27 de janeiro de 2008

Academia, ano 100

Jornal O Estado do Maranhão

Academia, ano 100 A Academia Maranhense de Letras empossará no próximo dia 31 de janeiro, quinta-feira, às 20 horas, em sua sede à rua da Paz, 84, os novos administradores para o biênio : Comissão Fiscal, os acadêmicos José Filgueiras, Ceres Costa Fernandes e Milson Coutinho; Diretoria, Lino Moreira, presidente; José Maria Cabral Marques, vice-presidente; Jomar Moraes, Secretário-Geral; José Chagas, 1º Secretário; Laura Amélia Damous, 2ª Secretária; Mont’Alverne Frota, 1º Tesoureiro; Alex Brasil, 2º Tesoureiro. Desses 10 acadêmicos, 7 ocupavam o mesmo cargo no biênio anterior, , ou apenas mudaram de cargo. Neste último caso, encontram-se Lino Moreira, que era Secretário-Geral, e Mont’Alverne Frota, antes da Comissão Fiscal. Permaneceram nas mesmas funções Cabral Marques, Alex Brasil, Laura Amélia, José Filgueiras e Milson Coutinho. Não tinham cargo no biênio anterior Ceres, Jomar e Chagas.
Teremos a incumbência de planejar e executar os eventos que assinalarão os 100 anos da fundação da Academia, a 10 de agosto de 1908, data do nascimento de Gonçalves Dias, por um grupo de 12 intelectuais maranhenses cujos nomes devo mencionar por imperativo de justiça histórica: Antônio Lobo, Alfredo de Assis, Astolfo Marques, Barbosa de Godois,Corrêa de Araújo, Clodoaldo Freitas, Domingos Barbosa, Fran Paxeco, Godofredo Viana, I. Xavier de Carvalho, Ribeiro do Amaral e Armando Vieira da Silva, o mais jovem entre eles e fundador da Cadeira 8, patroneada por Gomes de Sousa, O Sousinha, ocupada sucessivamente por Jerônimo de Viveiros, João Freire Medeiros, José Ribamar Caldeira e por mim, a partir de 2 de setembro de 2004.
As informações que dou a seguir foram extraídas da quarta edição da publicação da AML, Perfis acadêmicos, organizada por Jomar Moraes.
A solenidade de instalação deu-se no prédio onde funcionava a Biblioteca Pública do Estado, na rua da Paz, que passou mais tarde, em 1949, à propriedade da Academia, quando o governador Sebastião Archer da Silva sancionou a Lei No 320, de 3 de fevereiro.
O primeiro estatuto, de 14 de outubro de 1908, estabeleceu em seu artigo 2º que seria de 20 o número de cadeiras da Academia. Como só foram de fato criadas as 12 dos fundadores originais mencionados acima, faltava criarem-se as outras oito, cujos ocupantes seriam escolhidos por eleição e considerados também fundadores, o que não foi feito de imediato. Houve diversas reformas estatutárias, sendo a primeira de 1916, ano da morte de Antônio Lobo, que não foi presidente da instituição, como às vezes se ouve dizer, função da responsabilidade Ribeiro do Amaral, de 10 de agosto de 1908 a 30 de abril de 1927, portanto durante 19 anos. A reforma de 1946 estabeleceu que seria de 40 o quadro de membros efetivos, seguindo a prática de instituições semelhantes, como a Academia Brasileira de Letras e a Academia Francesa, e de 30 o de membros correspondentes, mandamentos estatutários que se mantêm até hoje.
Coube-me a grande responsabilidade de presidir a Mesa Diretora da AML, quando se comemora seu Centenário, coincidente com o Centenário de falecimento de Artur Azevedo e de nascimento de Fernando Perdigão, 200 anos da chegada da Família Real portuguesa ao Brasil e 400 anos de nascimento do padre Vieira.
Quantas instituições no Maranhão têm essa idade? Quantas, embora já desaparecidas, chegaram a tantos anos e adquiriram um conceito tão elevado, a ponto de as eleições para preenchimento de vagas no seu quadro de membros despertarem vivo interesse na sociedade maranhense?
Anima-me a certeza de que não me faltarão disposição para o trabalho e apoio, não apenas da Diretoria, mas de todos os confrades da Academia e dos amigos da Casa, que são muitos e verdadeiros.
Todos estão convidados para a solenidade de posse.

20 de janeiro de 2008

José Cursino

Jornal O Estado do Maranhão, 20/1/2008

Um dia um rapaz sonhador tomou a decisão secreta de ir para a cidade grande. Nascido em Cajapió, na Baixada Maranhense, sempre fora fascinado com os belos campos da região, com a praia de Itapéua, com os pássaros que por lá passeavam – garças, maçaricos, jaçanãs e marrecos presentes em minha memória através das histórias contadas por minha avó –, e com a poesia da terra. Terá lido, imagino, estes versos, dedicados por seu tio, o romancista, poeta, jornalista e artista plástico Inácio Raposo, ao irmão, José Cursino da Silva Raposo: “Lembras-te? O campo já brotava em flores, / Passavam pelo céu, cantando, as aves; / Era S. Bento um reflorir de amores, / Mas de amores suaves”.
Os livros, apesar de toda aquela beleza em volta, eram seu grande amor. Lia os de seu pai, Luís, trazidos da capital em igarités, ou o rapaz os pedia emprestados aos poucos amigos e conhecidos que os tinham. Deitava em uma rede alva, na varanda da casa da pequena fazenda perto da praia, e passava longe dali o dia inteiro – durante as férias da escola primária – ou a tarde inteira – ao longo do período escolar – em outro mundo, vivendo outra vida, no convívio de heróis e vilões, observando o drama e a comédia, a baixeza e a nobreza da alma humana, junto ao irmão Haroldo, que observava curioso o irmão lendo sem parar, enquanto dividiam em harmonia o pequeno espaço da rede. Era, deve ter concluído, necessário ler mais ainda, num lugar de grandes escritores, aprender tudo, se possível. Queria vencer, como o tio Inácio. Mandado por seus pais a São Luís, com o fim de cursar o antigo ginásio, acompanhado da irmã Maria e do irmão Alvacir, logo procurou seu padrinho, dr. Pedro Oliveira, prefeito de São Luís em 1933, (estamos em 1936). Convenceu-o a lhe dar algum dinheiro, suficiente apenas para ir até Recife. Lá, embarcou clandestinamente num navio, rumo ao Rio de Janeiro. Mas, a cidade era grande. Onde andaria o tio Inácio naquela imensidão?
A mãe, Marcelina, chorou.Teria o pai, que nunca mais o veria, chorado também? Tendo este notícia da presença do rapaz na capital federal, pediu a Magalhães de Almeida, governador do Maranhão entre 1926 e 1930, que o localizasse e o encaminhasse ao irmão de Luís, Inácio, em Vassouras. Aí o rapaz se iniciou no jornalismo com a ajuda do tio e não parou mais de crescer. Decorridos alguns anos, voltou ao Rio de Janeiro e, além de continuar no jornalismo nos grandes jornais do Rio, tornou-se um intelectual respeitado, autoridade brasileira na obra de Graça Aranha, especialista em Clarice Lispector, sobre quem tem excelente ensaio inédito, subsecretário de Cultura do Rio, diretor do Museu Histórico Nacional e do Conservatório Nacional de Teatro.
Passaram-se quase vinte anos até ele, José Cursino dos Santos Raposo, meu tio que morreu no último dia 14, ter contato com alguém de sua família, quando seu irmão Saul foi em busca de trabalho no Rio de Janeiro, onde, alguns anos depois, um outro irmão, aquele que partilhava com ele a rede, perto de trinta anos depois de se terem visto pela última vez, se encontrou com ele. Finalmente, após rever sua irmã Maria, minha mãe, ainda no Rio, veio ao Maranhão, pouco mais de trinta anos após sua partida inesperada, como viria outras vezes. Manifestou várias vezes o desejo de voltar a Cajapió, mas nunca o fez. Temeria a emoção da volta à terra de sua infância, aos belos campos da Baixada?
Ele ficou no meu imaginário na infância e adolescência. Era a figura distante de quem ouvia falar, que ousara se libertar de seu meio acanhado e vencera no maior centro cultural do país na época. Embora eu não conhecesse então nada de sua produção, passou a ser o intelectual a quem eu olhava com um fascínio nunca diminuído, como ele olhava Inácio.
Queria vencer e venceu.

13 de janeiro de 2008

Música, por favor

Jornal O Estado do Maranhão

Recebi no fim de 2007 e-mail acerca do reggae maranhense, fenômeno cultural popular sobre o qual tenho feito comentários positivos. O texto, de alta qualidade, como se verá, trata também da Escola de Música de São Luís. É de um doutor em economia, do BNDES, Luiz Alfredo Raposo, excelente prosador e poeta. Transcrevo a mensagem pelo que revela de nossa cultura, vista de fora.
“Lino, em teu artigo de 11/11 último, disseste bem: São Luís fala. Sim, mas, advertem meus botões, São Luís canta (e dança) também... E não apenas o bumba-meu-boi, o tambor-de-crioula, as litanias do Divino. Canta e dança ainda (coisa que a mim intriga e encanta) ritmos caribenhos de sotaque. Sons que o forasteiroteabitante do universo-Maraho de um grave acontecimento: voceu sou, dessas duas deusas. os e pretos de Cabindastas de ritmos no escuta da janela enluarada do hotel (o baixo feito o pulso, o ritmo cardíaco da noite sobre a baía...). É curioso, quem os teria levado até aí? Eles decerto foram item invisível e não-tributável da modesta, semi-proletária cabotagem entre Grão-Pará e Guiana, Barbados, Jamaica, Curaçao: cargueiros e alvarengas no leva-e-traz de madeira e sacaria, e de discos, musicistas e gente comum. Bob Marley deve também ter feito sua parte, anunciando seu evangelho black, rastafári, de estações de rádio de Caiena, Paramaribo, Georgetown; evangelho de que acaso os ouvintes de cá jogaram fora a letra e ficaram consumindo a eloqüência, a melodia. É, para isso servem os vizinhos: para o troca-troca de humanidades, feira livre na qual, haja paz ou guerra, muito ou pouco sempre se vende e compra para auto-consumo. E esse livre-cambismo vai expandindo de praia em praia a humanidade de todos...
Resta, porém, a questão: por que, quando a onda musical do Caribe invadiu o litoral maranhense, encontrou seus habitantes tão predispostos a recebê-la? Seriam os quatro séculos de atração pelo mesmo mar que os orienta, que os chama, como aos de oeste, para o norte magnético? Mar que para uns e outros funcionava como inesgotável despensa e como cinemascope em cuja tela larga vez por outra surgiam, para os olhos cheios de assombro dos de terra, galeões espanhóis de velas coloridas enfunadas, carregados de prata, de especiarias, ou barcos tumbeiros apinhados, ou brigues de piratas? Ou seria a herança comum da mãe-África, que em todos bota ouvidos alertas, atentos aos toques de tribo, e certos impulsos elétricos nas ancas que fazem do simples ir um quase-dançar? Com tudo isso, não teriam teus conterrâneos guardada dentro de si uma centelha daquela específica energia que criou o reggae, o rum, a rumba, esses remelexos todos do Caribe? E afinal que é um reggae? Andante inexorável que não cansa nem apressa, de quem precisa resistir enquanto a noite durar? Responso de gente ativa no eito ─ fala e contrafala, sempre as mesmas, se alternando como uma obsessão ente duas encostas? Concerto em sol/em dor para banda, voz e vocal? Canto profano, às vezes (No Woman no Cry, Mr. Brown, Ten Commandments of Love...) atravessado por um sopro de spiritual?
São perguntas que proponho como sugestões de temas para futuros artigos teus, motivadas pela notícia, que recebi ainda agorinha, da aprovação de um dinheiro do BNDES para a Escola de Música de São Luís. Com o dinheiro, a Prefeitura vai restaurar e mobiliar um sobradão da Praia Grande, e ali aninhar a Escola. Tomara que, melhor instalados, os jovens aprendizes de instrumentistas e de compositores da Ilha venham no futuro a responder com uma safra suplementar, especial, de execuções, de melodias; ou com novas castas de ritmos irmãos do carimbó. Palco para o grande show vocês já têm, cósmico: a Praia Grande, esta vasta jazida de barroco a céu aberto, de rosto para o sol e para as estrelas, com sobradões de azulejo, bicas, escadarias... Andei por suas vielas e nelas encontrei brancos, mulatos e pretos de Cabinda. E eu os vi como condôminos e curadores meio distraídos de tudo aquilo. Pareciam tripulantes de um mesmo barco, funcionários de uma empresa colonial que ainda fosse a dona da velha fábrica reformada onde cada um, segundo seu orçamento, continuasse comprando ventura e desventura...

O projeto deve sua concretização à iniciativa do ex-chefe do Departamento Regional do Banco, Francisco Oliveira, homem de espírito elevado para quem era questão de honra que o Banco apoiasse algum projeto cultural no Maranhão; e ao brilhante trabalho conjunto do presidente da Fundação Municipal de Patrimônio Histórico, José Antônio Viana Lopes, da arquiteta Kátia Bogéa (do Iphan), e das colegas Fernanda Pontual, Isis Pagy e Marta Prochnik, essas irmãs missionárias da cultura. E tem o dedo de dois Raposos: Cursino, teu irmão, e eu. Ficarei satisfeito se acaso encerrar por ele minha vida no serviço público (estou me aposentando). Ou seja, se tudo para mim vier a terminar em música e poesia (em reggae...), fim não digo que merecido, mas certamente que desejado por um perpétuo enamorado, como eu, dessas duas deusas. E dessa Terra Boa de onde me vem um pedaço. [...]. Ass: Luiz Alfredo Raposo, 27/12/07”
Música, por favor, caros amigos.

6 de janeiro de 2008

CNJ

Jornal o Estado do Maranhão

Um homem ofereceu ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ um projeto de reforma do Judiciário. Não do brasileiro, coisa fácil de fazer, parece acreditar o reformador. Ele quer mudá-lo em todos os países e assim promover o Reino da Justiça na Terra, mediante justa recompensa por tanto trabalho. Esta foi a razão de seu pedido de um quatrilhão de reais para mostrar , depois de receber o pagamento, claro, o resultado de seu esforço. Um quatrilhão de reais, quantia muito superior ao PIB do Brasil! Em questões de dinheiro, poder e sexo, que andam quase sempre juntos, quem conhecerá os limites dos devaneios e ambições humanos? Devemos discutir a justeza da proposta? Outro cidadão denunciou a Maçonaria: “[Ela] detém todo o poder político do Estado de São Paulo e é responsável direta e indiretamente pela criminalidade. [...]. [É] repugnante e indecente, além de fazer cultos macabros”. Eu, até agora, nunca tinha ouvido notícia desse poder maléfico e sempre havia pensado na Maçonaria como uma instituição dedicada a fazer o bem (vejam o trabalho maçônico no Asilo de Mendicidade de São Luís), mas sem influência hoje em dia em nossa vida política, embora com alguma no Brasil imperial e no começo da República. Ou meu pai, maçom desses zelosos, guardou bem o tenebroso segredo, não se aproveitando, no entanto, de tanta força a fim de se tornar um homem rico e poderoso, ou seus irmãos, que é como os maçons se tratam, lhe esconderam o jogo durante os anos de sua vida dedicados à instituição. Hipótese improvável em vista da homenagem que recebeu deles na morte, pois foi velado na Loja Beckman, ao lado da Igreja de São João, sem “cultos macabros”. Outros têm encaminhado ao CNJ suas preocupações a respeito do funcionamento da Justiça. Em muitos casos, tratam de situações particulares. Um preso informou que estava sofrendo agressão física e psicológica na penitenciária. Um idoso apelou à proteção da Interpol porque estava, segundo ele, sofrendo ameaças de pessoas interessadas em “se apropriar da casa e da pensão previdenciária” dele. Uma mulher acusou policiais, promotores e advogados de não combatem a corrupção e os funcionários públicos de serem mal educados, mas não fez pedido algum. As reclamações mais freqüentes são contra a demora de juízes em despachar processos, irregularidades em concursos públicos e em cartórios e pagamento de vantagens salariais indevidas a juízes. O Conselho é órgão de controle externo no que respeita ao desempenho administrativo e financeiro do Judiciário, incluído aí o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Portanto, não é de sua competência, nem poderia ser, interferir em decisões do Poder em sua função de administrar a justiça. Ser chamado, de forma às vezes inusitada, como nos exemplos a que fizemos referência acima, a resolver problemas de alçada exclusiva do Judiciário ou de natureza corporativista e mesmo individual, revela as expectativas surgidas com sua criação. A lentidão e ineficiência de nosso sistema de justiça levaram as pessoas comuns, que não se interessam nem podem se interessar pelas sutilezas e complexidades formais do funcionamento das instituições, a ver no CNJ uma instância decisória superior com a função de corrigir as falhas da justiça. Poucos duvidam da importância do órgão assim como dos benefícios que trouxe e ainda trará. Mudanças necessárias foram impostas pelo Conselho, como o impedimento de nomeação de parentes e a imposição de um teto salarial. Endogenamente elas jamais seriam feitas. Isso, todavia, é só parte da história. Uma reforma ampla e profunda, que terá de vencer resistências bem articuladas dentro do próprio Poder, terá de ser feita se quisermos justiça verdadeira para todos e não apenas ao alcance dos capazes de contratar bons advogados.

Machado de Assis no Amazon