entre eles o relativo ao protecionismo agrícola americano.
Na avaliação da diplomacia brasileira, os americanos querem em verdade ter acesso às ultracentrífugas de enriquecimento de urânio e, portanto,  à tecnologia usada nelas, desenvolvida aqui, com investimentos de aproximadamente R$ 3 bilhões, mas de baixo custo operacional. A questão é mais bem entendida, então, quando se atenta para seus aspectos econômicos. O desejo de ter acesso aos detalhes tecnológicos é parte de uma estratégia americana de agir no interesse de grupos econômicos de lá, na tentativa de se antecipar a um concorrente, se possível até pela apropriação indevida de segredos tecnológicos. Essa, a razão de o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmar que a assinatura do protocolo adicional se dará de forma racional e soberana, no momento mais conveniente aos interesses brasileiros.
A nossa história, sob governos das mais diversas orientações, tem sido de respeito a seus compromissos, especialmente com respeito ao uso da energia nuclear para fins pacíficos. Nada autoriza a imposição de dúvidas sobre esse comportamento. Tudo o confirma.

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