11 de junho de 2006

Palpites quadrados

Em época de Copa do Mundo, eles estão em todos os lugares, ou em todas as mesas-redondas sobre futebol e não se cansam de oferecer opiniões quadradas. São peritos em farejar crises virtuais na Seleção Brasileira e fazer previsões erradas sobre o vencedor da competição, talvez inspirados em Pelé, gênio do jogo e perna-de-pau do palpite, que vive fazendo prognósticos sem pé nem cabeça. Ele, calado, é um gênio incomparável.

Um jogador usa um pouco mais de força num treino e, pronto, o ambiente entre os “membros do grupo” (time virou grupo já faz algum tempo, assim como vitória nunca é vitória, é “resultado positivo”) está ruim, fulano não fala com sicrano. Se, ao contrário, o craque pega leve então ele está gordo, fora de forma ou simplesmente se poupando a fim de não se machucar e perder alguns milhões de dólares de patrocínio. Se o técnico faz substituições no time titular durante uma simples prática, é um deus-nos-acuda. Ele vai mudar a tática, desmanchar essa ou aquela formação, por medo dos adversários, sempre perigosos, não importa que seja o Togo. Ante a evidência da excelência dos atacantes brasileiros, descobrem defeitos nos defensores. Neste ano, o ambiente na Seleção anda tão bom que o grande assunto deles são as bolhas e a febre de Ronaldo.

São os famosos especialistas de mesa-redonda, que são os piores cegos, pois vêem só a bola em uma partida, como dizia Nélson Rodrigues. (Estou sempre citando Nélson porque ele soube captar a poesia do futebol). Tornaram-se os melhores na Copa do Mundo do Pessimismo e, portanto, estarão certos na maioria das vezes, sempre que apostarem na derrota brasileira, por simples questão de estatística. De 17 Copas do Mundo, a Seleção ganhou cinco, “apenas” 30% das disputas. Não ganhou 70%. Mas, quem foi mais vencedor do que o Brasil ou sequer chega perto em títulos? Assim, a probabilidade de o pessimista estar certo é grande. Na maioria das vezes, poderá dizer satisfeito: “Eu não disse?”

Na Copa de 2002, a rede Globo colocou no meio desse pessoal um corpo estranho, a apresentadora de telejornais Fátima Bernardes. Como a maioria das mulheres, ela não é do ramo e mal distingue impedimento de lateral, meia lua da grande área, da grande área da Lua cheia. Contudo, tem de sobra algo ausente nos especialistas: bom senso e uma lógica impiedosa.

Lembro bem de uma dessas mesas-redondas. No meio de toda aquela douta discussão dos entendidos, naquele tom professoral tão característico, repleta das explicações imaginosas e supostamente lógicas sobre o fracasso e sucesso de algumas equipes, já nas quartas-de-final, dando a entender, porém sem afirmar com clareza, que haviam previsto as trajetórias de todas as seleções no torneio, ela perguntou, com aparente ingenuidade, mas em verdade com sutil malícia, por que a Argentina e a França, Portugal e outras seleções apontadas como favoritas por eles, que disso pareciam ter esquecido, haviam sido eliminadas logo na primeira fase.

O silêncio durou embaraçosos 10 segundos. Se houvesse uma escassa borboleta em suave passeio por ali, todos ouviriam seu bater de asas. Parecia nunca ter ocorrido a nenhum deles, tão envolvidos estavam numa lógica típica do raciocínio profissional, com freqüência insensível ao bom senso mais corriqueiro, às coisas mais óbvias, que alguém sem prática no raciocínio e no jargão do meio futebolístico, pudesse fazer uma pergunta simples como aquela, que eles não sabiam como responder. Por insondáveis razões, só explicadas por Freud, haviam “esquecido” de suas próprias previsões.

Agora Fátima está de volta à Copa. É a esperança de que aqueles senhores não estarão livres na tentativa de enrolar os torcedores, com aquela pose de quem é doutor em futebol, com seus palpites quadrados.

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