27 de janeiro de 2013

Cachorro na rua

Jornal O Estado do Maranhão

          Não sei se o leitor já foi perseguido por cachorros em nossa cidade. Ainda não? Nunca numerosa matilha de 15 a 20 deles decidiu correr atrás de você, na tentativa de morder-lhes os calcanhares ou arrancar-lhes pedaços da batata da perna ou, quem sabe, qual nos filmes de terror, cravar os dentes na sua garganta e saciar, vamos dizer, insaciável sede de sangue? Eu já fui ameaçado, muitas vezes. Numa delas, fui arranhado – felizmente não fui mordido –, pelo afiado canino de um canino, necessitando de tomar vacinas.

          Em minhas andanças de bicicleta por São Luís e pelo resto da Ilha – São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa –, depois de tanta perseguição, eu acabei chegando à conclusão óbvia de haver mais desses animais nas vias públicas do que gente. Não faço a comparação entre os de rua e humanos na mesma situação (na linguagem politicamente correta, “em situação de rua”). A população de cães que perambula pela Ilha supera em muito a população humana total (não exagero). No entanto, poucas têm sido até agora as manifestações de preocupação pública com os cachorros e suas vítimas potenciais.
          E nas residências, alguém poderá perguntar, quantos são esses animais? Esses vão igualmente às ruas passear, com a diferença de voltarem para casa. É o caso de fazer um censo. – Quantos a senhora tem, madame? Dois? Deixe-me anotar. – E este aqui, é de verdade ou é só um brinquedinho eletrônico? O certo é isto: eu nunca passei por uma rua, avenida ou praça de São Luís sem encontrar um monte deles. Os humanos de rua encontram-se apenas em algumas áreas e não são tantos.
          Veja só, leitora. No mundo animal, excetuando-se dele nossa misteriosa espécie, reproduzem-se as mesmas disputas e estruturas do nosso. Vem um grupo de cachorros filosofando sobre a morte da bezerra, ou da cachorra, e as dificuldades da vida e eis uma cadelinha, balançando o rabo com passinhos ligeiros e graciosos e uma beleza não afetada pelo fato de não tomar banho há muito tempo. Por sorte dos brutamontes ela está no cio. Quem vencerá a luta por ela? O mais forte, claro, o mais esperto, o mais rápido, sei lá, qualquer um desses. Os fracos, os menos espertos, os lentos ficarão a ver navios e, quem sabe, estrelas após levarem imerecida surra dos outros.
          Essa desigualdade traz à mente outra, entre os de madame e o os menos afortunados em “situação de rua”. Uns vão a salões de beleza, a hotéis especializados, têm quem os leve a passear e os proteja dos maus elementos vagabundos; eles comem do bom e do melhor e chegam a escolher suas namoradas e namorados. Em suma são da classe dominante e insensível, adepta do capitalismo selvagem. Os outros comem não o pão amassado pelo Diabo, mas o pão amassado em forma de bolinhas pelos fregueses dos restaurantes, e outros restos de comida. Paciência, a vida tem dessas coisas.
          É a revolta com tudo isso a razão de sua agressividade e da ameaça às pessoas. Só pode ser. Como nos dias de hoje a revolução dos bichos está fora de moda, contentam-se em me perseguir e a outros ciclistas incautos o bastante para se aventurarem ao ar livre com suas bikes. O que fazer nessas circunstâncias?

          Apelar às autoridades? Aí está. Não apelo apenas a seu senso de justiça, antes à obrigação de fazerem cumprir as leis, dando a elas a eficácia esperada de toda peça de legislação. Contribuirão, livrando-nos dessa praga, como tenho muita esperança de acontecer, para a plena vigência das leis, sem essa de que não pegam. Pois a legislação sobre o assunto existe e órgãos teoricamente responsáveis por sua execução, também, como o Centro de Controle de Zoonoses. Sei das dificuldades financeiras atuais da prefeitura e do empenho do senhor prefeito em superá-las e elas serão superadas. Os executivos responsáveis por essa área da administração municipal saberão compreender a gravidade da ameaça aos cidadãos representada pelos animais sem dono onipresentes na cidade e tomar as providências necessárias. Penso na participação da Sociedade Protetora dos Animais, como facilitadora no estabelecimento de uma estratégia para isso.

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