O jovem Roberto Carlos

Jornal O Estado do Maranhão
Roberto Carlos acaba de fazer 60 anos, comemorados discretamente como convém a um rei da juventude. Agora é um jovem sexagenário. Quando ele surgiu no começo dos anos 60, no programa Jovem Guarda, da TV Record, a vida era outra. Era outro o mundo e a visão que dele tínhamos. Achávamos que era possível e fácil mudá-lo para melhor rapidamente.
O Brasil vinha da presidência de Juscelino Kubitschek, com a construção de Brasília, a abertura da Belém-Brasília, a implantação das indústrias siderúrgica e automobilística, as vitórias nas Copas do Mundo de 1958 e 1962, a Bossa Nova, com sua garota de Ipanema. Éramos um povo otimista. Acreditávamos no destino de o Brasil vir a ser um grande país, uma potência entre as nações. Tínhamos orgulho de ser brasileiros. Até que começamos a perder nossas ilusões com a ditadura que se implantou no país a partir de 1964. Veio o tempo dos alamares de que nos fala Lucy Teixeira no seu excelente livro de contos No tempo dos alamares.
O país cresceu materialmente, mas levamos 20 anos para retornar à democracia. Uma geração inteira se perdeu, ou foi perdida, degradada. Jovens vidas foram despedaçadas. O argumento da força prevaleceu. O vácuo moral que surgiu vem sendo preenchido gradativamente, até hoje, com dificuldade, mas firmemente, por uma nova geração que não foi contaminada pela ditadura.
Mas o que eu quero lembrar é de outras coisas mais amenas daquela época. De quando, por exemplo, Roberto Carlos veio ao Maranhão, não me lembro se pela primeira vez. A fama não o havia, ainda, distanciado de nós. Ele era quase como a gente. Tanto que desfilou num automóvel conversível, com a capota arriada, pelas ruas de São Luís, conduzido por Mauro Henrique Correia Lima, filho do professor Olavo Correia Lima. Esclarecimento de meu consultor informal para assuntos de carros antigos, Fernando Silva, diz que aquele era um Chevrolet, ano 1934, popularmente chamado Pavão.
Ocorre que um dos sucessos de então de Roberto Carlos era a música Calhambeque. O carro de Mauro Henrique, embora mantido em bom estado de conservação pelas habilidades mecânicas do dono, já era suficientemente antigo para fazer as vezes de um calhambeque. Quando o ídolo passava, tão perto de nós, rapazes da província, tínhamos a impressão que ele ia descer e bater um papo com a gente. Dali seguiríamos para o barzinho mais próximo para tomar rum com coca-cola, fumar um cigarro Continental sem filtro, tocar violão e falar de música, namoradas e futebol. Outros tempos, quando a transgressão mais ousada era fumar escondido!
E o Jovem Guarda? Ele era mostrado aqui aos sábados à tarde, naturalmente em branco-e-preto, uma semana depois de apresentado no Sul do país. Era aí que se viam as novidades musicais, se aprendiam as novas gírias, se conheciam as modas jovens das botinhas de couro, das calças boca-de-sino e dos cabelos compridos. Os imitadores estavam em todos os bailes e em todos os lugares. Apresentavam-se no programa, além do rei, Erasmo Carlos, Wanderléa, Ronnie Von, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Sérgio Reis, Golden Boys, Renato e seus Blue Caps e muitos outros.
Roberto Carlos, com suas baladas românticas, de melodias agradáveis e letras que falam do eterno tema do amor, foi aprovado no mais consistente teste a que um artista pode submeter sua obra: o teste do tempo. Essa capacidade de falar às diversas gerações, que continuam admirando-o, vem de uma obra tão plástica que oferece sempre releituras inesperadas e originais de antigas canções. É isso que o faz permanente, uma referência na música popular brasileira.
A morte de sua mulher o faz mais humano a nossos olhos e o reaproxima de todos. Vemos que seu sofrimento é semelhante ao de pessoas comuns com quem convivemos diariamente. O que o diferencia, para nós, são os momentos alegres ou tristes que temos vivido ouvindo suas inesquecíveis canções, perenes companheiras do amor e da esperança. Com ele voltamos a ser otimistas.

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