Pacificação?

         
Jornal O Estado do Maranhão

          Pela obviedade de suas falhas, nunca me dei ao trabalho de comentar a política de segurança do Estado do Rio de Janeiro. Deveria ser evidente que, expulsa pelas UPPs – Unidade de Polícia Pacificadora das favelas onde se havia estabelecido e deitado raízes durante décadas, o narcotráfico iria procurar, o mais perto possível de sua base original de operações, local para continuar suas lucrativas atividades. Isso apenas se seus operadores não fossem presos. Não vi nos jornais informação sobre o número de encarcerados na “pacificação” e ninguém tem certeza sequer se tal objetivo estava nos planos das autoridades do Estado nem se elas pretendiam combater também as milícias.
Vamos pensar. Se os bandidos não foram parar atrás das grades, onde se meteram? Na Coreia do Norte não, pois lá seriam presos ao entrar naquele paraíso terrestre da classe trabalhadora. Aqui, livres, voltaram a barbarizar em favelas ou bairros sem “pacificação”, como sempre fizeram.
O resultado dessa estratégia do governo parece ter sido a simples divisão de áreas de influência entre as autoridades e os traficantes. Não digo que essa era a intenção inicial, mas, no momento, dá essa impressão. A pergunta certa é esta: O narcotráfico diminuiu nos territórios ocupados? Ninguém teve ainda a coragem de responder pela afirmativa. Levanto a hipótese de ter havido uma acomodação pela qual os chefões da bandidagem passaram a agir mais discretamente nos morros, dispensando mão de obra como olheiros, vigias, etc. Estes, desempregados, desceram até o asfalto.
Vamos, no entanto, fazer outra suposição, mais benevolente. Digamos que todas as favelas cariocas tenham sido “pacificadas”, seguindo o modelo atual, de não prender os facínoras, tão só expulsá-los. Onde eles se instalariam, na hipótese de que não o fazerem nos bairros ricos do Rio? Em São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais? Num lugar qualquer seria, sempre procurando preservar suas atividades, vamos dizer, de “economia informal”. Ou devemos supor que se converteriam em bons cidadãos e passariam respeitar as autoridades, temer a Deus e frequentar templos evangélicos onde seriam remunerados com moedas celestiais? Pelo amor de Deus!
Não estou dizendo que o trabalho de expulsão não deve ser feito. Deve, sim e já. Não pela metade, porém. Equipe-se a polícia, melhore-se seu treinamento, comprem-se equipamentos modernos, aumentem-se os salários da tropa, mas prenda-se esse pessoal e meta-se a turma toda na cadeia. A capacidade do sistema penitenciário é pequena e sua qualidade indescritivelmente ruim? Então o governo deve investir no seu melhoramento. Os bons cidadãos têm mais interesse na criação de bons presídios, indiscutivelmente úteis à segurança deles, do que os habitantes dos presídios. Recursos há quando se trata de projetos supérfluos. Não deveriam faltar quando se trata de algo tão importante para a sociedade. Do jeito que as coisas andam agora, não será um bom negócio, quando se pensa em boa imagem do país, fazermos a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Seremos vistos como o país da violência.
E não me venham com história da carochinha de as condições sociais serem as responsáveis pela violência porque isso é um insulto à pobreza. Uma percentagem mínima de quem tem baixa renda é delinquente. Afinal, onde fica a responsabilidade individual, a capacidade de escolher entre o bem e o mal? Há gente que escolhe a carreira de bandido, sem relação alguma com injustiça social ou com injustiça nenhuma.
A política de “pacificação” do Rio não equivale a colocar o lixo debaixo do tapete. Antes, a jogá-lo no quintal do vizinho. No entanto, registrem-se os primeiros sinais de reação possivelmente efetiva do poder público. O problema não tem solução fácil e deve ser enfrentado em dois níveis governamentais: o local e o nacional. Contudo, se nossas fronteiras continuarem a ser a peneira de hoje, por onde entram armas pesadas do crime e a droga de países vizinhos , e medidas de âmbito nacional não se tornarem eficazes, o esforço terá sido tão só mais uma frustação perigosa.

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