16 de julho de 2006

Lei do mais forte

Jornal O Estado do Maranhão

Há no reino do Brasil algo de muito podre por todos os lugares. Do ponto de vista das pessoas comuns, entre as quais me incluo, tudo parece se desmanchar. Na economia, o país não cresce a taxas decentes há anos; na vida social, a cultura da esperteza, da roubalheira, do jeitinho, da agressão à lei são regra e não exceção; na justiça, vê-se inação, lentidão, burocracia, ineficiência, impotência e, sobretudo, injustiça com os pobres; na educação, prevalece o partidarismo político-universitário com suas perniciosas, com respeito à qualidade do ensino, eleições para reitor, e prevalece o descaso com o ensino básico, como se todos tivessem de ser doutores ou, mais precisamente, maus doutores, que não conhecem seus ofícios e pensam saber como se conserta o mundo; nas ações do crime organizado, ação, rapidez, poder, eficiência instrumental e códigos de justiça selvagens próprios, fora do alcance da lei.
Eu gastaria uma página inteira deste jornal a fim de dar notícias de tudo o mais que está fora de lugar “neste país”, na típica expressão do presidente da República, num salve-se quem puder característico da vida na selva, onde, no entanto, só se mata e rouba pelo alimento diário, sobrevivência e preservação da espécie. Aqui parece que se mata e rouba por tudo e por nada, aqui parece que não existe um pacto social capaz de civilizar, isto é, controlar, sem eliminar, por impossível, os instintos humanos compartilhados por nossa espécie com o restante do reino animal, mas repugnantes do ponto de vista dos conceitos morais e éticos desenvolvidos ao longo da história das sociedades civilizadas.
Não sei se estou pessimista além da conta, pois o Brasil tem coisas boas em áreas de excelência, como o futebol e a produção agrícola, de que podemos nos orgulhar. Mas, será possível ser otimista e conviver como uma situação como essa de São Paulo, de extrema violência, sem que morra a esperança em um futuro melhor, já não digo de abundância, mas de segurança física, em que todos sejam livres da ameaça à vida e livres para procurar a felicidade?
Como se chega a uma situação como essa, de total descontrole, que leva o cidadão comum a sentir-se completamente desamparado e os carcereiros, pobres homens e homens pobres, sem opção de mudar de emprego, encarregados da guarda de condenados, a temerem aqueles a quem teoricamente vigiam, em vista dos assassinatos de que seus colegas têm sido vítimas, cometidos sob o comando dos encarcerados? Chegou-se à situação tragicômica de criar um SOS telefônico para esses agentes do Estado pedirem proteção ao Estado.
Os nossos presídios estão, com certeza entre os piores do mundo. Degradam a condição humana e levam seus ocupantes ao limite da capacidade de sofrer punições arbitrárias. São cursos especializados no aperfeiçoamento de criminosos. Simbólico é o amontoado de mais de mil presos num presídio paulista, num local em que cabem pouco mais de cem. A polícia tem a característica esdrúxula, única no mundo, de ser duas, uma civil e outra militar, com toda a rivalidade, ineficiência, e  comando duplo e orientação que decorrem daí. As leis são excessivas, não escassas, e o judiciário está mais interessado nos pontos e vírgulas, no latinório, nos meritíssimos e na promoção da falsa cultura jurídica do que em fazer justiça, digamos, justa. Os executivos federal e estaduais dedicam-se ao jogo de empurra, culpando-se uns aos outros pelo caos e fazem quase nada para proteger a sociedade ou evitar o crime. O legislativo faz CPIs de mentira e protege seus próprios criminosos.
Onde iremos parar? Chegaremos à barbárie, à luta de todos contra todos, à lei do mais forte, ao paraíso dos mensaleiros e dos sanguessugas, dos dirceus, dos assessores de políticos com dólares na cueca?

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