29 de abril de 2001

O jovem Roberto Carlos

Jornal O Estado do Maranhão
Roberto Carlos acaba de fazer 60 anos, comemorados discretamente como convém a um rei da juventude. Agora é um jovem sexagenário. Quando ele surgiu no começo dos anos 60, no programa Jovem Guarda, da TV Record, a vida era outra. Era outro o mundo e a visão que dele tínhamos. Achávamos que era possível e fácil mudá-lo para melhor rapidamente.
O Brasil vinha da presidência de Juscelino Kubitschek, com a construção de Brasília, a abertura da Belém-Brasília, a implantação das indústrias siderúrgica e automobilística, as vitórias nas Copas do Mundo de 1958 e 1962, a Bossa Nova, com sua garota de Ipanema. Éramos um povo otimista. Acreditávamos no destino de o Brasil vir a ser um grande país, uma potência entre as nações. Tínhamos orgulho de ser brasileiros. Até que começamos a perder nossas ilusões com a ditadura que se implantou no país a partir de 1964. Veio o tempo dos alamares de que nos fala Lucy Teixeira no seu excelente livro de contos No tempo dos alamares.
O país cresceu materialmente, mas levamos 20 anos para retornar à democracia. Uma geração inteira se perdeu, ou foi perdida, degradada. Jovens vidas foram despedaçadas. O argumento da força prevaleceu. O vácuo moral que surgiu vem sendo preenchido gradativamente, até hoje, com dificuldade, mas firmemente, por uma nova geração que não foi contaminada pela ditadura.
Mas o que eu quero lembrar é de outras coisas mais amenas daquela época. De quando, por exemplo, Roberto Carlos veio ao Maranhão, não me lembro se pela primeira vez. A fama não o havia, ainda, distanciado de nós. Ele era quase como a gente. Tanto que desfilou num automóvel conversível, com a capota arriada, pelas ruas de São Luís, conduzido por Mauro Henrique Correia Lima, filho do professor Olavo Correia Lima. Esclarecimento de meu consultor informal para assuntos de carros antigos, Fernando Silva, diz que aquele era um Chevrolet, ano 1934, popularmente chamado Pavão.
Ocorre que um dos sucessos de então de Roberto Carlos era a música Calhambeque. O carro de Mauro Henrique, embora mantido em bom estado de conservação pelas habilidades mecânicas do dono, já era suficientemente antigo para fazer as vezes de um calhambeque. Quando o ídolo passava, tão perto de nós, rapazes da província, tínhamos a impressão que ele ia descer e bater um papo com a gente. Dali seguiríamos para o barzinho mais próximo para tomar rum com coca-cola, fumar um cigarro Continental sem filtro, tocar violão e falar de música, namoradas e futebol. Outros tempos, quando a transgressão mais ousada era fumar escondido!
E o Jovem Guarda? Ele era mostrado aqui aos sábados à tarde, naturalmente em branco-e-preto, uma semana depois de apresentado no Sul do país. Era aí que se viam as novidades musicais, se aprendiam as novas gírias, se conheciam as modas jovens das botinhas de couro, das calças boca-de-sino e dos cabelos compridos. Os imitadores estavam em todos os bailes e em todos os lugares. Apresentavam-se no programa, além do rei, Erasmo Carlos, Wanderléa, Ronnie Von, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Sérgio Reis, Golden Boys, Renato e seus Blue Caps e muitos outros.
Roberto Carlos, com suas baladas românticas, de melodias agradáveis e letras que falam do eterno tema do amor, foi aprovado no mais consistente teste a que um artista pode submeter sua obra: o teste do tempo. Essa capacidade de falar às diversas gerações, que continuam admirando-o, vem de uma obra tão plástica que oferece sempre releituras inesperadas e originais de antigas canções. É isso que o faz permanente, uma referência na música popular brasileira.
A morte de sua mulher o faz mais humano a nossos olhos e o reaproxima de todos. Vemos que seu sofrimento é semelhante ao de pessoas comuns com quem convivemos diariamente. O que o diferencia, para nós, são os momentos alegres ou tristes que temos vivido ouvindo suas inesquecíveis canções, perenes companheiras do amor e da esperança. Com ele voltamos a ser otimistas.

22 de abril de 2001

Terra quente

Jornal O Estado do Maranhão
Voltam às manchetes as preocupações com os efeitos dos gases-estufa sobre o ambiente terrestre. Como já está bem estabelecido, em inúmeros estudos de renomadas instituições de pesquisa, o uso de combustíveis fósseis, especialmente de petróleo, como fonte de energia para as atividades produtivas, gera gases, como o gás carbônico (CO2), que retêm o calor do sol na atmosfera. Resulta daí que ela passa a funcionar como uma estufa em relação à Terra. Como a utilização desses combustíveis vem aumentando persistentemente, nosso planeta experimenta uma elevação gradual e constante de temperatura. Os especialistas prevêem um aumento médio, mantidas as atuais tendências, de 5,8 graus Celsius, até o ano 2100.
A quem achar que isso é pouco, recomendo que imagine os efeitos, sobre as cidades costeiras, da subida de somente um metro no nível dos oceanos, como decorrência do derretimento das calotas polares. A salinização dos lençóis de águas subterrâneas que, em nossa cidade, já mostram sinais de comprometimento, seria apenas o efeito mais próximo de nós. As conseqüências, em todo o mundo, incluiriam o agravamento dos problemas de abastecimento de água para consumo humano, animal e agrícola, com repercussões negativas na economia, inclusive na produção de alimentos.
Como assinalei em artigo publicado em dezembro passado, a Sexta Conferência das Partes da Convenção do Clima reuniu-se em novembro de 2000, em Haia, na Holanda, para ratificar o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997. Este previa a redução, pelos países industrializados, de 5%, até 2012, da emissão de gases-estufa, tendo com referência os níveis de 1990. O fracasso foi completo. Não houve a esperada ratificação.
Agora, as coisas pioraram O novo presidente americano, George W. Bush, eleito com o forte apoio financeiro da indústria de petróleo, declarou que não ratificará o Protocolo. A Austrália já deixou claro que acompanhará a posição americana. O mesmo deverá dar-se com o Canadá e o Japão.
No entanto, os números são muito claros quanto à contribuição e a conseqüente responsabilidade de cada país para o aquecimento global. Desde 1950, os Estados Unidos emitiram 186,1 bilhões de toneladas de CO2, a União Européia 127,8 bilhões, a Rússia 68,4 bilhões, a China 57,6 bilhões, o Japão 31,2 bilhões e o Canadá 14,9 bilhões. O Brasil contribuiu com 6,6 bilhões de toneladas. Se olharmos os números em uma base per capita, veremos que os Estados Unidos lançaram na atmosfera 18 vezes mais CO2 do que o Brasil.
Um acordo internacional para a resolução de problemas desse tipo é muito difícil de obter. Os países envolvidos têm um incentivo para poluir a atmosfera, uma vez que, individualmente, nenhum é obrigado a pagar por todas as conseqüências das emissões que faz. O fato é que cada um espera que os outros paguem para mantê-las em um nível aceitável. É fácil ver que, se os custos associado ao CO2 emitido pelos Estados Unidos, por exemplo, fosse pago apenas por aquele país, sua atitude seria diferente da de hoje.  Ele teria, nesse caso, um incentivo para diminuir, não para aumentar, suas emissões.
Esse é o princípio do poluidor-pagador. Por ele, os responsáveis pela poluição devem pagar por ela o que os obriga a ter em conta os custos correspondentes na sua própria produção de bens e serviços. O desafio da comunidade internacional é o de fazer com que ele prevaleça. Sua adoção efetiva levaria ao uso mais eficiente dos recursos naturais pelas empresas.
Não é uma tarefa fácil chegar a um acordo sobre o aquecimento global. Os maiores emissores de gases são os que mais sabotam qualquer tentativa de entendimento. Em cada país, a existência de um comando político unificado, permite que o princípio do poluidor-pagador seja introduzido na própria legislação, como já ocorre no Brasil. Nas relações internacionais, isso terá de ser obtido por meio de negociações que serão difíceis, demoradas e, algumas vezes, frustrantes, mas, seja como for, inadiáveis.

17 de abril de 2001

Pinto na sudam é gavião

Jornal O Estado do Maranhão
A imprensa brasileira tem, insistentemente, nos últimos meses, feito denúncias bem fundamentadas de roubalheiras em alguns órgãos públicos federais. A Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – Sudam posicionou-se, com agilidade, em primeiro lugar nesse campeonato da corrupção. Os golpes contra os contribuintes indefesos somam, até agora, R$ 2 bilhões. Diante dessa quantia, o assalto da quadrilha do ex-juiz Nicolau Lalau e do ex-senador Luís Estêvão, durante a construção do edifício do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, é pinto.
Pinto, por sinal, é o nome do chefe operacional do bando da Sudam, se forem corretas as informações da revista Veja, com base em escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal com autorização da Justiça. Os próprios fiscais do órgão, encarregados da investigação inicial, são acusados de receber propinas para ocultar irregularidades.
Para fazer uma avaliação sobre o tipo de gente com quem estamos tratando, basta ver que o sujeito desmente o próprio nome, pois como pinto não se comporta. Está mais para gavião, que pertence à mesma classe dos pintos, a das aves, mas é de outra ordem, a dos falconiformes ou aves de rapina.
Estas têm o corpo robusto, boa capacidade de vôo, bico muito forte, adunco, com bordas cortantes, três dedos dianteiros e um traseiro. Apresentam garras curvas e pontiagudas, nas espécies que capturam presas capazes de reagir o que não é o caso da Sudam. Com tais armas, não surpreende que o gavião pudesse capturar uma presa tão fácil, decadente e corrompida há muito tempo. Pintos não poderiam fazê-lo, por não terem os mesmos recursos nem o apetite voraz dos gaviões.
Mas, em que pese a voracidade, algumas dessas aves têm nomes curiosos. Um é gavião-pega-pinto, que vive solitário ou aos pares e sobrevoa as cidades em vôos circulares. É considerado o mais comum no Brasil. Ora, se o chefe da máfia da Sudam é gavião em pele, ou pena, de pinto, não seria ele o próprio gavião-pega-pinto? Ou será que ele não é, simplesmente, um gavião-pega-verba que, terminada a captura do dinheiro, se disfarça de pinto, sem dar um pio, para não chamar a atenção?
A ousadia do gavião foi tanta que ele resolveu debochar de todos nós. Colocou entre as empresas criadas com a finalidade exclusiva de arrancar dinheiro da Sudam, uma chamada Frango Modelo. Quase com certeza, ele queria deixar a mensagem de que, em futuro próximo, seria um modelo de honestidade, em forma de frango, ou melhor, de falso frango E o que dizer de outra empresa, a Amazonas Ecopeixe? Além de querer dar a impressão de honestidade, o cara tentava parecer ecologicamente correto.
Por coincidência, me deparo com outra notícia, no jornal O Globo, que fala de um gavião, com cerca de 70 centímetros, que, assustado, entrou em um caixa eletrônico, no Rio de Janeiro, tirando proveito da saída de um cliente. Bombeiros o resgataram de imediato.
Vejam como são as coisas. O pobre e apavorado animal, mal entrou no caixa, foi tirado e mandado de volta ao ninho, embora não tenha ameaçado o dinheiro de ninguém. O outro, o ladrão, entrou no caixa da Sudam e tirou o que pôde. Não foi incomodado.
Provavelmente, agora que tem meios bastantes para contratar bons advogados, não deixará cair do bico, por muito tempo, nosso dinheiro. A não ser que o sistema brasileiro de administração de justiça melhore muito. Deixe de ser, como hoje, injusto, dis­cri­mi­na­tório, lento, ine­ficiente e caro. A justiça não pode ser boa apenas na medida do dinheiro que alguém tiver para comprá-la, por meio de advogados famosos e bem pagos. Tem de funcionar para todos, ricos e pobres, poderosos ou não.
Vamos aguardar para ver se as prisões do ex-juiz e do ex-senador não foram, tão-somente, uma forma de acalmar a opinião pública, já tão cansada de ver o crime compensar. Já chega da retórica do “rigoroso inquérito”. Devemos colocar o gavião da Sudam e seus comparsas na gaiola também, sem medo de violar a legislação ambiental.

8 de abril de 2001

Maria Celeste

Jornal O Estado do Maranhão
 O ano de 1954 foi de grande agitação política no Brasil do que resultou o suicídio, em agosto, do presidente e ex-ditador Getúlio Vargas. A tragédia de Getúlio foi precedida, em São Luís, por uma de outro tipo que mobilizou a cidade intensamente. Ela se tornou inesquecível para o garoto de seis anos de idade que eu era. Foi o incêndio e naufrágio do navio Maria Celeste, a pouca distância do cais da Sagração, no porto de São Luís.
Em verdade, não cheguei a ver o incêndio. Não me lembro mesmo se cheguei a pedir para ir vê-lo. Sei que não fui. O que vi, sim, lá do Monte Castelo, olhando na direção do centro da cidade, foi a fumaça preta subindo espessa durante três dias. A agitação, as conversas dos adultos, as notícias das rádios (não havia televisão) e o que eu já podia captar dos textos e fotos dos jornais, tudo me fazia intuir que aquele era um acontecimento extraordinário.
As lendas que iam aparecendo rapidamente, as quais eu guardo até hoje, falavam de homens que voavam em tonéis de gasolina que explodiam a toda hora. De marinheiros e estivadores que saltavam do navio, fugindo do fogo, somente para se achar em meio às chamas que incendiavam o mar. De salvamentos heróicos, de valentia, de solidariedade. De enterros, em pequenas caixas de papelão, dos corpos encolhidos pelo fogo. De tristeza, de desespero, de drama, de morte, de tudo.
Agora, chega-me às mãos uma versão condensada do inquérito feito pela Marinha. Esse resumo foi-me dado pelo mergulhador William Thomas, em atendimento a pedido que eu lhe havia feito. É que em conversa anterior que tive com o contista Lucas Baldez Filho ele me havia falado sobre as pesquisas que estava fazendo para um romance ambientado na São Luís de então. Eu tentei ajudá-lo.
Faço um resumo do resumo. O Maria Celeste era um cargueiro a vapor de 632 toneladas e havia sido usado como torpedeiro durante a Segunda Guerra Mundial pela marinha americana. Seu comandante era o capitão Ornilo da Costa Monteiro que fez escala em Recife, vindo de Santos. Estava carregado com três mil tambores de gasolina de aviação, com mil de querosene, com pneus e doces em conserva.
Às nove e meia da manhã de 16 de março uma faísca atingiu, no convés, um local com gasolina derramada, provocando o incêndio que rapidamente se espalhou. Dos 38 estivadores a bordo morreram 5 e dos 18 tripulantes, 11, num total de 16 mortos, havendo mais 14 feridos, entre eles o comandante. Os enterros foram feitos no dia 17.
Quando o fogo atingiu o tanque de combustível do navio, no dia 18, ocorreu uma explosão que foi ouvida em quase toda a cidade. O navio afundou a seguir. Cumpriu seu destino de escapar da guerra para encontrar o desastre em São Luís. Durante mais de trinta anos, seu mastro principal era visto, acima da linha da água, no canal do antigo porto próximo à Beiramar. Fez parte da paisagem da cidade, até que foi retirado de lá nos anos oitenta.
Do que eu ouvia em 1954 e do que leio agora, fica-me a sensação de que, das duas versões — a lendária e a que chamamos histórica —, a melhor é a lendária. A outra transforma a tragédia numa coisa banal, comum, igual a muitas outras que se repetiram muitas vezes, antes e depois. Sua pretensa exatidão apaga a nobreza da luta contra a morte em momentos extremos como aqueles. Mas não a lenda. Esta universaliza, afirma a ausência de limites para o homem, descobre o épico, humaniza a dor, mostra que o aniquilamento físico é uma derrota apenas aparente, em face do espírito de luta que permanece como exemplo, como permaneceu na minha memória.
Mas, pode ser que a separação que fazemos entre história e lenda seja ilusória. É possível que história seja a mesma coisa que lenda: uma narrativa de ficção verossímil, idealizada, mas não exata, realista. O que a colocaria mais próxima da arte do que da ciência. A história equivocada seria, então, a que pretende uma fidelidade impossível aos fatos. Como nos inquéritos.

1 de abril de 2001

Homens e dinossauros

Jornal O Estado do Maranhão
Acaba de ser anunciada a descoberta, no Quênia, de um crânio fossilizado de um hominídeo de 3,5 milhões de anos. Ele seria de um gênero desconhecido e mais antigo, mesmo, do que o Australopithecus, nosso ancestral de 3,2 milhões de anos que era considerado o mais remoto. Os dois gêneros teriam convivido durante alguns milhares ou milhões de anos, levantando dúvidas sobre qual deveria ser considerado o verdadeiro pai, ou avô, da espécie humana.
Não querem os cientistas, naturalmente, contestar a hipótese criacionista do surgimento da vida na Terra, em sete dias, por meio de um sopro divino, como diz a tradição. Essa é matéria das religiões, não da ciência. Questão de fé que, ao remover montanhas, pretende afastar, junto com elas, as dúvidas, insinuadas pela ação sorrateira da serpente do Paraíso, quanto à forma como os seres humanos e os outros apareceram neste planeta perdido no meio de milhões de outros.
O certo é que a descoberta recente gerou uma grande polêmica, com dois grupos tentando, cada um, desqualificar as descobertas do outro. São brigas que, periodicamente, explodem no mundo da ciência. Não exatamente por motivos científicos, mas por disputas pela primazia nas descobertas, avaliadas pelos pesquisadores como indispensáveis para a imortalização do nome deles. A comunidade dos cientistas não está imune a essas paixões. Elas são alimentadas pelo auto interesse, vaidade e jogo de poder que pode ser tão feroz como em qualquer outro lugar menos “nobre”.
Há dois meses, aproximadamente, houve aqui no Maranhão, pela imprensa, uma polêmica desse tipo. O objeto da disputa, porém, não eram fósseis humanos, mas de dinossauros que são muito mais antigos, de milhões de anos, do que o homem, com o qual nunca conviveram.
Estavam envolvidas na luta a Universidade Federal do Rio de Janeiro, através do Museu Nacional, vinculado a ela, a Universidade Federal do Maranhão – Ufma, através do seu Laboratório de Paleontologia, e uma ONG local, ambientalista e, também, paleontologista, chamada Amavida. O campo de batalha foi a ilha do Cajual, no litoral norte do Estado, no afloramento de fósseis conhecido como laje do Coringa.
Como afirma o jornalista Cláudio Ângelo, da Folha de S. Paulo, em reportagem sobre a briga, a paleontologia brasileira é considerada “uma área em que alguns pesquisadores competem com a voracidade de tiranossauros”. Foi o que se viu. Notas, esclarecimentos que pouco esclareciam, réplicas, tréplicas, com tal intensidade, que fiquei a me perguntar sobre as motivações mais profundas para tal ardor combativo. Seriam de natureza científica, algo como uma luta pelo avanço do conhecimento?
As acusações iam de pilhagem e fraude a falta de ética científica e profissional, passando por deselegância, descortesia e créditos não reconhecidos por trabalhos de campo. Não foi um passeio pelo Parque dos Dinossauros. Foi crua guerra. Ficou a impressão de que os dinossauros verdadeiros eram os litigantes, tão deslocados pareciam no ambiente e tão guerreiros no comportamento. Era como se um dos fósseis tivesse, por uma milagrosa técnica de manipulação de DNA, voltado à vida e, portanto, à luta pela sobrevivência. Mas, passados esses anos todos, não sabia mais como se comportar.
A Amavida talvez tenha perdido a oportunidade de fazer uma proposta condizente com seu nome. O clima era de ódio. Quem sabe os contendores teriam aceitado uma trégua proposta pela ONG, em consideração a seu nome, que, com insinuações poéticas, acho, fala de amor e de vida, embora a batalha fosse pela posse de mortos.
Não digo uma paz definitiva, eterna, como as juras de amor. Ou longa, como os muitos milhões de anos dos dinossauros. Digo apenas breve, mas que pudesse nos dar o consolo de pensar que todos estavam trabalhando para o bem da ciência e da nossa terra a qual poderia tirar avantajado proveito dos estudos e pesquisas, por deles estar muito precisada.

Machado de Assis no Amazon