26 de dezembro de 2010

A missa do galo


Jornal O Estado do Maranhão

Entre as muitas obras primas do conto produzidas por Machado de Assis, uma é de minha especial predileção, Missa do Galo. O conto é narrado em primeira pessoa por um adulto, Nogueira, incapaz de entender acontecimentos de muitos anos antes, na véspera de Natal, na casa de Meneses, escrivão, contando o rapaz de então dezessete anos. Era ali que Nogueira se hospedava quando vinha de Mangaratiba. Conceição, casada com o dono da casa, tinha trinta anos. Naquela noite especial, o escrivão “foi ao teatro”, senha que usava quando de suas idas à casa da amante, local de seus pernoites uma vez por semana. As pessoas da casa – a esposa, sua mãe e duas escravas – já estavam recolhidas. Nogueira ficou na sala à espera de um amigo com quem iria à Missa do Galo à meia noite em uma igreja próxima. Depois de algum tempo, Conceição veio à sala. Na conversa entre ela e o rapaz, nada acontece objetivamente, mas tudo, subjetivamente. O comportamento dela é ambíguo, como em muitas mulheres na obra ficcional de Machado, numa atmosfera de solidão, sensualidade e erotismo, situação não compreendida por ele em sua ingenuidade adolescente, senão intuitivamente ou nem dessa forma.
Como exemplificação da atmosfera do conto e da atitude de Conceição, basta este trecho: “De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos”.
Que Machado tenho localizado a situação na véspera do Natal, criando um contraste entre esta comemoração religiosa e a atitude de Meneses, indo dormir na casa da amante, e também a de Conceição, relativamente ao rapaz, mais nos faz perceber a maestria do Bruxo do Cosme Velho. Tão marcante é o clima da narrativa que às vezes nos esquecemos desse choque.
Falo desse conto porque as missas do galo não são mais celebradas à meia noite em nossa cidade, mas bem antes, às 8 horas ou mesmo às 7 horas da noite. O motivo está na a preocupação com a segurança dos fiéis. O horário tradicional, como ainda ocorre na maioria dos outros lugares, os exporia a assaltos e outros tipos de violência. Como não há segurança pública adequada em São Luís, o jeito é a antecipação. Felizmente para seus frequentadores, a televisão faz a transmissão da Missa do Galo celebrada pelo bispo de Roma. Pelo menos os que se contentarem com essa forma de estar presente ficarão satisfeitos.
Uma das explicações dadas pelos pesquisadores do assunto, de sua realização à meia noite, é esta. Seu início a essa hora, junto com o começo do dia de Natal, fazia com que, ao retornarem a suas casas, os fiéis pudessem ouvir os primeiros cantos dos galos na madrugada já adiantada, pois aquela não era celebração breve. Em Roma, ela vem do século V, na basílica de Santa Maria Maior. Hoje, no entanto, é feita na basílica de São Pedro. Outra explicação é a da lenda pela qual um galo teria cantado à meia noite de 24 de dezembro, anunciando a chegada de Jesus Cristo e teria sido essa a única vez em que o fez nessa hora. Outra ainda fala da batida das 12 badaladas da meia noite de 24 de dezembro. Cada lavrador de Toledo, na Espanha, matava nesse momento um galo, em memória daquele que cantou três vezes quando Pedro negou Jesus. A ave era, depois, levada até a Igreja como oferenda aos pobres. Cada um de nós pode escolher a melhor explicação a seus olhos. Mas a tradição existe e cativa cristãos e não cristãos.
É pena que, tão bonita como é, e tocante mesmo para os não crentes aculturados na doutrina católica, tenha de ter a tradição alterada porque bandidos bem humanos estejam à vontade na prática de seus crimes. Não sei se irão para o inferno. Não sei mesmo se esse é um lugar suficientemente ruim para abrigar esses tipos. Não sei sequer se o inferno existe. Mas existem cadeias e lá deveria ser o local de residência permanente deles de onde não deveriam sair nem para ir à missa algemados.

12 de dezembro de 2010

Sapo, queijo, nada


Jornal O Estado do Maranhão

Eu morei 10 anos em Brasília onde, entre muitas coisas boas de sua concepção urbanística, há um sistema de endereços capaz de permitir a alguém de fora, sem experiência prévia com a cidade, uma orientação fácil, sem perda de tempo e sem necessidade de perguntas a ninguém no meio da rua. Bastam explicações sucintas sobre a lógica do sistema, tarefa de não mais de cinco ou dez minutos. Falo especificamente do Plano Piloto.
A cidade foi concebida na forma de avião e construída sobre dois grandes eixos, referências fundamentais dos endereços. O eixo maior é o corpo, ou charuto, do avião. Na extremidade na direção leste, está a cabine do piloto, com a Praça dos Três Poderes, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto. Na outra, a oeste, uma grande Torre de TV, o Memorial JK, o Palácio do Buriti, sede do governo do Distrito Federal e diversos órgãos públicos. Entre os extremos estão os prédios dos ministérios e a catedral de Brasília. Cruza este eixo, mais ou menos na metade, outro, na direção norte-sul, como asas de um avião. Na intercessão, a primeira rodoviária do Distrito Federal que, de terminal interurbano, transformou-se em terminal de integração de transporte urbano.
A asa direita (lembremo-nos da posição da cabine) é a Asa Sul e a esquerda, a Asa Norte. A área de moradia está sobre estas ou estava exclusivamente, antes da expansão do Plano Piloto em relação ao projeto original de Oscar Niemeyer.
O sistema é cartesiano porque qualquer ponto na área delimitada por uma linha imaginária de ligação dos pontos extremos dos eixos, formando, com as linhas dos próprios eixos, um quadrilátero com os quatro quadrantes clássicos dos eixos cartesianos, está perfeitamente determinado, uma vez dadas as suas coordenadas. Por exemplo, eu morei na SQS 112. Tradução: SQ, Superquadra e S, Sul. Esta última informação me diz que o endereço é na Asa Sul. O SQ é a informação sobre o número da Quadra, que segue uma ordem numérica. Se partirmos das primeiras, próximas ao charuto, numeradas com o número dois (SQS 102 e SQS 302, esta atrás da primeira) e nos deslocarmos pela Asa Sul na direção de sua extremidade, veremos à nossa direita, ou lado oeste (W), as quadras SQS 103, SQS 104, SQS 303 e SQS 304, etc. – as duas últimas por detrás das outras – e à esquerda, ou lado leste (L), as SQS 203, SQS 204, SQS 403 e SQS 404, e dessa forma sucessivamente até as últimas quadras, SQS 116 e SQS 316, SQS 216 e SQS 416. Todo o raciocínio se aplica, espelhado, à Asa Norte. Isso é muito mais fácil de mostrar e entender com um desenho muito simples do que com palavras. É a velha luta com elas.
Dou essa volta toda por causa de uma história recente. Um empregado (ou colaborador, como é moda agora dizer?) de um centro de atendimento de uma operadora de telefonia (sempre elas) foi o causador de um mal entendido, transformado em piada na internet. Um cliente, necessitando da atualização do endereço de entrega de sua conta do apartamento novo, ligou para a telefônica. O atendente, nada de compreender o endereço e o significado de SQN 214. Será tão difícil assim, ver que N significa Norte? Quinze minutos de conversa e a coisa não desengatava. O consumidor pensou em algo parecido com o código fonético internacional em que cada letra é reconhecida pela inicial de uma palavra identificável no mundo inteiro. A letra S é representada por Sierra, Q por Quebec, N por November e assim por diante. Sem conhecimento seguro do assunto, o cliente utilizou outras palavras, assim: Sapo, Queijo, Nada, cujos iniciais são, como se vê, SQN. Pois bem, o sujeito da telefônica colocou como novo endereço Sapo Queijo Nada 214 e a conta foi enviada dessa maneira, felizmente com o CEP, informação suficiente para a correta entrega.
Haverá um custo tão alto assim, de treinamento dos empregados das operadoras, com a utilização de um simples mapa com o esquema de endereços de Brasília? A falta de preparação do seu pessoal será a razão de serem elas campeãs de reclamação nos órgãos de defesa dos consumidores?

28 de novembro de 2010

Pacificação?

         
Jornal O Estado do Maranhão

          Pela obviedade de suas falhas, nunca me dei ao trabalho de comentar a política de segurança do Estado do Rio de Janeiro. Deveria ser evidente que, expulsa pelas UPPs – Unidade de Polícia Pacificadora das favelas onde se havia estabelecido e deitado raízes durante décadas, o narcotráfico iria procurar, o mais perto possível de sua base original de operações, local para continuar suas lucrativas atividades. Isso apenas se seus operadores não fossem presos. Não vi nos jornais informação sobre o número de encarcerados na “pacificação” e ninguém tem certeza sequer se tal objetivo estava nos planos das autoridades do Estado nem se elas pretendiam combater também as milícias.
Vamos pensar. Se os bandidos não foram parar atrás das grades, onde se meteram? Na Coreia do Norte não, pois lá seriam presos ao entrar naquele paraíso terrestre da classe trabalhadora. Aqui, livres, voltaram a barbarizar em favelas ou bairros sem “pacificação”, como sempre fizeram.
O resultado dessa estratégia do governo parece ter sido a simples divisão de áreas de influência entre as autoridades e os traficantes. Não digo que essa era a intenção inicial, mas, no momento, dá essa impressão. A pergunta certa é esta: O narcotráfico diminuiu nos territórios ocupados? Ninguém teve ainda a coragem de responder pela afirmativa. Levanto a hipótese de ter havido uma acomodação pela qual os chefões da bandidagem passaram a agir mais discretamente nos morros, dispensando mão de obra como olheiros, vigias, etc. Estes, desempregados, desceram até o asfalto.
Vamos, no entanto, fazer outra suposição, mais benevolente. Digamos que todas as favelas cariocas tenham sido “pacificadas”, seguindo o modelo atual, de não prender os facínoras, tão só expulsá-los. Onde eles se instalariam, na hipótese de que não o fazerem nos bairros ricos do Rio? Em São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais? Num lugar qualquer seria, sempre procurando preservar suas atividades, vamos dizer, de “economia informal”. Ou devemos supor que se converteriam em bons cidadãos e passariam respeitar as autoridades, temer a Deus e frequentar templos evangélicos onde seriam remunerados com moedas celestiais? Pelo amor de Deus!
Não estou dizendo que o trabalho de expulsão não deve ser feito. Deve, sim e já. Não pela metade, porém. Equipe-se a polícia, melhore-se seu treinamento, comprem-se equipamentos modernos, aumentem-se os salários da tropa, mas prenda-se esse pessoal e meta-se a turma toda na cadeia. A capacidade do sistema penitenciário é pequena e sua qualidade indescritivelmente ruim? Então o governo deve investir no seu melhoramento. Os bons cidadãos têm mais interesse na criação de bons presídios, indiscutivelmente úteis à segurança deles, do que os habitantes dos presídios. Recursos há quando se trata de projetos supérfluos. Não deveriam faltar quando se trata de algo tão importante para a sociedade. Do jeito que as coisas andam agora, não será um bom negócio, quando se pensa em boa imagem do país, fazermos a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Seremos vistos como o país da violência.
E não me venham com história da carochinha de as condições sociais serem as responsáveis pela violência porque isso é um insulto à pobreza. Uma percentagem mínima de quem tem baixa renda é delinquente. Afinal, onde fica a responsabilidade individual, a capacidade de escolher entre o bem e o mal? Há gente que escolhe a carreira de bandido, sem relação alguma com injustiça social ou com injustiça nenhuma.
A política de “pacificação” do Rio não equivale a colocar o lixo debaixo do tapete. Antes, a jogá-lo no quintal do vizinho. No entanto, registrem-se os primeiros sinais de reação possivelmente efetiva do poder público. O problema não tem solução fácil e deve ser enfrentado em dois níveis governamentais: o local e o nacional. Contudo, se nossas fronteiras continuarem a ser a peneira de hoje, por onde entram armas pesadas do crime e a droga de países vizinhos , e medidas de âmbito nacional não se tornarem eficazes, o esforço terá sido tão só mais uma frustação perigosa.

14 de novembro de 2010

Lucchesi na ABL


Jornal O Estado do Maranhão

           Faleceu no dia 6 deste mês, aos 92 anos, em Belo Horizonte, onde no mesmo dia teve o corpo sepultado, o padre Fernando Bastos de Ávila, ocupante durante 13 anos da cadeira de número 15 da Academia Brasileira de Letras, fundada por Olavo Bilac, já ocupada por Odilo Costa Filho e cujo patrono é Gonçalves Dias. Sua posse na Academia deu-se no ano do quadricentenário da morte de José de Anchieta e tricentenário da de Antônio Vieira e seu antecessor foi dom Marcos Barbosa. Segundo dom Dimas Lara Barbosa, bispo auxiliar do Rio de Janeiro e secretário-geral da CNBB, “sua biografia atesta a fidelidade de seu amor a Cristo e à Igreja no exercício de um longo e frutuoso ministério presbiteral”.
O padre, membro da Companhia de Jesus desde 1935, fez em Roma, onde se ordenou em 1948, mestrado em Filosofia e Teologia, na Universidade Gregoriana. Em 1954, doutorou-se em Ciências Políticas e Sociais na Universidade de Louvain, na Bélgica. Criou em 1955 a Escola de Sociologia, Política e Economia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, de que foi vice-reitor a partir de 1964, quando lutou pelo reconhecimento da profissão de sociólogo. Foi membro da Comissão de preparação do Anteprojeto de Código Penitenciário, publicado em 1957; da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, nomeado pelo presidente Sarney, em 1986; e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Publicou quinze livros bem como numerosos ensaios, artigos e conferências nos campos da sociologia, problemas brasileiros, história e doutrina social da Igreja.
Lamentar a morte do padre Ávila é também lembrar o vazio deixado por ele não apenas nas mentes e corações de seus amigos e admiradores, mas também no quadro de membros da ABL. Os jornais noticiam a candidatura de Marco Lucchesi à cadeira 15. Poeta, escritor, ensaísta e tradutor, ele veio a São Luís em 2008 a meu convite e por indicação do poeta Luís Augusto Cassas, seu amigo, quando eu presidia a Academia Maranhense de Letras. Aqui ajudou a conferir brilho intenso às festividades do Centenário da AML com duas palestras. Uma sobre a obra poética de Cassas e a segunda sobre a Divina Comédia, de Dante. Sua personalidade cativante fez germinar várias amizades entre nós e o tornou uma sentinela especial de nossa cultura no sul do país, onde, nas páginas da revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, tem divulgado a poesia maranhense.
Lucchesi nasceu em 1963, no Rio de Janeiro. É professor de literatura italiana, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou  Sphera (2003), Poemas Reunidos (2000, finalista do Prêmio Jabuti), A sombra do amado: poemas de Rûmî (2000, ganhador do Prêmio Jabuti), Os olhos do deserto (2000), Bizâncio (1999, finalista do Jabuti), Teatro alquímico (1999), O sorriso do caos (1998), Saudades do paraíso (1997), A paixão do infinito (1994). Escreve também em italiano (Poesie, 2000) e em árabe. Foi responsável pela edição brasileira de dois clássicos italianos: Jerusalém Libertada, de Torquato Tasso, (1998) e Giacomo Leopardi – poesia e prosa (1996). Tem poemas traduzidos em alemão, romeno, espanhol e persa. Traduziu, entre outros, Primo Levi, Umberto Eco, Vico, Rûmî, Hölderlin, San Juan de la Cruz, Rilke, Quevedo, Khliébnikov, Trakl, Vittorio Alfieri, Roberto Cotroneo e Artaud. “O poeta Marco Lucchesi acaba por despertar em nós outros, seres humildes, a fervente aspiração de alcançarmos um dia esses vértices de luz absoluta, que ele, Marco, traduziu apaixonadamente”, disse de sua obra poética Nise da Silveira.
Falando sobre seu próprio trabalho de tradução diz Lucchesi: “Vivi desde pequeno – sonhando, pensando, brincando – num meio bilíngue, toscano-carioca: a tradução foi para mim como que um processo afetivo. Uma forma de amar. Ou de sobreviver. Anfíbio de duas culturas, era preciso conhecê-las uma na outra. Por isso, tornei-me um espelho de duas tendências”.
É em favor desse homem de grande talento e erudição, e de convívio humano fácil e suave, que pedimos aos deuses que o façam ficar sob o patronato de Gonçalves Dias na ABL.

31 de outubro de 2010

Pelo telefone

           
Jornal O Estado do Maranhão

            Hoje tento evitar temas políticos, sempre contaminados por paixões do momento, e corro os olhos pelos segundos e terceiros cadernos da grande imprensa em busca de um bom tema. Até a página policial – ou principalmente ela – poderia me servir em dias como este, de falta da chamada inspiração, que seria mais bem denominada como falta de disposição para escrever.
É no caderno Cotidiano, da Folha de S. Paulo, que tomo conhecimento de uma situação, descrita em crônica de Danusa Leão. Em muitos aspectos é semelhante a mais de uma vivida por mim. E daí, por associação de ideias, lembrei de minha recente entrevista à tv Mirante. Nos dois casos – a da crônica e da minha entrevista – o assunto é o mesmo: os péssimos serviços das companhias de telefonia no Brasil.
A cronista narra suas atribulações com estas, no caso a Oi, a respeito de uma linha de celular sobre a qual Danusa não tem responsabilidade alguma pela prosaica razão de não ser sua proprietária nem nunca ter sido. E, no entanto, recebeu e recebe correspondências ameaçadoras da empresa alertando-a da iminência de ter o nome colocado numa dessas listas de maus pagadores que, muitas vezes, refletem apenas o comportamento de maus vendedores. Oitocentos reias “apenas”, era o valor da cobrança indevida, sem direito a discutir o assunto até o indevido pagamento. Feito isso – dinheiro nos cofres da Oi, de onde nunca voltaria ao bolso da consumidora –, a discussão desigual teria início.
Na entrevista à Mirante perguntaram-me sobre minha experiência com esse pessoal. Falei então de quando, a fim de cancelar uma linha, tive de ir a uma loja da Tim, porque falar por telefone com uma empresa de telefone foi e é uma tarefa digna de um Batman. Feito uma reles peteca de praia, fui raqueteado de um atendente a outro, aturando impecáveis gerundismos, sem nunca ter o problema solucionado.
Chegando lá, disseram-me que o gerente, de quem eu queria obter explicações, estava em reunião com o bispo da Patagônia, que não alcançava o Vaticano com o seu celular. Acreditei, mas respeitosamente pedi para ser o primeiro a ser atendido ao final de encontro tão transcendental.
Quando a autoridade finalmente me atendeu, pedi a ele, de joelhos, perdão pelo incômodo e relatei minha situação. O bruto teve a audácia de exigir que eu fizesse o pedido por escrito “por questões de segurança”. Saquei de um ofício previamente preparado e, triunfante, mostrei a ele. Perda de tempo. Ele não queria um documento apenas escrito, como dissera, mas, prestem atenção, queria-o manuscrito. Eu disse manuscrito, quer dizer, escrito a mão, e tentou me empurrar uma folha de papel almaço e uma charmosa caneta Bic. Percebeu, caro leitor? Manuscrito em papel almaço. Nem ao menos em papel do tipo chamex.
Depois de muita discussão, aceitou o requerimento impresso. Em crônica neste jornal, fiz um relato semelhante a este de agora. Poucos dias depois, um diretor da empresa, em outro Estado, ligou-me e prometeu mais investimentos na melhoria dos serviços. Acreditei de novo.
Com a Oi foi menos grave, mas, assim mesmo, indicativo do desprezo dessa gente pelos consumidores. Como a identificação de chamadas de minha linha não funcionava corretamente, solicitei que resolvessem o problema. Deram-me um número quilométrico (era um tal de protocolo de atendimento) e prometeram mandar um técnico a minha casa no dia seguinte. Vinte dias e meia dúzia de novas solicitações depois apareceu alguém e (parece mentira) consertou o defeito. É assim o tratamento dado a nós, consumidores, por essa turma.
Já passou a hora de as autoridades fazerem funcionar para valer os órgãos de regulação e fiscalização na telefonia do Brasil e em tudo mais. Aliás, onde deveria haver tais ações, nenhuma se vê, como neste setor. Em outros, em que fiscalização cheira a mordaça, como o setor dos meios de comunicação, áreas do governo federal se empenham avidamente em controlá-los e colocá-los sob suas ordens, inspirados no modelo de Cuba. Como se sabe, lá é o paraíso da classe trabalhadora na Terra.

17 de outubro de 2010

Rosa na Academia



Jornal O Estado do Maranhão

     Tomou posse no quadro de membros correspondentes da Academia Maranhense de Letras na quinta-feira passada, dia 14, a Dra. Rosa Pacheco Machado. Ela passou a ocupar a Cadeira No 5, fundada por João de Melo Viana e cujo patrono é Belarmino de Matos, o Didot Maranhense. É interessante a cadeia sucessória dessa Cadeira e já digo por quê. Ela é sucessora de José Mindlin, conhecido empresário e bibliófilo brasileiro, mais bibliófilo do que empresário, penso eu. Ele por sua vez foi sucessor de Elza Pacheco Machado justamente a mãe da Dra. Rosa.
     Com o fim de evitar erro do leitor que poderia supor intencionalidade no fato de ela suceder ao sucessor de sua mãe, informo isto. Quando, em sessão ordinária da Academia, seu nome foi indicado pelo acadêmico Benedito Buzar para ocupar um das Cadeiras vagas na época (17 de setembro de 2009), iniciativa formalizada depois por ele e por mim, os dois subscritores da proposta, Mindlin não havia falecido ainda. Assim, ela poderia ocupar qualquer vaga existente então. Quis o destino, porém, ou aquilo que se denomina coincidência, que ele falecesse em janeiro deste ano. Vaga a Cadeira, natural ser ocupada pela Dra. Rosa.
     É esclarecedor saber que as formas de eleição de membros do quadro de correspondentes e do quadro de membros efetivos não são iguais em um aspecto. No primeiro caso, as candidaturas são formalizadas com a indicação, por no mínimo dois membros pertencentes ao quadro de membros efetivos, do candidato a ocupar uma Cadeira no outro quadro. No outro caso, não há indicação. O pretendente a membro efetivo tem de candidatar-se em eleição em que deverá concorrer com outros que também o fazem por iniciativa própria, preenchidas algumas condições regimentais.
     Mas a coincidência não se esgota em ocuparem a mesma cadeira mãe e filha. Um dos fundadores da Academia, Fran Paxeco, era o pai da Dra Elza Pacheco, segunda ocupante da Cadeira No 5. Ela, como vimos, era mãe da Dra. Rosa. Aí está. A nova acadêmica é neta de um dos mais importantes fundadores da AML.
     Ela cresceu entre livros, pois a Dra. Elza, maranhense de São Luís, foi a primeira mulher a doutorar-se em Letras pela Universidade de Lisboa. Entre suas obras contam-se O mito do Brasil menino, Nótula sobre negações duplas em português, Da glótica em Portugal e Alguns aspectos da poesia de Bocage. O pai da Dra. Rosa era Dr. Pedro Machado um dos mais importantes intelectuais portugueses do século XX. Filólogo, historiador, bibliógrafo e arabista deixou, entre centenas de obras, o Dicionário etimológico da Língua Portuguesa e o Dicionário onomástico-etimológico da Língua Portuguesa. Foi num ambiente familiar com pais desse quilate intelectual que a Dra. Rosa se formou.
     Ela mesma, natural de Lisboa e residente em Caldas da Rainha, fez Mestrado em Ciências Documentais, Especialidade de Biblioteca e Serviços de Informação, na Universidade Autônoma de Lisboa “Luís de Camões”. Sua excelente dissertação tem o título de A Academia Real de Sciencias de Lisboa e a sua Tipografia, 1780-1910. Ela tem, ainda, curso de pós-gradução, especialização em Biblioteca, na mesma Universidade, por onde é, ainda, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante Português-Francês.
Foi uma bela solenidade de posse. Ouvimos o falar característico de nossos avós portugueses na voz da empossanda. Ela discorreu sobre o patrono e os ocupantes anteriores da Cadeira inclusive, com grande carinho, sobre sua mãe, não deixando de mencionar seu também ilustre avô. O acadêmico Carlos Gaspar, com fortes ligações sentimentais com Portugal, pois seu pai era de lá, foi quem, em nome da Academia fez o discurso de saudação à nova acadêmica. Ele destacou as qualidades intelectuais da Dra. Rosa e a importância de sua presença entre nós.
     Cumpre registrar a doação que ela fez à Academia de imenso e rico acervo de relíquias de seu avô. Daí resultará um livro a ser publicado no próximo ano, conforme anúncio do presidente Mílson Coutinho ao fim da solenidade.
Bem-vinda à nossa Casa, Dra. Rosa.

3 de outubro de 2010

Votar



Jornal O Estado do Maranhão

     O Brasil com as eleições de hoje aprofunda ainda mais um sistema democrático sólido, que parece ter lançado raízes profundas em nossa cultura nas últimas duas décadas e meia. Evidência do acerto dessa afirmação está no ambiente já estabelecido no país, hostil a sonhos de continuísmo – ou pesadelo, para quem acredita mesmo no princípio da alternância do poder, dentro de regras previamente estabelecidas – de parte não pequena do Partido dos Trabalhadores, inclusive de seus mais altos dirigentes. Centrada na popularidade de Lula, a ideia circulou, envergonhada e acanhada (ou não), entre chefes petistas e os chamados militantes, palavra usada na imprensa internacional na designação de extremistas de todos os matizes. No Brasil ela traz à mente o pessoal do pt.
     Precisamos lembrar que populares foram diversos chefes de governo que, por circunstâncias históricas e de outras naturezas, depois se tornaram ditadores: Hitler subiu ao poder em eleições regulares e Mussolini, entre outras proezas, fazia os trens chegarem na hora na Itália. A muitos, a popularidade deles parecia razão bastante para a continuidade no poder. Nas condições da época na civilizada Europa, foi possível, assim, a instalação de ditaduras por causa dessa visão antidemocrática. Mas, dizer isso pode parecer uma justificativa dos crimes dessas figuras. Não é o caso. A história não os absolverá nem lhes esquecerá os males infligidos a milhões de pessoas.
     Mas o que eu queria dizer era isto. Com a posse do próximo dirigente do país, completamos o mais longo período de vida institucional regular desde o fim da República Velha, em que tivemos quase quarenta anos de eleições meramente formal, é verdade, mas ainda assim, obediente às regras do jogo do liberalismo, em que se mantinhas as aparências. Longe estava de nós a noção de participação das massas na vida política brasileira como acontece hoje.
     A Revolução de 30 marcou o fim desse antigo regime, fragilizado por crises econômicas mundiais, que não podiam deixar de ter reflexos aqui, e pelo uso sistemático da fraude eleitoral de grupos de poder do sul do país. Eles decidiam por antecipação os vencedores das disputas.
     A redemocratização veio em 1945. Foram 19 anos de quase normalidade até 1964, num arranjo político frágil, como se viu pelo suicídio de Getúlio Vargas em 1954, as tentativas de golpe contra Juscelino, a renúncia de Jânio Quadros, a implantação do efêmero regime parlamentarista em 1961 para evitar um golpe de Estado e, por fim, a quartelada de 1º de abril de 64, que implantou um regime de exceção no Brasil.
     A posse de José Sarney como presidente da República em 1985 marcou o fim da ditadura. Seguiu-se, como consequência necessária, a posterior promulgação da Constituição de 1988. Chegamos agora a 25 anos de plena democracia substancial, com fundamentos vigorosos, situação inédita, parece-me, em nossa trajetória como país independente.
     Vamos construindo uma nação que fatalmente chegará à posição de potência entre potências, sem abrir mão de sua vocação pacifista. É uma construção de toda a sociedade e sucessivas gerações. Ela tem avanços e recuos, bons e maus momentos, crescimento e retrações. Mas, tem sempre caminhado adiante, nunca para trás. Na economia, sucessivos governos têm se empenhados em acabar com a suspeita de ser o Brasil o eterno país do futuro, num trabalho permanente, sem fim e sem descanso.
     Só teremos sucesso, no entanto, se, em paralelo aos avanços político-institucionais já alcançados, formos capazes de criar um sistema educacional verdadeiramente eficiente e de alta qualidade. Ficaremos ameaçados de perder as conquistas das últimas décadas se fracassarmos aí. Não podemos continuar sem universidade alguma entre as duzentas melhores do mundo. Os exemplos de países que, com uma revolução educacional, tornaram a pobreza coisa do passado são abundantes.
     Ao voto, pois. Esse é o melhor e mais eficaz instrumento a nosso dispor para mudar o país e sua história. A Venezuela não é aqui; nem Cuba e muito menos a Coreia do Norte.

19 de setembro de 2010

Vamos estudar



Jornal O Estado do Maranhão


     A educação, como tema de campanha nas atuais eleições, não tem sido objeto de sérias, consistentes e necessárias discussões. A história nos mostra não haver sociedades modernas que tenham alcançado o desenvolvimento, em todas as dimensões implícitas nessa palavra, sem um sistema educacional capaz de dar a seus cidadãos condições não só de apresentarem respostas adequadas às necessidades da economia no mercado de trabalho como de proporcionar-lhes o desfrute de condições materiais que lhes permitam a busca da felicidade e o exercício do direito à vida e à liberdade, livres do medo e da opressão. A Coreia é um exemplo de país que em pouco mais de uma geração transitou da pobreza à riqueza por conta, principalmente, de uma revolução educacional. Falo da Coreia capitalista e democrática, não da outra, sob ditadura comunista.
     Vejo na imprensa o ranking das melhores universidades do mundo. Entre as dez melhores, sete são dos Estados Unidos e entre as vinte, quinze também o são. Entre as duzentas melhores, o país tem as 72 mais bem colocadas, ou mais de um terço, entre elas a de Notre Dame, onde estudei economia em fins dos anos 70 e início dos 80. Ela aparece na 36ª posição entre as americanas, digo com satisfação e orgulho.
     A primeira colocada, Harvard, foi fundada em 1636. Seis dos nove membros que compõem a atual Corte Suprema se formaram lá, na Escola de Direito, bem como seis presidentes, entre eles John Kennedy e Barak Obama. Seus pesquisadores ganharam 43 Prêmios Nobel em quase todas as áreas de conhecimento. As segunda, terceira, quarta e quinta no ranking são também dos Estados Unidos: Instituto da Califórnia de Tecnologia (a Caltech), onde se encontra o Laboratório de Propulsão a Jato, da Nasa; o Instituto de Massachussets de Tecnologia (o MIT); Stanford, também na Califórnia; e Princeton. Não por acaso, o país é o que é.
     A Inglaterra vem a seguir, com 29, a Alemanha, 14, a pequena, em extensão territorial, Holanda, 10, o Canadá, 9, a Austrália, 7, China, Suíça e Suécia, 6, Escócia e Japão, 5, Coreia do Sul, Hong Kong, França e Taiwan, 4, completando o grupo dos 15 primeiros.
A dominância dos Estados Unidos é avassaladora. A diferença entre eles e a Inglaterra, segunda colocada, é de 43 universidades, número maior em quase duas vezes o próprio número de instituições dos ingleses. Todos os continentes têm pelo menos uma entre as duzentas melhores, exceto o continente americano do México até a Argentina. O país mais bem classificado nessa América excluída da boa educação universitária foi o Brasil, com a USP, situada tão somente na 232ª colocação. A África tem uma no G-200, na África do Sul. Aqui...
     Qual a explicação para tão pífio desempenho? Os americanos investem 3,1% do seu PIB no ensino superior, a maioria em universidades privadas. A União Europeia, na média de seus membros, chega a 1,5%, menos, como se vê. Daí, a diferença a seu desfavor. No Brasil o investimento é ainda mais baixo, 0,9% do PIB. Contudo, só dinheiro não resolve, quando a corrupção é endêmica.
     O ensino brasileiro se expandiu muito nas últimas décadas, mas sua qualidade caiu muito. Os alunos saem da escola sem saber ler, escrever e fazer as operações aritméticas básicas e entram nas universidades sem condições de aprender nada, na hipóteses de lá ensinar-se alguma coisa de verdade. As públicas se partidarizaram, transformaram-se em repartições públicas, burocratizaram-se e vivem perdidas em eternas assembleias, greves, reuniões de conselhos. Estes compõem numerosas instâncias decisórias que as paralisam. Na raiz de alguns desses males, está o maléfico sistema de escolha dos reitores, em eleições diretas. Sem ter a capacidade de fazer milagres, como Paulo Coelho, eles se transformaram em tristes rainhas da Inglaterra, sem a pompa britânica.
     Sem educação de excelência, o eventual crescimento de nossa economia cedo atingirá o limite imposto pela ignorância e seu propagadores, hoje pré-requisito para o sucesso na vida. Assim, a classe operária não chegará ao paraíso nem a lugar nenhum.

5 de setembro de 2010

Vale Tudo?


Jornal O Estado do Maranhão
    
Estamos acostumados a pensar em eleições como ocasião de os cidadãos, após análise do pensamento dos candidatos, na forma exposta em suas propostas de políticas públicas, tomarem decisões acerca de quem desejam como representantes no Executivo e no Legislativo, mas, infelizmente, não no Judiciário. O mecanismo de escolha é a realização periódica dos pleitos pelas democracias, mas não pelos paraísos terrestres dos trabalhadores como a Coreia.
     Como o uso do cachimbo põe a boca torta, não percebemos que se dá exatamente o contrário. Nos dias atuais, as eleições representam oportunidade de os candidatos sondarem o pensamento dos eleitores e, aí sim, declararem suas irremovíveis convicções, semelhantes, por mera coincidência, às dos cidadãos. É a hora de chamar os especialistas e, de posse dos resultados de pesquisas, prometer ao eleitor exatamente o nestas identificado. Qualquer coisa. Inverte-se, assim, a direção do processo. Quem devia liderar passa a liderado.
     Essa característica de nosso sistema representativo não é intrinsecamente ruim. É natural e compreensível os candidatos desejarem conhecer o pensamento dos eleitores. Mas, o papel do político  numa democracia não devia ser, sobretudo, de liderança? De indicação de novos caminhos, quando a maioria persistir em seguir a humana tendência do menor esforço e máximo benéfico quase sempre em direção do desastre, em especial nas áreas em que, sem análise cuidadosa, quase todos não conseguirão ver a conexão entre benesses de curto prazo e elevação exponencial de custos no longo, como no sistema de previdência?
     Em qualquer levantamento sobre os benefícios desejados pela população, os mais evidentes e custosos ficarão no topo da preferência. Terá de haver, no entanto, alguém para dizer ao povo não ser possível satisfazê-las simultânea e imediatamente, a menos que se queira levar o país ao caos, porque não se inventou ainda o milagre da produção de dádivas sem custo e, como se sabe, manás não caem do céu. Churchil, grande estadista, prometeu aos ingleses não uma vitória fácil na Segunda Guerra Mundial contra o nazismo então forte e triunfante na Europa. Em vez disso, advertiu sobre os sacrifícios  necessários à ocasião. A bonança, só depois da tempestade. E liderou e venceu e não foi liderado. Se devêssemos seguir tão só as pesquisas, não haveria necessidade de termos político humano. Bastaria eleger um computador político. Bem programado, ele aplicaria os resultados dos levantamentos na campanha eleitoral. Os candidatos, hoje, dizem pensar apenas o que eles pensam que os eleitores pensam.
     Como disse em sua crônica semanal na Folha de S. Paulo, no dia 27 do mês passado, o nosso decano na Academia Maranhense de Letras, o ex-presidente da República e senador José Sarney: “O resultado do conjunto das pesquisas orienta as manipulações: hora de bater, de informar, de distorcer, de exaltar, de alegrar, hora da razão, da emoção. [...] e, por trás de tudo, a turma do dossiê, ‘da maldade’, que, conjugada com os jornalistas de investigação, vivem à cata do fato sujo, do escândalo, do provérbio da politicagem ‘onde não tem rabo a gente põe’”. A qualquer momento, alguém irá propor a sério uma democracia sem eleições, só na base desse instrumento de aferição de opiniões momentâneas. Hoje se ganham e se perdem eleições de véspera e o derrotado morre como um pobre e embriagado peru de Natal.
     A respeito de dossiês contra adversários políticos, neste momento em que o aparelho estatal é usado com o fim de confeccioná-los sem nenhum pejo, devemos pensar nisto: a se entranhar em nossa vida política tal costume, a ponto de ninguém mais ser tomado de indignação, amanhã, se ainda tivermos democracia, quando a oposição de hoje for governo e repetir esse comportamento, o governo de hoje terá séculos para se arrepender, mas nada poderá fazer. O vale-tudo já terá deitado raízes e seremos, os cidadãos comuns ou os opositores em geral, e não apenas os pretendentes a governantes, as vítimas da prática nefasta.
     Onde iremos parar assim? Queremos ser uma grande Cuba?

22 de agosto de 2010

Renovação


Jornal O Estado do Maranhão

     Todo mundo clama o tempo todo contra a falta de renovação na política brasileira. Em época de campanha eleitoral, como agora, as queixas aumentam. Ora, parece que as pessoas não estão prestando atenção nos cartazes de propaganda espalhados pelo Brasil inteiro. Eles desmentem a tão apressada afirmação. Novidades na política, há muitas.
     Repare bem, caro leitor, nas fotos de muitos candidatos e faça sua própria avaliação. Não acredite em minhas palavras. Olhe com muito cuidado o primeiro cartaz que lhe atravessar o caminho. Tire a prova. Os rostos novos diante de seus olhos provocarão imensa surpresa. Você irá procurar lá no fundo de suas memórias primevas e dirá: é verdade, é tudo novo, eu nunca tinha visto nada como isso. Mas, infelizmente, uma dúvida chata e intrometida virá mais tarde se aboletar em sua mente angustiada. É esse sujeito mesmo? Faz tanto tempo! O nome dele, porém, lhe escapa.
     À noite, em casa, a propaganda política na TV aparece e lá vem a mesma foto que assombrou você à tarde na rua. Desta vez não foi possível ver o nome escrito em letras miúdas. Afinal, como são muitos candidatos, o tempo de cada um é muito pequeno, contado em segundos. Voltam as dúvidas que, vejam só, dão um jeito de aparecer em seu sonho, justamente quando aquela bonitona e rica estrela do cinema ia caindo na sua conversa, conquista que iria lhe proporcionar uma renovação de sua vida amorosa. E da financeira.
     Finalmente, pela manhã, depois da noite mal dormida, você dá o estalo. Com certeza, aquele rosto é seu velho conhecido. Eureka, você diz eufórico, a renovação, está na cara, aconteceu na cara do cara. E não foi nenhuma operação plástica, nenhum Pitanguy fez aquele milagre. Foi um recurso da informática: o velho, confiável e cheio de recursos Photoshop, sofware dado a operar milagres. Quem tem um não precisa de plástica pra coisa alguma.
     Onde foram parar as rugas, onde os cabelos encanecidos, aquele ar de vovô à antiga. Onde o ar de “no meu tempo é era tudo melhor?” Esse tempo não é somente do retratado. É seu também, pois vocês foram colegas de infância, faz um bocado de tempo.
     Alguns poderão acusar de falsa essa renovação, um estelionato eleitoral. Mas quem não concordará com uma afirmação como esta: essa renovação é melhor do que nenhuma. É preferível ter uma foto colorida, atual, moderna em lugar daquelas antigas de tonalidade sépia do tempo da vovó. Nada impede que, renovada a cara, não se renovem também as ideias. Mente nova em rosto novo. Não pode é dizer: mente de novo com cara nova. A renovação, acreditem, não se esgota nisso. Ela se dá de outra e insuspeita maneira.
     Quem não conhece a recém-aprovada Lei da Ficha Limpa? (Ou será da Ficha Suja?) Ela veio, por iniciativa popular, com o fim de excluir da política gente sem a qualificação necessária para ser representante do povo. Não vamos entrar na discussão sobre a constitucionalidade de uma lei que retroage com o fim de atingir possíveis delitos do passado, aparentemente ferindo um princípio consagrado de a lei não retroagir em prejuízo do cidadão.
     Vamos nos concentrar na sua intenção e no inesperado de sua aplicação. Quais os objetivos da lei? Impedir a turma desonesta de posar como honesta. Posta em prática, qual o seu resultado? Renovação, renovação e renovação.
     Explico. Ninguém deve se espantar com algo tão óbvio. Impedidos de concorrer nesta eleição (não se sabe nas próximas), os potenciais fichas-sujas estão lançando parentes da nova geração de suas famílias como candidatos a deputado. São os candidatos-bebês. É ou não uma renovação, um avanço nos costumes, uma inovação empolgante? As caras são jovens (e os caras), as ideias, difícil saber. Sejamos otimistas. Quem sabe tocados pelo famoso espírito de rebeldia da juventude, pela vontade de afirmação, pelo desejo de independência, eles rompam com os laços familiares, deem um grito de liberdade e adotem novíssimas e boas práticas políticas, revelando-se paladinos da ética e da moral públicas? Nada é impossível. Alguém tem alguma dúvida?

8 de agosto de 2010

Uma escola e duas canoas



 Jornal O Estado do Maranhão


     Estivemos no dia 23 de julho no Estaleiro-Escola no relançamento da canoa costeira Dinamar, restaurada e entregue a seu proprietário, o mestre Martins. O que há de especial na restauração de uma embarcação a justificar uma solenidade com a presença do criador do Museu Nacional do Mar, Dalmo Vieira Filho, de membros da Academia Maranhense de Letras (Ubiratan Teixeira, Laura Amélia Damous, Benedito Buzar e eu), do Comandante da Capitania dos Portos, o Capitão de Mar e Guerra Calmon Bahia, da imprensa, de dirigentes de órgãos públicos, de gente do mundo cultural de São Luís? Vamos recuar no tempo a fim de obter a perspectiva adequada à explicação do sucesso daquele evento.
     Há 33 anos, Luiz Phelipe Andrès aportou em São Luís para aqui se fixar e dar contribuição importante ao Maranhão, tanto na preservação do Centro Histórico, que culminou no título de Patrimônio da Humanidade, dado pelo Unesco à cidade, quanto na salvaguarda das técnicas de construção naval artesanal utilizadas em nosso vasto litoral. Elas estariam quase extintas se não tivessem sido objeto de criteriosa pesquisa de sua autoria. Por conta de iniciativas como essa, ele adquiriu credibilidade e reconhecimento no Maranhão e no Brasil. Membro do Conselho Consultivo do Iphan, em sua instância nacional, vem realizando trabalhos importantes com acervos culturais, como a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, ou as cidades históricas de Parnaíba, no Piauí, e Iguape, no litoral sul de São Paulo – dou poucos exemplos –, para os quais elaborou pareceres aprovados por unanimidade pelo Conselho, viabilizando sua inclusão na lista do Patrimônio Histórico Nacional.
     Nesses anos todos, tenho acompanhado com admiração sua trajetória como servidor público dedicado e dou testemunho de como ele tem superado com habilidade obstáculos muitas vezes originadas em incompreensões, sem nunca esmorecer em sua determinação, criando parcerias, entre elas com o Iphan, que deu apoio à restauração.
     A Escola, criada e dirigida por Phelipe, se destina, à valorização e ensino daquelas técnicas, que foram utilizadas no restauro, como estratégia de evitar que a riqueza imaterial por elas representada desapareça. A feliz Dinamar pertence a uma rara tipologia de embarcações, da qual restam apenas cerca de 30 exemplares. Tal número poderá se reduzir ainda mais se o Ibama local, dirigido pelo funcionário chamado Paraguaçu, mas, de fato, um autêntico Caramuru, persistir na perseguição a essas canoas, como já fez com uma semelhante à restaurada.
     Falo da Sombra do Mar, menos feliz do que a Dinamar. Apreendida com o uso, a pedido do Ibama, da Força de Segurança Nacional, e apartada de seu humilde proprietário porque transportava meia dúzia de caranguejos a mais do permitido no período de defeso, foi colocada sob a guarda de um infiel depositário ligado à Secretaria de Meio Ambiente do município de São José de Ribamar. O secretário, Isaac Buarque de Holanda (vejam a ironia desse nome do ponto de vista cultural) permitiu sua indevida utilização por terceiros, que resultou em rápida degradação, saque e afundamento. Em resumo, sua quase destruição.
     Voltemos à solenidade. Aqueles que não conheciam a Escola disseram-se surpresos com a qualidade e beleza de suas instalações, no Sítio do Tamancão, margem esquerda do rio Bacanga, com bonita vista do Centro Histórico. Na sexta-feira, dia 30 de julho, Ubiratan Teixeira falou sobre os aspectos sociais de suas atividades, neste jornal. Este, no domingo, dia 1º deste mês, dedicou longa matéria ao assunto, destacando o trabalho dos alunos e dos mestres. Na coluna do PH, no mesmo dia, uma nota voltou ao papel social da Escola, registrando apelo de Benedito Buzar por mais apoio de parte da Univima, da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, instituição que a mantém. Acadêmicos da AML a visitarão no próximo dia 19.
     A experiência é pioneira e única no Brasil e prova de que dedicação, espírito público e capacidade de realização podem levar a bom termo ideias inovadoras, em consonância com a realidade da comunidade onde se encontram.

25 de julho de 2010

Meu mal, meu bem


Jornal o Estado Maranhão
    
Quem teve a paciência de me ler quinze dias atrás, no dia 11 deste mês de julho, haverá de se lembrar de minhas considerações acerca do potencial de crueldade – e de bondade, para não sermos injustos com a nossa própria espécie – do ser humano. Alguns leitores me enviaram mensagens em que eu notei certo espanto com minha visão do assunto, como se eu fosse descrente da humanidade, percepção bem longe da verdade. Minha motivação fora o chocante assassinato de Eliza Samudio a mando, tudo indica no momento, do goleiro do Flamengo, Bruno, crime executado por seus comparsas e tão chocante quanto o da menina Isabela Nardoni, assassinada pelo próprio pai e pela madrasta (lembram-se ainda deste caso?).
     Eu dizia então: “A afirmação de serem os humanos capazes das maiores baixezas e nobrezas não é menos verdadeira por ser lugar-comum. [...] Chefes nazistas eram capazes de se emocionar verdadeiramente com a música de Wagner [...]. Terminadas as audições voltavam tranquilos e embevecidos à administração dos campos de extermínio de judeus, tarefa a que se dedicavam com método e entusiasmo, sem dores de consciência [...]”. Isso é a nossa história, um impulso em direção ao mal, coexistente com o bem, que só é domado pela necessidade de sobrevivência do grupo, das aglomerações. Civilizar-se é, então, estabelecer regras de convivência na sociedade. Elas devem produzir não exatamente igualdade de resultados, porque habilidades e talentos são desigualmente distribuídos na população, mas de oportunidades, incluídas aí as de sermos livre de ameaças à vida.
     Em17 de julho vejo na Folha de S. Paulo uma entrevista com Gonçalo Tavares, escritor português de 39 anos, nascido em Angola e considerado o grande nome da nova geração da literatura de Portugal. Dele dizia José Saramago que não tinha direito de escrever tão bem aos 35 anos. Seu romance Jerusalém está na lista europeia dos “1001 livros para ler antes de morrer – um guia cronológico dos mais importantes romances de todos os tempos”. Foi vencedor dos prêmios José Saramago (2005); Branquinho da Fonseca, da Fundação Calouste Gulbenkian (2002); Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores; Conto da Associação Portuguesa de Escritores (2007). Tem 24 livros publicados, o primeiro em 2001 apenas.
     Seu romance A máquina de Joseph Walser será lançado pela Companhia das Letras nas próximas semanas no Brasil, onde ele já tem outros livros por editoras daqui. Ao falar à Folha sobre o livro, parte de uma tetralogia chamada o Reino, ele diz: “Nenhum de nós está fora do barco da maldade”, sentimento de que, afirma com razão, o ser humano é potencialmente uma máquina, mas de bondade também.
     Essa visão não implica descrença na humanidade. Representa em verdade o reconhecimento de que são humanos comportamentos classificados por nós como de animais. Vejam agora o paralelo das palavras de Gonçalo com minha afirmação sobre os nazistas: “Uma coisa que nos espanta é quando vemos uma biografia sobre Stálin ou Hitler e outras pessoas terríveis e percebemos que elas se apaixonaram, que havia quem gostava delas, que tinham gestos carinhosos”.
     Minha intenção é dizer isto. Assunto como esse, com implicações na nossa visão do mundo e da vida, aparece com frequência como tema literário, é comum entre os grandes romancistas, como o provam os muitos livros que o adotam em todas as literaturas. Não é propriedade de ninguém, pertence a uma espécie de fundo comum ao qual não precisamos contribuir para dele fazer retiradas. Está à disposição de todos, tem alcance universal. Tratado pelos grandes escritores pode servir de matéria prima a grandes obras. Este parece ser o caso de Gonçalo Tavares, segundo a crítica e seus leitores. Pretendo conferir em breve, quando o livro estiver nas nossas livrarias ou à venda na internet. A ter-se fé numa afirmação de Saramago, quem ler esse jovem romancista agora, estará lendo um ganhador, daqui a duas décadas, do prêmio Nobel de Literatura. Se não, em menos tempo.
     Tudo que é estranho é humano também.

11 de julho de 2010

Direito à vida


Jornal o Estado do Maranhão

     Combinam-se, no assassinato da ex-namorada do goleiro Bruno, do qual ele é acusado, com razão, parece, fatores culturais e não culturais, na explicação de um crime de grande violência mas não raro e não o mais chocante de quantos o noticiário policial diário nos informa.
     O primeiro fator é certamente a mentalidade machista, que ainda tem larga aceitação na sociedade brasileira. Assim, a mulher, aos olhos de enormes e representativas faixas da população – masculina e feminina – é um ser feito com o fim de servir aos machos da espécie em todas as coisas e mais uma.
     A essa mentalidade deve ser adicionado, neste caso tão em evidência agora, o status do jogador Bruno como uma pessoa de sucesso, crescente fama e perspectiva de continuado desenvolvimento profissional e, portanto, de elevadíssimo nível de renda e capacidade de influenciar pessoas. Ou talvez fosse melhor dizer que a operação não é de adição, mas de multiplicação ou potenciação. Tais componentes servem, quase invariavelmente, para dar a muitas pessoas nessa posição a sensação de imunidade às imposições do sistema de justiça o que, de qualquer maneira, não é uma suposição infundada, consciente ou não, em vista da ineficiência, da lerdeza, da burocracia, do viés em favor de quem tem dinheiro e da injustiça da justiça.
     Como Bruno mesmo disse, segundo a imprensa, à ex-namorada e mãe de seu filho de quatro meses, em nome de quem ela pedia o reconhecimento de paternidade e pensão alimentícia, ele a mataria e ninguém se importaria, algo bem plausível por se tratar de uma garota de programa. A moça já o tinha denunciado à polícia sem que nenhuma providência tivesse sido tomada, como se ela não merecesse proteção do Estado. Imagino os risinhos de deboche de quem recebeu a queixa. Então essa aí tá querendo proteção. Merece é umas porradas! Não funcionam assim as coisas? A Lei Maria da Penha pegou ou não?
     Acima e além disso tudo, no entanto, encontra-se algo mais forte, mais consistente e mais impositivo: a natureza humana no que ela tem em comum com os outros seres vivos, se for possível, mesmo, falar dela como especificamente humana, separada da dos outros. Dela, da natureza, não somos nós parte necessária, não contingente? Como sobreviveríamos num mundo a que não pertencêssemos?
     A afirmação de serem os humanos capazes das maiores baixezas e nobrezas, em todos os graus e de todos os modos, de encarnarem deus e o diabo, o bem e o mal, não é menos verdadeira por ser lugar-comum. (Incluo no “mal” os psicopatas iguais a Bruno, como incluo no “bem” as pessoas incapazes de matar uma mosca, como se diz). É assim mesmo, o espectro que vai de um extremo a outro é amplo entre as pessoas, como o é de uma pessoa em relação a ela mesma. O doutor Jekyll e o senhor Hyde.
     Chefes nazistas eram capazes de se emocionar verdadeiramente com a música de Wagner por suas ressonâncias de um suposto espírito germânico, mas também com Mozart, Beethoven e outros grandes compositores da música clássica. Terminadas as audições voltavam tranquilos e embevecidos à administração dos campos de extermínio de judeus, tarefa a que se dedicavam com método e entusiasmo, sem dores de consciência, sob o escudo do “cumprimento do dever”.
     Quantos homens e mulheres virtuosos, santos indiscutíveis, reconhecidos por suas virtudes não propriamente celestiais, mas terrenas, não se consumiram de remorsos por atos que perante sua própria consciência eram baixos e repulsivos e diante dos outros causaram tanto espanto quanto os atos chocantes de Bruno nos causam neste momento? Quantos santos não são diabos e quantos diabos não são santos?
     Nada do exposto aqui, é evidente, justifica o crime. Este é universal e universal nossa repulsa. Temos a obrigação de lutar pelo aperfeiçoamento institucional que possa proteger a vida em sociedade. O processo civilizatório é feito assim e por isso (permitam-me o antropocentrismo) o homem está no topo da vida na Terra, pois, tendo desenvolvido consciência de si mesmo e senso moral sabe que não só os fortes têm direito à vida.

27 de junho de 2010

Zebra, não


Jornal O Estado do Maranhão


    Em Copa do Mundo de futebol não existe zebra com respeito ao resultado final. Não será nesta, em terras africanas que têm muitos desses simpáticos animais, que elas irão “adentrar o gramado”, como diriam os locutores esportivos do passado, ou entrar no relvado, em termos portugueses. Vamos aos números, que só mentem se forem torturados barbaramente. (Escrevo na sexta-feira, antes do jogo contra Portugal).
    Em todas as Copas, desde a primeira em 1930, quando o Uruguai foi campeão em confronto com a Argentina, até a de 2006, uma das seleções do grupo constituído pelo que eu chamo de Os Quatro Grandes, o G-4 do futebol – Brasil, Argentina, Alemanha e Itália – chegou à partida final, ou duas delas chegaram. Isso quer dizer que, sem exceção, uma delas foi campeã ou vice-campeã em todas as Copas. todas. Nas 10 a partir de 1970 (já foram realizadas 18 e mais a deste ano, a décima nona) e até 2006, em 6 a disputa do título ocorreu dentro desse grupo, em mais da metade, portanto. Cito o campeão primeiro: em 1970 (Brasil e Itália); 1982 (Itália e Alemanha); 1986 (Argentina e Alemanha); 1990 (Alemanha e Argentina); 1994 (Brasil e Itália); em 2002 (Brasil e Alemanha). Nas outras 4, a última partida contou com uma do G-4 contra alguém “de fora”, em verdade apenas duas equipes, a da França, 2 vezes, contra o Brasil em 1998 e contra a Itália em 2006, e a Holanda, contra a Alemanha em 1974 e contra a Argentina em 1978.
    Essa concentração de poder futebolístico pode ser expressa também pelo número de países que venceram o torneio. Além das quatro grandes, apenas três: Uruguai nos muito distantes anos de 1930 e 1950 bem como Inglaterra no também distante 1966 e França em 1998. São, assim, 7 países. Para se avaliar bem estes números é preciso saber que a Fifa, entidade controladora do esporte no mundo, tem 208 membros, mais do que a ONU e do que o Comitê Olímpico Internacional. Os vencedores constituem, desse modo, 3,4% do total (7 de 208). Dito de maneira diferente, tão somente 3,4% dos filiados da Fifa venceram 100% das contendas. Concentração tão grande só a da renda pessoal em nosso país.
    Outra medida de concentração pode ser construída com o número de títulos ganhos pelo G-4. Neste caso, chegamos a 78% porque são 14 de campeão, ganhos por esse grupo, de um total de 18.
    Alguém deseja ter mais dados sobre essa concentração ludopédica? Vejam isto. O Brasil disputou 7 partidas finais, mesmo quantidade da Alemanha. Como os dois países foram juntos a uma delas, em 2002, por nós vencida, somadas elas perfazem o total de 13. Em termos percentuais, tal número equivale a 72,2% das partidas finais.
    E os nossos números? São estes: 1 quarto lugar (1974); 2 terceiros (1938 e 1978); 2 segundos (1950 e 1998; e 5 primeiros (1958, 1962, 1970, 1994 e 2002), ou colocação entre os quatro primeiros em 10 Copas do Mundo, equivalentes a 56% do número de competições. A Seleção é a elite dentro da elite. Caso eu diga, por exemplo, que a probabilidade de o Brasil ganhar é de 56% isso significa que a cada 100 Copas realizadas venceremos 56.
    Menciono esses números com o fim de dar ao leitor um quadro realista da situação atual. Temos, sim, maiores chances, nós e os 4 grandes, nessa ordem. O passado é um bom guia relativamente ao futuro. Mas, se falamos em ganhar, como aqui fazemos, então, se a probabilidade não é de 100%, devemos ter o espírito preparado para a derrota também. No entanto, quem ganhou mais do que o Brasil? Ninguém.
    De qualquer maneira, falo de um esporte. Se fôssemos capazes de prever todos os resultados, tudo perderia a graça e ficaria chato. O futebol é tão popular justamente porque tem capacidade única de gerar paixões, pondo a razão de lado. O bom mesmo é sentir o frio na barriga, a ansiedade antes do início do jogo e explodir num grito de gol, com bandeiras e camisas do Brasil. É se emocionar.
A zebra existe apenas em partidas isoladas, mas não tem influência sobre quem vai sair vencedor. Os melhores não ganham sempre, ganham, porém, mais vezes, como o Brasil a partir de 1958.

13 de junho de 2010

O Memorial dos 80 anos

Jornal o Estado do Maranhão



     Acabo de ler o Memorial dos 80 anos, editado pelo Instituto. Geia O livro é de autoria de Mílson Coutinho, presidente da Academia Maranhense de Letras, onde ocupa a Cadeira 15, patroneada por Odorico Mendes e fundada por Godofredo Viana, governador do Estado entre 1923 e 1926. Em verdade, fiz uma releitura de sua primeira parte, pois esta, revista e atualizada agora, compõe Sarney: apontamentos para a vida e obra do chefe liberal, publicado em 1986.
     O presidente da AML, ocupante de Cadeira criada por um político e escritor, escreve sobre outro político e escritor, José Sarney. Este, além de governador, como Godofredo, foi presidente da República e tantas coisas mais que relacioná-las tomaria todo o espaço de minha conversa quinzenal neste jornal. Recomendo aos interessados a leitura da bibliografia de Sarney entre as páginas 344 e 350. Desde já ela se torna a mais completa de quantas já foram elaboradas sobre a obra do decano da AML e da Academia Brasileira de Letras. A listagem tem 141 entradas e está organizada em grandes itens: Poesia, Conto, Romance, Ensaios, Crônicas, Política e Avulsos.
     Se a esse apanhado no campo literário, adicionarmos as posições políticas ocupadas por Sarney no período de mais de cinco décadas de vida pública no Maranhão e no Brasil, incluindo-se a de presidente da República, poderemos ter ideia da importância para os destinos da nação brasileira do mais importante político da história do Maranhão.
Milson Coutinho, com sua capacidade de extrair ordem do aparente caos de informações contidas nas fontes documentais com que é feita em grande parte a História e, ainda, historiador com uma produção certamente longa e importante, podendo ser considerado como um dos melhores historiadores de nosso Estado na atualidade, Mílson, eu dizia, vai passo a passo construindo a trajetória de seu biografado – é de uma história de vida de que o livro trata – de tal forma a mostrar como o político e o intelectual convivem sem conflitos instransponíveis. No fim, fica-se com a certeza de que um, o político, olha o outro, o escritor, com admiração e vice-versa, embora não permitam interferências mútuas, ou só o façam minimamente. De fato, nesse tempo todo de vida ativa nas letras e na política, José Sarney nunca permitiu a esta última interromper o exercício da outra. Essa constância é mais evidente agora, quando ele acaba de completar 80 anos de idade, sendo sinal de extraordinária disciplina intelectual bem como daquele suor cotidiano componente indispensável do trabalho das grandes figuras da literatura.
     O livro não deseja ser contra nem a favor do biografado, não quer atacá-lo nem defendê-lo. Apresenta fatos e circunstâncias, sem tomar partido, frustrando certo tipo de leitor sempre à espreita, nesse tipo de narrativa, da luta do bem contra o mal, ou da grande batalha dos maus contra os bons, visão sem guarida tanto na política quanto na literatura. Mílson pretende, em vez disso, levar o leitor a tirar suas próprias conclusões. Se a avaliação resultar positiva para Sarney, como tenho certeza de que resulta, isso irá apenas confirmar a avaliação feita anteriormente e por longo tempo pela grande maioria dos maranhenses.
Na segunda parte, o autor deixa falar as pessoas. São depoimentos de diversas personalidades brasileiras e estrangeiras. O conjunto nos dá a dimensão internacional da projeção de Sarney e da qualidade de seus admiradores de todas as orientações político-intelectuais, conquistados pelo mundo afora.
     Não é coincidência o lançamento neste mês. Sarney completa no dia 17 de junho, quinta-feira próxima, 58 anos de sua posse em 1952 na Academia Maranhense de Letras, na Cadeira 22, fundada por Ribamar Pinheiro que, como ele, foi presidente da Casa, e patroneada por Humberto de Campos, escritor que exerceu mandatos de deputado federal em duas legislaturas. No dia anterior, 16, a obra será lançada na Biblioteca do Senado com a presença do autor às 19 horas. No dia 18, o evento se repete aqui em São Luís na Fundação da Memória Republicana no mesmo horário.

30 de maio de 2010

Vida kafkiana

Jornal o Estado do Maranhão, 30/5/2010

A imprensa deu notícia há poucos dias de um caso terrível. Em Curitiba um homem ficou preso durante um ano e dois meses, mesmo depois de inocentado da acusação de assalto a uma residência. Os policiais suspeitaram dele apenas porque os verdadeiros assaltantes moravam no mesmo bairro do inocente. O pobre pizzaiolo afirmou que vai processar o governo do Paraná por sua prisão. A prevalecer essa ideia de moradores da vizinhança de bandidos também o serem necessariamente, teríamos de criar bairros exclusivos de marginais, a fim de evitar que as pessoas honestas fossem com eles confundidas.
Agora outro caso, mais terrível ainda. Na época do Estado Novo, em 1937, na cidade de Araguari, em Minas Gerais, um homem, Benedito Pereira Caetano, enganou seus dois sócios e primos e fugiu com toda a receita resultante da venda da safra de arroz pertencente aos três. Os enganados, os irmãos Joaquim e Sebastião Naves, denunciaram o ladrão à polícia e acabaram passando de acusadores a acusados. Torturados, confessaram um crime que não cometeram. A história serviu em 1967 de tema de um filme, “O Caso dos Irmãos Naves”, dirigido por Luís Sérgio Person, com Raul Cortez e Juca de Oliveira no papel dos irmãos e Anselmo Duarte no do tenente de polícia Francisco Vieira dos Santos, chefe das investigações e torturador dos presos e, até, de seus familiares.
Não quero me deter no mau funcionamento das instituições policias e judiciárias. Algo tão evidente e corriqueiro acaba passando como normal e adequado. É assunto para muitos livros. Prefiro olhar essas coisas como sintoma de algo bem maior: o tipo de sociedade que criamos, pelo menos no mundo ocidental, mas que não é exclusividade do capitalismo, como a esquerda infantil gosta de afirmar, sendo característica até mais evidente nas sociedades totalitárias, como se observa na Coreia do Norte e no Irã, países, como se sabe, adeptos da democracia vigorosa, mesmo na base da repressão e da tortura de quem discorda do governo. Se me permitem a expressão, tudo na base do cacete.
Penso na luta dos cidadãos ou, com mais abrangência, dos seres humanos, contra forças cruéis e injustas presentes no dia a dia de todos. A esse respeito, vejo Franz Kafka como o escritor com a percepção mais aguda no século XX. Seus romances e contos mostram isso. Todos conhecem a maneira quase fleumática, neutra, indiferente mesmo, do narrador das histórias de Kafka de apresentar fatos do mais completo absurdo, criando com isso um efeito impactante sobre o leitor. Gosto de citar o exemplo do início de O processo (tradução de Modesto Carone): “Alguém certamente havia caluniado Josef K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum. [...] Isso nunca tinha acontecido antes”. Ora, qual a diferença entre isso e os exemplos citados acima? O livro escrito entre 1914 e 1915, mas publicado somente em 1925, e traduzido em 1937 para o inglês, quando alcançou público numeroso, ressoa até agora como de extrema atualidade, assim como toda obra do escritor tcheco de língua alemã. Não nos é estranha, nos dias atuais, sua temática do homem impotente diante daquelas forças que o apequenam e massacram e contra as quais pouco ele pode fazer, criando a impressão, ou a percepção, de estarmos todos num beco sem saída, presos a uma armadilha de onde é impossível sair e cujo instrumento é a burocracia, estatal ou não, inclusive a judicial.
O processo nos alerta, penso eu, sobre como poderia ser a vida na hipótese de, num estado totalitário como um desses apoiados pelo governo brasileiro, Irã, Cuba e outros, (a Venezuela está a caminho bem como os regimes “bolivarianistas da América do Sul”), fôssemos enredados nos labirintos das polícias políticas ou serviços de inteligência: tribunais invisíveis, acusações secretas e sem provas, impossibilidade de defesa, ameaças à família dos acusados e todo o conjunto de arbitrariedades desses regimes adorados de longe, aqui do Brasil, por “esquerdistas” que não se dispõem a viver nessas sociedades e experimentar suas delícias.

16 de maio de 2010

Pantojão

Jornal O Estado do Maranhão, 16/5/2010

Quando morre um amigo de décadas – amigo de 43 anos no caso de Afonso Celso Santos Pantoja –, é inevitável lembrar-me daquelas palavras de Machado de Assis, ditas há 122 anos, por ocasião da morte de seu amigo maranhense Joaquim Serra: “Quando há dias fui enterrar o meu querido Serra, vi que naquele féretro ia também uma parte da minha juventude.”.
Envelhecer é em grande parte isso, ver que pouco a pouco parentes e amigos, gente que conosco conviveu por longo tempo, vão desparecendo, levando (para onde, afinal?) um pedaço do patrimônio em comum conosco, sua cota, por assim dizer, sem o ausente nomear um substituto, de um condomínio compartilhado de ideias, alegrias, tristezas, decepções, amores, ódios e todos os mais sentimentos que são parte da aventura de viver, e, ao mesmo tempo, e a despeito desse compartilhamento, formam experiência singular a cada ser humano, impossível de ser comunicada ao próximo em sua plenitude ou, ainda, de ser sentida como se fosse de outro. Todo homem é uma ilha em verdade.
Cada um dos amigos terá sua própria imagem de Pantoja. Eu gostava de chamá-lo de Pantojão, não somente por seu tamanho físico, mas por sua viva inteligência, raciocínio rápido, sensibilidade às coisas da cultura, capacidade executiva, visão aguçada dos problemas de nossa terra, conhecimento seguro da economia e da teoria econômica, crença no papel do estudo e do esforço pessoal como forças de libertação material e espiritual das pessoas.
Sua reverência aos amigos está bem demonstrada pelo nome dado por ele e Lúcia, sua esposa, a um dos filhos: José, em homenagem a Bandeira Tribuzi cujo nome completo era José Tribuzi Pinheiro Gomes; Manuel, em homenagem a Manuel de Jesus Pinheiro Dias, resultando em José Manuel, o querido Zeca de todos. Ambos os homenageados eram amigos muito próximos de Pantoja, sendo o Manuel mais velho, nosso colega, meu e do morto recente, na Faculdade Economia, turma de 1970 que este ano completa, portanto, 40 anos de formatura.
Com o fim de bem avaliar-se a sensibilidade de Pantoja aos assuntos culturais e educativos, cito três fatos, tendo eu participação em dois.
Um foi a edição de Arte do Maranhão – 1940-1990, livro patrocinado pelo extinto Banco do Estado do Maranhão – BEM, sendo ele seu presidente. Foi dele a iniciativa da edição, depois de ouvir sugestão de Jesus Santos, um dos grandes artistas plásticos do Maranhão, idealizador do projeto e responsável pelo texto de apresentação da obra cuja confecção Pantoja colocou sob a competente coordenação de Eliézer Moreira Filho. Trabalho único e de extraordinária importância para o estudo das artes plásticas do Maranhão, poderia ter ficado apenas no papel não fora a ação de Pantoja.
O segundo fato constituiu-se na compra pelo BEM da importante biblioteca do acadêmico Antônio de Oliveira e sua doação à Academia Maranhense de Letras. Eu então não era ainda membro da AML. Todavia, por causa de minha amizade com Pantoja, pude participar, com o então presidente da Academia, Jomar Moraes, de reunião com ele, quando solicitamos os recursos para a aquisição, prontamente concedidos. Ele ainda patrocinou o transporte dos livros do Rio de Janeiro até São Luís.
O terceiro foi este. Eu obtive os graus de mestrado e doutorado na Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, prestigiosa instituição classificada entre as 20 melhores universidades americanas, onde Pantoja havia feito pós-graduação em Economia. Eu me candidatei a uma vaga lá sob a sugestão e o incentivo dele que via minha ida àquele país como a continuação do processo, por ele iniciado com seus próprios estudos lá, de investimento altamente produtivo na boa formação dos economistas maranhenses.
Pantoja quis a cremação de seu corpo e o lançamento das cinzas nas águas que envolvem nossa ilha. Fez bem. As saudades eternas dos cemitérios não resistem à passagem das gerações, como é natural. Em comunhão com as águas de seu túmulo líquido, ele poderá em circundante abraço tocar a terra que lhe foi berço e cochichar-lhe palavras de amor.

12 de maio de 2010

A BOLA COMO METÁFORA

BLOG DE REINALDO AZEVEDO
quarta-feira, 12 de maio de 2010 | 4:51

Sentei aqui para falar da não convocação de Neymar e Ganso. Mas acho que há algo mais rondando aqui a minha cachola.

Na política, nas ciências, nas artes, no pensamento, a voz do povo não é a voz de Deus. Ao contrário até: o capeta costuma ser mais íntimo do alarido das ruas do que o Altíssimo. Os grandes horrores da história foram perpetrados quase sempre sob o calor enfurecido da turba ou sob seu silêncio frio e cúmplice. Se “o povo” fosse um ente, teria uma longa lista de crimes nas costas. Mas não é. A democracia representativa é uma grande invenção porque os lugares de mediação das demandas — o Legislativo, o Judiciário e o Executivo — geram eles próprios um novo saber, que é diferente do saber das ruas. Se as massas querem, para citar um exemplo, justiça imediata — de que o linchamento é expressão máxima —, o Poder instituído tem de dizer “não” porque esse imediatismo traz consigo o risco de degeneração do sistema e incentiva um voluntarismo que exclui o direito de defesa. E o direito de defesa, mais do que a punição imediata, resguarda a vontade coletiva; nesse caso, tirá-lo daquele que foi condenado sem processo corresponde a tirá-lo de todos os indivíduos desde que a maioria assim o decida.

Se é assim em tantos setores da vida, por que seria diferente com o futebol? Por que o técnico Dunga deveria dar ouvidos à voz rouca das ruas, que não conhece os mistérios táticos de um time com sete volantes (!), e convocar Neymar e Ganso? A exemplo do que o vulgo sabe sobre política, ciências, artes ou pensamento, pode ser que a voz rouca das ruas esteja entusiasmada com o erro, quando a razão estaria com a segura prudência de Dunga, que há tanto tempo vem testando a sua equipe. Nessa perspectiva, não convocar os meninos seria demonstração maior de coragem do que convocar. A esmagadora maioria dos brasileiros é composta de torcedores que se comportam como técnicos, mas o fato é que não são técnicos. Fiquem calmos aí que chego ao ponto — eu acho…

Tendo, por temperamento e por experiência, a ter mais simpatia, como diria Musil, pelas idéias “magras e severas” do que pela exuberância carnavalesca. O excesso de entusiasmo, o frenesi juvenil, o nervosismo encantado, tudo isso costuma ser um atalho muito eficiente para o desastre. Até na economia é assim, não é? Momentos de grande expansão e euforia quase sempre escondem uma bolha, que acaba estourando e fazendo um monte de vítimas. Já a severidade costuma ser previdente. Alguém me disse certa feita que eu estaria mais talhado para o protestantismo do que para o catolicismo. Entendo a razão da observação. Tenho um lado bem… calvinista! Na peça Júlio César, de Shakespeare, há uma passagem curiosa. Antes de seu trágico fim, César havia dito a Marco Antônio: “Quero homens gordos em torno de mim, homens de cara lustrosa e que durmam durante a noite. Ali está Cássio com o aspecto magro e esfaimado. Pensa demais. Tais homens são perigosos”. A magreza silenciosa, soturna e ensimesmada aparece associada à conspiração porque seria indicativa do pensamento.

Eu poderia avançar ainda um tanto. As idéias magras e severas compõem com mais propriedade a coreografia ascética do conservadorismo, enquanto variadas formas de populismo, mesmo o revolucionário, se ocupam da economia dos sentimentos; os fascismos são sempre muito “emocionados” — César, a propósito, era um populista. O nosso Lula, para ficar na prata da casa, trata com desdém os intelectuais, apesar do fascínio que ele desperta na categoria…

Tentei ontem, enquanto Dunga falava, encontrá-lo nessas minhas considerações sobre os erros do povo e as, vá lá, paixões um tanto calvinistas… Ocorre que, francamente, não entendi boa parte do que ele falou. Se tivesse se expressado em javanês, talvez tivesse sido mais claro. Desandou, num dado momento, a falar sobre as seleções da Polônia, da Ucrânia, placas de propaganda… Temi que estivesse entrando em surto. Parece que o sentido geral foi mais ou menos este: “Tenho razões para escolher esses jogadores e não chamar Neymar e Ganso, como vocês estão pedindo, porque este é o grupo que me obedece”. Então tá.

Não! Dunga não era o bom conservador que protegia as instituições das paixões irracionais, resguardando o valor da moderação. Ganso e Neymar não deveriam estar entre os convocados porque a voz do povo é a voz de Deus — não é — ou porque, afinal, “o futebol precisa de um pouco de alegria e graça”, como se lê, às vezes, aqui e ali. Deixem isso para os humoristas. Eu os queria lá não por causa de suas dancinhas, de sua irreverência, do seu suingue, do apelo à nossa supostamente natural manemolência. Eu quero que todos esses chavões da brasilidade se danem!

Paulo Henrique Ganso deveria estar na Seleção porque, no grupo de Dunga, ninguém entende de geometria mais do que ele, e há reiteradas demonstrações disso: um jogo, dois, três, quatro… dez. Se o técnico não tem o que fazer com isso, então Dunga é que teria de ser desconvocado. Na entrevista, ele parecia meio irritadinho, um tanto neurastênico. Eu não queria Neymar porque, às vezes, ele é um tanto malcriado, mas porque as idéias magras e severas se ocupam da eficiência — aquela que ele vem demonstrando de maneira inequívoca em campo. Não incluí-lo nem mesmo na lista dos sete não é manifestação de rigor e de apego a um esquema tático: é birra, é ressentimento, é burrice. É MEDO!!!

Pode-se perder uma Copa do Mundo com um time brilhante e um futebol de encher os olhos, como em 1982. Pode-se ganhar com um desempenho medíocre, como em 1994, no Tetra conquistado por Romário. E não há lógica que prove que o brilhantismo conduz à derrota, e a mediocridade, à vitória. O maior jogador de todos os tempos do futebol é o imponderável. No basquete e no vôlei, jogos de placares alargados, é muito difícil, quase impossível, o melhor perder. No futebol, é mais do que possível: é freqüente. Ter os melhores em campo ou o time mais bem-treinado não é garantia de nada. Sei lá se o Brasil perde ou ganha. Mas é certo que deveria perder ou ganhar com Neymar e, mais do que ele, Ganso.

Nesse jeito Dunga de ser, o excesso de talento parece se confundir com falta de humildade e companheirismo. Isso nada tem de prudente, severo ou conservador. É apenas burro, ranzinza e reacionário. Ganhe ou perca, perde-se sempre.

3 de maio de 2010

O CASO DOS BARCOS APREENDIDOS PELO IBAMA - O QUE FAZ, AFINAL, A SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE DE SÃO JOSÉ?



Barco colocado pelo Ibama sob a responsabilidade
da Secretaria de Meio Ambiente de São José
de Ribamar pelo Ibama e que foi danificado,
tendo inclusive sido afundado. Foto do último
dia 1 de maio


 Detalhe de dano causado ao barco. 

 Utilizadas sem cuidado pelos que foram indevidamente passear e
fazer comércio particular com o barco, com infração da lei,
as velas foram danificadas, com prejuízo para o proprietário.
Antes
estavam cuidadosamente acondicionadas no
interior da embarcação.


O dono do barco, seu Pipi, tenta diminuir os danos.

 
Outro detalhe das velas danificadas.


O Secretário de Meio Ambiente de São José de Ribamar, Isaac de Tal, telefonou para o fotógrafo Edgar Rocha e o ameaçou de denúncia à Polícia Federal, atitude típica de quem, vendo-se acossado pelos fatos, procura intimidar quem lhe exige o cumprimento da lei. Voltarei ao assunto no momento apropriado.
O Secretário, por sinal, tentou intimidar também a presidente do Conselho Regional de Economia ao final de encontro patrocinado pela própria Prefeitura de São José. Na qualidade de membro de Associação Comercial, ela aceitou convite do prefeito para a exposição de programas e projetos da Prefeitura. Sofreu um ataque verbal do Secretário quando já ia se retirando. O sujeito, mesmo na qualidade de inadimplente com o Conselho, não gostou de receber  anteriormente cobrança formal e resolveu agredir verbalmente naquela ocasião a presidente do órgão. Julgue o leitor por si mesmo de quem se trata.

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