7 de janeiro de 2001

Copa ou cova João Havelange?

Jornal O Estado do Maranhão
O futebol brasileiro está sob ameaça e bem poderia dizer, como na canção de Roberto Carlos: “Querem acabar comigo”. O perigo está nos dirigentes, do lado de fora dos campos. Não, certamente, nos jogadores.
O esporte não pode ficar nas mãos de pessoas despreparadas que têm, repetidamente, dado a impressão de defender apenas interesses pessoais e estranhos ao futebol, com tal descontrole emocional que não há quem não duvide de suas intenções.
Não se pode permitir que o país quatro vezes campeão do mundo, duas vice-campeão, duas terceiro colocado, uma vez quarto, que há seis anos é o primeiro do ranking da Fifa, que teve Leônidas da Silva como o artilheiro da Copa do Mundo de 1938 e Ademir Menezes da Copa de 1950, que produziu gênios como esses dois e mais Pelé, Garrincha, Romário e centenas de outros — não se pode permitir mais que esse país seja submetido à vergonha que foi o jogo final da Copa João Havelange, entre o Vasco da Gama e o São Caetano, no sábado da semana passada. Prevaleceu, na programação do jogo, a visão da vitória a qualquer preço, por meios lícitos ou ilícitos, procedimento, aliás, em desacordo com a história do Vasco.
O resultado da irresponsabilidade é de todos conhecido: tensão, tumulto, ferimentos em vários torcedores e insultos ao governador do Rio de Janeiro que mandou, acertadamente, a polícia impedir a continuação do jogo. No exterior, a repercussão foi muito ruim. O jornal espanhol El Pais afirmou: “Esse foi o retrato mais obscuro da absoluta desorganização em que vive – e morre – o futebol brasileiro”. Um campeonato que começou mal, com viradas de mesa, brigas, liminares, calendário mal feito e sem rebaixamento nem ascensão dos times, não poderia mesmo terminar bem.
Todos os povos têm os seus mitos. Nós temos os nossos. O futebol brasileiro, mais do que a política e as artes, tem sido capaz de criá-los constantemente. Vejam Pelé. O mito é tão grande que o próprio Edson Arantes do Nascimento ao se referir a Pelé o faz como se estivesse falando de outra pessoa. É essa mitologia que ajuda a consolidar a nacionalidade e dá orgulho aos brasileiros. Com ela, acreditamos em nós mesmos. Pois é essa instituição que se encontra ameaçada.
Não existe uma causa que possa, sozinha, explicar por que chegamos a essa situação. Acho que uma é a falta de fiscalização dos negócios dos clubes. Sem nenhum controle, impossível ser feito pelos torcedores, os maiores interessados no sucesso do seu time, os dirigentes tendem a cometer todo tipo de abusos.
Outra causa é esse estranho relacionamento com a Fifa que impõe a proibição de recursos aos tribunais da justiça comum brasileira, no caso de disputas entre clubes e federações, sob pena de exclusão do país das competições patrocinadas pela entidade. Mais uma vez, os dirigentes, que controlam as cortes esportivas, sentem-se livres para cometer mil desatinos, julgam-se acima da lei.
Temos que dar razão a Pelé que diz não termos condições de sediar uma Copa do Mundo nem os Jogos Olímpicos. Pelo andar da carruagem...
Do vexame alguma coisa boa poderá, talvez, surgir. Há duas CPIs no Congresso Nacional. Uma, na Câmara dos Deputados, investiga a CBF. Outra, no Senado Federal, o futebol brasileiro todo. Na primeira não podemos ter esperanças, pois o presidente do Vasco é um dos seus membros. É macaco tomando conta de bananal, os irmãos Metralha do cofre do tio Patinhas. Quem sabe, a segunda redobre, agora, seu empenho de apuração do que de errado há no futebol brasileiro e adote medidas que impeçam a copa de ser a cova do nosso futebol.

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