20 de julho de 2003

Estrada real

Jornal O Estado do Maranhão
Proclos de Bizâncio foi o último grande expoente da Escola Neoplatônica, instalada em Alexandria no século III d. C. Ele escreveu os Comentários a Euclides, famoso matemático grego, que viveu na mesma Alexandria por volta de 300 a. C., quase seiscentos anos antes, portanto. Segundo ele, certa vez Ptolomeu I, primeiro governante da dinastia que, desde a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a. C., reinou no Egito, anteriormente parte do Império Macedônico, perguntou a Euclides se não haveria um caminho rápido no aprendizado da geometria. O matemático teria respondido: “Não há estrada real para a geometria.”
Algo semelhante me disse o Euclides maranhense, em verdade Euclides Barbosa Moreira Neto, quando eu lhe perguntei se existia um caminho fácil ou se existia um segredo na feitura de tantas coisas no campo cultural, como as que ele realiza em todo o Estado. O segredo, diz ele, é o amor pela cultura em todas as suas formas e a determinação de realizar.
Se olharmos a lista de eventos já realizados ou programados para este ano pelo DAC –Departamento de Assuntos Culturais, da Universidade Federal do Maranhão – Ufma, dirigido por ele, descobriremos a variedade e importância de suas realizações: o 26º Guarnicê de Cinema, a 7ª Mostra Maranhense de Canto Lírico, o 6º Festival Universitário de Reggae – Unireggae, o 27º Festival Maranhense de Coros – Femaco, o 17º Festival Maranhense de Poesia, a 6a Mostra Maranhense de Arte Efêmera, a 6ª Mostra Maranhense de Humor, a 5a Tocata de Bandas e Fanfarras do Maranhão, a 5ª Cantata Natalina, o Projeto Carcará, o Projeto Quarta Cultural, o Projeto Sexta Poética, o Programa de Artes Plásticas, o Projeto Cineclube no Campus. Está tudo aí: cinema, literatura, artes plásticas e música. O popular e o erudito juntos.
Não se engane, porém, o leitor. Vistas assim, na forma de uma simples enumeração, as realizações de Euclides podem enganar. Primeiro, porque se pode pensar que o DAC nada em dinheiro. Que nada! Como quase todas as universidades públicas brasileiras, a Ufma pena com a falta de recursos. Ela fornece o possível: as instalações do Departamento e alguma verba de custeio. Todo o restante, que não é pouco, vem de outras fontes, como o governo do Estado, prefeituras e iniciativa privada. Esses apoios nascem, em grande parte, da credibilidade, estabelecida ao longo de anos de trabalho, de Euclides. Enquanto muitos lamentam a falta de recursos e cruzam os braços, ele põe as mãos à obra e obtém excelente resultados.
O segundo engano seria pensar em suas iniciativas como de repercussão somente no âmbito da Universidade. O melhor e mais conhecido exemplo de que não é assim, é o Festival Guarnicê de Cinema, origem de grande agitação da nossa vida cultural, dentro e fora da Ufma, trazendo até aqui grandes nomes dessa arte do Brasil e do exterior.
Esse evento, já em sua 26ª edição, segue a linha nobre da atuação de Euclides: a ênfase na criação de oportunidades aos jovens talentos locais. A própria organização do Festival, voltada para as curtas e médias-metragens, espécie de escola para os de longa, mostra essa preocupação. Seu impacto em nosso meio tem sido muito grande.
Aliás, somos privilegiados com respeito ao cinema, pois um outro festival, com ênfase nas longas-metragens, realizado com muito sucesso em março em São Luís, por Frederico Machado, complementa o Guarnicê. Ou melhor, os dois formam um conjunto dedicado a criar as condições, com essas iniciativas, para a produção de bons filmes aqui.
Como se isso tudo fosse pouco, Euclides ainda se envolve de corpo e alma com a Favela do Samba. Fico a imaginar sua presença na Escola, com seu eterno boné, que poderia lhe dar um ar de parisiense perdido na quadra de ensaios, caso ele não tivesse intimidade com o samba.
Penso que a estrada para chegar aonde ele chegou não é de fato real, isto é, da realeza, para quem o trânsito é sempre fácil. Mas é real da realidade e está em permanente construção com o cimento e o concreto dos sonhos.

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