26 de novembro de 2000

Flórida, Estados Unidos

Jornal O Estado do Maranhão
Ocorreram dois fatos, de uns tempos para cá, nos Estados Unidos, de grande repercussão internacional. O primeiro foi a aventura amorosa de Bill Clinton com a estagiária da Casa Branca, Mônica Levinski; o outro foi tanto a atual confusão sobre a apuração das eleições na Flórida, decisivas para a escolha do próximo presidente americano, quanto a diferença que surgirá entre o resultado da apuração pelo voto popular e pelo colégio eleitoral, caso George W. Bush seja o eleito, e não Al Gore. Aparentemente sem coisa alguma em comum, eles, os fatos, têm, no entanto, algo que os aproxima.
Com Mônica, o presidente americano quis fumar, e parece que fumou, o cachimbo da paz, ou do amor, que por acaso era um charuto. Como se sabe, o resultado foi uma guerra que quase chegou ao impeachment político e matrimonial de Clinton, mas terminou sem vencedor ou vencedora. Em contraste, no caso mais recente, os dois candidatos à presidência recusam-se a fumar o tal cachimbo e continuam suas batalhas eleitorais na justiça. Mas não se tem dúvida de que haverá um vencedor ao final da guerra.
Os dois episódios levaram muitas pessoas no mundo todo a uma perplexidade tão grande que elas começaram a se perguntar se estavam realmente entendendo os acontecimentos. Não, provavelmente, no caso da Flórida, e sim, quase com certeza, no caso de Mônica, porque neste havia razões humanas e universais e, por isso, de mais fácil compreensão, para explicar a situação. Mas, por que a resposta negativa quando se fala de eleições?
A maneira de escolher o presidente dos Estados Unidos tem uma história. Ela poderá nos esclarecer acerca do que está ocorrendo no presente. Vejamos.
Depois da Declaração de Independência em 1776, as 13 colônias inglesas na costa leste da América do Norte, constituíram o núcleo inicial do que hoje conhecemos como Estados Unidos da América. Não dispunham elas de nenhum vínculo institucional que as unisse, a não ser dos Artigos da Confederação, um esboço de constituição apenas, que entraram em vigor em 1781. O período de 13 anos entre a independência e a retificação pelos Estados, em 1789, da Constituição que até hoje vigora, viu um Congresso fraco como a única autoridade federal, a ausência de um Poder Executivo e várias outras dificuldades cujas origens estavam, principalmente, no desejo de autonomia das ex-colônias.
Não foi possível, então, consolidar, por exemplo, uma moeda nacional e evitar que os Estados implantassem políticas protecionistas, pela criação de barreiras aduaneiras contra outros países, e entre eles mesmos, que formassem milícias estaduais e chegassem a construir navios de guerra, fatores, sem dúvida, desagregadores da pretendida união. Havia uma tensão entre as aspirações por autonomia dos entes recém federados e a necessidade, reconhecida por eles mesmos, de um governo central com um mínimo de autoridade que pudesse mobilizar os recursos da nova nação para a defesa externa, proteção de suas indústrias na competição com a Inglaterra e a adoção de outras medidas de interesse de todos.
No modelo institucional que prevaleceu com o advento da Constituição, implantada sob forte influência dos federalistas Alexandre Hamilton, James Madison e John Jay, o presidente da nova república deveria ser eleito por um colégio eleitoral para o qual os Estados enviariam seus representantes, eleitos, estes sim, diretamente pelo povo. A idéia era consolidar a federação, através do estabelecimento de um executivo federal forte e manter a autonomia dos participantes da federação. Seriam os Estados que elegeriam o presidente, através de seus delegados, e não o povo diretamente.
O sistema não causaria nenhuma divergência entre o resultado obtido pela soma dos votos populares de todos os Estados e o resultado do colégio eleitoral se não tivesse prevalecido ao longo do tempo a regra de o candidato a presidente ficar com todos os delegados do Estado onde ele obtiver a maioria dos votos populares. A alternativa seria uma divisão dos delegados, proporcional ao número de votos de cada candidato, que seria, no entanto, contrária ao princípio da eleição pelos membros federados.
Quanto às tecnologias de votação e de apuração das eleições, que parecem obsoletas, em comparação com os padrões brasileiros, a história é outra. Como, seguindo o espírito federativo, cada Estado tem liberdade para escolher seus próprios métodos, alguns têm sistemas bastante avançados e já testam, até, a votação pela Internet, enquanto outros pouco se modernizaram, talvez porque avaliassem que não seria necessário investir em grandes mudanças num sistema usado por somente metade do eleitorado. É esse mesmo espírito que restringe a disputa ao âmbito da Florida na atual controvérsia.
O que se percebe é que o sistema de escolha do presidente americano não está sendo seriamente questionado dentro dos Estados Unidos. Mas, terminada a disputa, concluirão os americanos, como antes, que as regras, a longo prazo, são boas para a União e para o povo?

19 de novembro de 2000

A lei de responsabilidade econômica

Jornal O Estado do Maranhão
A Lei de Responsabilidade Fiscal bem que poderia ser chamada de Lei de Responsabilidade Econômica porque não é senão em seus aspectos econômicos que sua aplicação mais deve ter importância para o Brasil daqui em diante. Seu lado ético é importante e as punições previstas em outra peça de legislação, na chamada lei de crimes fiscais, com certeza representam bem-vinda medida de controle dos maus gestores públicos. No entanto, o que de mais importante ela nos oferece é a criação de um conjunto de regras de controle permanente do déficit público.
O país dispõe agora de um instrumento de política econômica que permitirá aos mercados reconhecerem que, a não ser em circunstâncias que independam da vontade dos governantes, a administração pública, em todas as esferas de governo, não irá gerar déficits públicos para os quais não disponha de financiamento adequado. Ora, não é outra a principal causa da inflação, na nossa e em qualquer economia do nosso maltratado planeta: déficits públicos imoderados financiados pela emissão descontrolada de moeda, ausência de confiança dos mercados na solvência de fato do setor público e, em conseqüência, falta de financiamento do governo pelo setor privado a taxas de juros compatíveis com o crescimento real da receita pública.
A sociedade brasileira tem boa memória para aprender com a lembrança dos anos de altíssima inflação que tivemos até 1994 e rejeita seu retorno. Com certeza a cura da doença inflacionária cobrou, não um imposto, mas um alto pedágio dos brasileiros. Mas não tenho dúvidas de que os mais pobres foram aqueles que obtiveram os maiores benefícios que, de qualquer maneira, alcançaram todos. Já começam a ficar distantes os dias em que, ou se tinha de comprar o que quer que fosse hoje para não pagar muito mais caro amanhã, ou se tinha que aplicar qualquer sobra diária de caixa no mercado financeiro para evitar a desvalorização do dinheiro, que havia se tornado quente demais para ficar em nossas mãos, na ilusão de que nos estávamos protegendo da perda de renda e patrimônio. Essas defesas não estavam, é claro, ao alcance dos mais pobres.
Os orçamentos tornaram-se ficção de mau gosto pela impossibilidade de qualquer tipo de previsão econômico-financeira; a noção de preços relativos desmanchou-se rapidamente e com ela qualquer idéia de caro e barato; os cálculos de investimento sofreram distorções, geraram incertezas por toda a economia e levaram ao recuo nas intenções de novos investimentos pelas empresas e, sobretudo, o setor público, como açambarcador do imposto inflacionário, passou a deste viver como um arrogante gigolô da sociedade.
Pode-se concordar com a política econômica que dá prioridade ao combate ao déficit público, como a adotada pelo governo brasileiro, ou dela discordar. Alguns verão nela, até, a simples submissão do país ao maléfico FMI. Mas ninguém, de boa fé, poderá acusá-la de incoerência e de não produzir resultados positivos para o país. Atrevo-me mesmo a dizer que o controle da inflação foi um dos maiores programas sociais já realizados neste país. Sem o custo de uma burocracia cara e ineficiente, que pretende gerir programas que poucas vezes chegam aos seus destinatários, mihões de brasileiros pobres tiveram suas condições de vida melhoradas.
Resta atacar o desemprego e a pobreza, os mais graves problemas da economia brasileira atualmente. Não com programas que reforcem a danosa cultura do favor pela prática da doação. Esta deveria ser usada apenas em casos emergenciais. Necessitamos, ao contrário, de programas que criem oportunidades para todos como os de aumento de produtividade e qualificação da mão de obra, educação técnica e científica de qualidade, pesquisa de ponta em áreas selecionadas, estratégicas para o país, acesso desburocratizado ao crédito bancário pelos que dele necessitem para produzir, assistência técnica ao pequeno produtor rural e diversos outros que possam dar a cada brasileiro a chance de progredir por seus próprios meios e méritos.

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