7 de dezembro de 2003

Histórias do Presidente

Jornal O Estado do Maranhão 
O Tribunal de Justiça do Estado acaba de eleger por unanimidade um novo presidente. Digo mal, aliás, ao chamar de eleição a decisão. Houve, em essência, uma aclamação das mais justas.
 A implantação pelo príncipe-regente de Portugal, d. João, do Tribunal do Maranhão, com o nome de Tribunal da Relação, em 1813, foi uma conseqüência natural da vinda da Corte lusitana para a América portuguesa. A existência de uma corte desse nível aqui não é de admirar, pela nossa importância econômica na época. Daquele 1813 até hoje, 190 anos passados, esta é a primeira vez que seu presidente é escolhido dessa forma. É um fato a falar bem tanto do órgão quanto do escolhido.
Do Tribunal, porque mostra uma capacidade de união incomum no comum das instituições, que são feitas por pessoas com todos seus defeitos e virtudes. Neste caso, elas tomam decisões falíveis, sim, mas, com base na honesta convicção de cada um de seus componentes sobre os verdadeiros interesses da sociedade. Intui-se no TJ o desejo de trabalhar unido em benefício da sociedade e não apenas da corporação judiciária. Por sinal, sendo uma instituição de conciliação da sociedade por sua natureza, não é de surpreender o exemplo dado internamente.
Do presidente eleito, porque revela sua capacidade de conciliar a instituição e, também, toda a magistratura – pois, juntos, esta e o Tribunal, formam um só organismo –, em volta de interesses sociais que, a despeito de suscitarem interpretações conflitantes, são aceitos em princípio por todos, por derivarem de valores consagrados universalmente: direito de viver, saciar a fome e participar da vida econômica, social e política da sociedade. Em suma, direito de ter liberdades substantivas.
Mas, quem é esse novo dirigente? O Mílson Coutinho que eu conheço é um homem de origem econômicas modestas que, com energia, disciplina e força de vontade raras, tornou-se o maior e mais produtivo historiador do Maranhão, como o provam os livros que vem sistematicamente publicando. Ele direcionou parte de sua obra justamente ao Judiciário. Publicou Pesquisa para a história judiciária de Coroatá (1978), A presença do Maranhão no Supremo Tribunal (1979), Apontamentos para a história judiciária do Maranhão (1979), História do Tribunal de Justiça do Maranhão (1982), Memória dos 180 anos do Tribunal de Justiça – 1813/193 (1993). Afora esses, tem vários a respeito da história do Maranhão, entre os quais A Revolta de Bequimão (1984), o mais completo estudo desse episódio de nossa história, felizmente em processo de reedição pelo Instituto GEIA.
Um das características dele mais notáveis, para mim, é um certo modo de quase esconder sua imensa cultura. Quem por acaso escutar ele falar sobre seus próprios conhecimentos como se contassem pouco e não tiver a oportunidade de ouvir ele discorrer com entusiasmo sobre história e direito não se dará conta de sua vasta erudição nesses assuntos. Essa modéstia sincera reflete a segurança de quem tem consciência de sua própria importância intelectual, sabendo, no entanto, sempre haver muito a ser aprendido. O que se vê, muitas vezes, é o contrário: muita pose e nenhuma capacidade.
Não há hoje no Maranhão quem conheça tão bem como ele as 13 mil fichas, e os documentos a que elas se referem, do Catálogo do manuscritos avulsos relativos ao Maranhão existentes no Arquivo Histórico Ultramarino, editado por Jomar Moraes, inestimável fonte de consulta acerca da nossa história. O próximo livro dele, Fidalgos e barões assinalados, mostra bem esse conhecimento.
Esse talento de ir às fontes primárias e delas extrair a melhor síntese sobre o passado, e o nunca perdido entusiasmo de iniciante por seu próprio trabalho de pesquisador, o tornam o excelente historiador que é.
As histórias do presidente – a pessoal e a outra, a da ciência histórica, além do seu saber na área do direito – certamente haverão de ajudá-lo a bem conduzir o Poder que ele passa a presidir. A história irá confirmar esta certeza.

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