21 de abril de 2013

Yes, nós temos tomate

Jornal O Estado do Maranhão
          
          A marchinha de Carnaval Yes, nós temos banana, composta em 1937  por Braguinha e Alberto Ribeiro, extraordinária dupla de compositores, fez um sucesso danado no Carnaval de 1938, em gravação de Almirante. Chegou, com o movimento Tropicalista na música, a ser gravada por Caetano Veloso em 1967: “Yes, nós temos banana / Banana pra dar e vender / Banana, menina, tem vitamina / Banana engorda e faz crescer. / Vai para a França o café, pois é / Para o Japão o algodão, pois não / Pro mundo inteiro, homem ou mulher / Bananas para quem quiser. / Mate para o Paraguai, não vai / Ouro do bolso da gente não sai / Somos da crise, se ela vier / Bananas para quem quiser”.
          A letra tem duplo sentido de conteúdo erótico, mas também alude às chamadas “repúblicas bananas”, termo cunhado por O. Henry, escritor americano, com o fim de designar países da América Central, cujas economias se especializaram, nos séculos XIX e XX, na monocultura de produtos agrícolas de exportação, sendo a banana um dos mais importantes, em um sistema chamado plantation, de grandes latifúndios. Depois, o termo passou a abranger qualquer país com uma economia com aquelas características. Quando a marcha foi composta, as exportações brasileiras eram quase todas de café e poucos outros produtos agrícolas.
          Mas, o que eu queria dizer era o seguinte. A economia brasileira cresceu bastante de lá para cá, diversificou, mas não tanto, sua pauta de exportações, modernizou-se. No entanto, tantos anos passados, continuamos, tudo me faz crer, na dependência do cultivo da terra, pois essa é a dedução lógica dos estragos, segundo o governo, que o preço do tomate vem fazendo na inflação. O leitor poderá não se lembrar, mas houve uma época em que o chuchu, isso mesmo, essa coisa sem gosto, sem cor, sem odor, sem nada e, por isso mesmo, repugnante serviu ao fim justificar o aumento da taxa de inflação. O vegetal teve seus quinze minutos de fama. O tomate hoje é o chuchu ontem.
          Eu imagino os tomates de minha horta, meio chateados e vermelhos de frustração, com insônia, pensando nos pratos a que servem de enfeite, para depois serem mastigados, ou fazendo reflexões filosóficas sobre o motivo de as crianças os encararem com ares de poucos amigos ou, ainda, de serem colocados em todas as comidas de restaurante de fast food. Meio paranoicos, pensam que há um complô do mundo contra eles.
          Mas a verdade é esta. Eles sempre tiveram inveja dos seres do mundo animal, da galinha, do pato, do peru, que pelo menos podem tentar, antes de serem capturados e enviados à panela, uma fuga com as própria pernas ou asas, em vez de esperarem passivamente a chegada de seus perseguidores dispostos a levá-los às cozinhas de residências e restaurantes. Onde estão suas pernas, onde estão suas asas para lhes dar alguma chance de sobrevivência?
          Foi tudo isso que os levou a imaginar um plano perverso. Decidiram espalhar um vírus contagioso ao extremo, a fim de prejudicar, não os bolivarianos, adeptos do vermelho, mas o povo brasileiro, tão ordeiro e respeitador das leis: o arrepiante vírus da inflação.
          Com origem em aparentemente nada, a inflação começou então a subir semana após semana. Assustados e pensando nas eleições de 2014, o Ministério da Fazenda e o Banco Central iniciaram a busca pelos culpados e logo anunciaram a descoberta: quem causava o aumento eram os tomates. Desconfiavam de um tomatus inflationes virus mas não tinham certeza de nada. Certeza tinham de que o aumento não tinha relação alguma com o descontrole dos gastos do governo. Houve quem sugerisse a “solução chuchu”, o expurgo, do cálculo da inflação, do tomate, mas a ideia não andou.
          Resumindo, os legumes, ou frutas, ninguém sabe ao certo, aliviados de sua inveja pela visão dos transtornos que causavam, retiraram, não se sabe como, o vírus implantado na inflação, que diminuiu, e tudo voltou ao normal. Os homens do governo saíram então cantando e saltitando na ponta dos pés: “Yes, nós temos tomates / Tomates pra dar e vender...”.
           Já se anuncia um aumento no preço do leite. Seriam as vacas as culpadas?

7 de abril de 2013

Dragão à solta

Jornal O Estado do Maranhão


          Em diversas ocasiões, neste jornal, fiz referências ao único e importante mérito de Lula na Presidência da República: sua política econômica, aí incluída a defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal, fato assinalado, por exemplo, em minha crônica do dia 13/12/2006. Ele manteve em quase tudo as diretrizes “neoliberais” do período anterior ao seu: política monetária dura, com autonomia de fato do Banco Central, como se percebe dos juros altos, pois ele não desejava apertar demais a política fiscal, promovendo cortes profundos nas despesas públicas.
          Os “insaciáveis” banqueiros nunca ganharam tanto dinheiro como então, pois ele não só fez uso da herança, como a levou a extremos, sobretudo no lado monetário. Ninguém foi tão neoliberal como ele, companheiro. Ele pode agora esbravejar contra o neoliberalismo, sem se preocupar com coerência. Seja dito, porém, em seu favor que coerência pode ser apenas outro nome para teimosia, recusa de ver a realidade.
Atribuo a dois fatores seu posicionamento: à influência de Delfim Neto, a quem ele ouvia, apesar de outrora ter sido, esse ministro de governos militares, a encarnação do próprio neoliberalismo. Também ponho sua atitude na conta de sua intuição política. Ele percebeu que desarrumar a economia, na ocasião no rumo certo, era risco político imenso. Imaginem se, no momento do estouro do escândalo do mensalão, a inflação estivesse fora de controle e a economia no chão. A queda era certa, como a do outro, das Alagoas.
          Por que estou falando disso agora? Porque a situação com a administração de Dilma é bem diferente e perigosa. Ela, nas folgas das lutas armadas pela libertação dos pobres e oprimidos, frequentou algumas aulas de economia e acabou se bacharelando. Tal feito, a levou a acreditar na própria capacidade de fazer outra revolução, na teoria econômica pequeno-burguesa. Assumiu a Presidência e decidiu dar provas da possibilidade de se ter ao mesmo tempo expansão de gastos governamentais, em vez de corte, e juros baixos. Para chegar a esse paraíso, tirou a autonomia do Banco Central e mandou expandir o crédito fácil para o consumo das famílias.
          O resultado negativo começa a aparecer com o estouro da meta de inflação Para agravar as expectativas pessimistas dos agentes econômicos ela, como um personagem de Nélson Rodrigues, ergueu a fronte, se adiantou no palco, tropeçou na língua de Camões e quase cai no poço da orquestra (ainda existe isso?) e disse: Não adotarei políticas que mirem o PIB, em nome do combate à inflação. Ora bolas, nenhum governante, nenhum, repito, quer, só de mal, impedir o crescimento “deste país”. É patologia imaginária. Por que razão o faria, se precisa dos votos dos cidadãos? A história é outra.
          O déficit exige fontes de financiamento. Estas são formadas pelos tomadores de títulos emitidos pelo governo. Eles compram os papéis mediante a promessa de um rendimento segundo determinada taxa de juros, que é o preço de usar o dinheiro de terceiros. A taxa será mais altas quanto maior o déficit. Portanto, juros altos resultam de mau comportamento do setor público e tentar baixá-los artificialmente, como Dilma fez, é inútil. É como tentar tabelar qualquer outro preço: não funciona ou, se o controle for efetivo, provoca efeitos colaterais, neste caso pressões inflacionárias. O aumento de juros tem o indesejado e inevitável efeito, ao frear a inflação, de diminuir a atividade econômica. Não é questão de intenção de derrubar o PIB.
          Mas, eu falava mais acima sobre como a situação agora é mais perigosa. Lula percebeu o perigo. Delegou a gente qualificada a condução da economia, com carta branca para adotar o “neoliberalismo”. Com Dilma é diferente, não sabendo nada e achando que sabe tudo, decidiu que ela mesma seria a ministra da Fazenda e a presidente do Banco Central, com as consequências conhecidas.
         A ameaça inflacionária é real. Não existe nunca “só um pouco” de inflação, pois, tudo o mais constante, ela tende a subir. Melhor não atiçar o dragão. Como o leão da canção de Roberto Carlos, ele também já está solto nas ruas.

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