30 de maio de 2017

Um substituto para Temer


Por Luiz Alfredo Raposo
Economista
Publicado no Jornal do Commercio, Recife, em 30/5/2017

Dobrado o cabo dos 70, adeus tempo do acanhamentoDe calar ou medir as palavrasante um perigo grave e claríssimoDaí o mandamento deste bilhete. Contra a corrente, sim. Embebido, porém, de algo que Unamunoformulou como ninguémviviré esperándoteEsperanza!
Vejamos: o quadro fiscal é grave. O déficit primário federal de 2017 deve ir a R$ 200 bi(lhões)Com os juros, de uns R$ 300 bi, eleva-se a dívida pública federal (R$3,2 tri) em 15%! Alucinante e insustentável. Nesse ritmo, emquatro anos, o Tesouro estará com água pelo nariz. E o Banco Central, é a cara feia da necessidade, passará à função (inconstitucional) de financiador do Tesouro.Recebidos os títulos, os pagará e reterá ou revenderá com deságios (prejuízos) cada vez maiores. É o cataclismo da moeda falsa, da quebradeira do Estado, da  hiperinflação. 
Ora, apenas para não brigar com os fatoso governo tem combatido bem. Equipe econômica de primeira, com a agenda certa. Estatais críticas em mãos de executivos tarimbadosTime de craques no jogo político (no Palácio, Padilha, Moreira Franco, Imbassahy; no Congresso, Jucá, André Moura, Aguinaldo Ribeiro e outros). Liderados por um “treinador” que conhecem e admiram há décadas, eles têm entregue sua alma política: sangue frio, suor e lábia. Resultado: a economia melhora. E nos matchscongressuais, mesmo os mais exigentes, o governo saiu vitorioso. Prorrogação e aumento da DRU, lei de repatriação de recursos, PEC do Teto, lei de liberalização da exploração do pré-sal, lei de reforma curricular do ensino médio, liberação do FGTS inativo etc.
Agora, são as reformas trabalhista e previdenciária que, decisivas para deter o desastre, navegam CONTRAinteresses enormes, nunca dantes afetados. E é numa hora assim que vem essa tormenta FABRICADASim, por tudo o que sei, o que houve foi uma dupla de meliantes que tentou flagrar Temer nu, pelo buraco da fechadura. E gravou uma conversa como tantas outras, duas ou três palavrinhas que, vai-se ver, nada dizem. Mas na mídia,aquele auêE um criminoso: a vítima!
Temer sente, claudica, se abate, e vem logo a procura deuma “solução”, um substituto. União nacional?Impossível! Como  negociar com quem recusreformas que, só elas, tirarão o país do atoleiro? Nem interlocutor haveria, inconcebível o diálogo com um capo di mafia réu em meia dúzia de ações criminais e, talvez, em breve condenado. E o grupo no poder? O PMDB não tem candidato, mas aceita um do PSDB? E ninguém de fora da classe política será escolhido, é minha aposta. Nem freira, nem beletrista... Quem entrar topará com o PT de sempre. E, entre os seus, avulso e sem divisas, gozará damesma ascendência e viverá (ou morrerá) dos mesmossustos que um tratador novato num zoo. Que esperar daí?A conclusão é que, antes coxo que tonto, o melhor substituto para Temer é Temer.

28 de maio de 2017

A favor da lei

Jornal O Estado do Maranhão

          Quando a confusão destes dias era menos frenética, em 17/5/2017, às 5:30 h, eu falava, em post no Facebook, da falta de base legal da decisão judicial de primeira instância, de interdição do Instituto Lula: “Era como interditar o prédio de um Ministério porque o ministro trambiqueiro fez reuniões suspeitas em seu gabinete, localizado no edifício”. Bem antes, reclamei da ilegalidade cometida pelo juiz Moro, ao fazer pública uma gravação de Dilma com Lula. Ela dizia ao ex-presidente que acabara de enviar, por “Bessias”, decreto de sua nomeação para cargo no Palácio do Planalto. Havia a presidente da República no áudio, embora ela não fosse o objeto da escuta. Só o STF poderia dar autorização. O ministro Teori deu um pito em Moro e proibiu a divulgação.
          Critiquei, ainda, por ditatoriais, algumas das chamadas 10 medidas de combate à corrupção, como a da aceitação em juízo de prova obtida ilegalmente e publiquei crônica, aqui no jornal, com o título “Medidas e medidas”, em 5/3/2017, falando disso. Disse em diversas ocasiões que nem para prender Lula, a quem considero chefe do Mensalão e do Petrolão, eu admitiria passar por cima da lei. Meu perfil no Facebook, os arquivos deste jornal e meu blog estão aí. Quem desejar, poderá conferir.
          Critico agora, pelo mesmo motivo, qual seja a preservação da legalidade, sem a qual não há democracia, a armadilha do flagrante, de fato uma pegadinha, preparada pelo chefe do Ministério Público para incriminar Temer. Como o Estadão afirmou em recente editorial, “há mais que indícios de que o sr. Janot já não sabe onde se situa o norte firme da lei e da Constituição”.
          Não sabe, sim, uma vez considerado outro episódio de sua atuação heterodoxa, aquele de outra divulgação, desta vez da conversa do jornalista Reinaldo Azevedo com Andreia Neves, irmã de Aécio Neves, uma de suas fontes de informação. O sigilo da relação entre esses dois é protegido constitucionalmente, como entre outros, lembrou o decano do STF, Celso de Melo, e não pode ser revelado, se não tem nada a ver com o inquérito. A PF diz não ter revelado nada, o MP também, assim como o ministro Fachin. É como uma caneta que você deixa em cima da mesa, enquanto vai depressinha ali à sua biblioteca. Na volta, você pergunta a todos em casa se sabem quem a levou do lugar onde estava. Não foi ninguém, de onde se conclui que a caneta andou sozinha. Da mesma forma, a gravação. Foi parar no processo sem ninguém levá-la, foi andando.
          O importante, porém, é ter em mente isto: não poderemos superar a atual crise, herança do período petista de governo, sem o inflexível cumprimento da lei. A visão de Janot e da força-tarefa da Lava-Jato, sobre imaginada podridão de todo os agentes públicos, com exceção dos membros do MP, hipótese não provada pela experiência histórica, além de errada, é perigosa, porque, uma vez eliminada a atividade política, estará morta a democracia. O combate à corrupção não pode se confundir com missões evangélicas nem com fanatismos religiosos, em especial se seus entusiastas nunca passaram pelo teste do mundo real. Precisamos não de procurar santos com uma lanterna no meio do dia, mas de sólidas instituições, desenhadas para resistir à falibilidade humana.

22 de maio de 2017

Força, Temer

Por Luiz Alfredo Raposo
O caso é o seguinte: Temer vinha trabalhando direitinho. Tinha a agenda certa e estava a realizá-la com habilidade. Resultado, o temporal aos poucos se dissipava: a produção ensaiava uma recuperação, depois de nove trimestres seguidos de queda contínua; a inflação anualizada despencara dos dois dígitos, em 2015, para pouco mais de 4%; as demissões estancaram, e, em fevereiro e abril, o quadro até se reverteu. Faltava, para dar força e estabilidade ao movimento de recuperação, resolver a grave questão do déficit primário crescente, diluvial que apareceu, desde 2013-14, no Orçamento da União (e dos Estados). Déficit que contamina a economia, desencorajando os investimentos e o próprio consumo de bens duráveis. E que levou à queda desastrosa da demanda e à crise econômica.
A solução era uma reforma previdenciária, que atenuasse o crescimento da despesa-mãe desse déficit, a despesa previdenciária. A demografia passou a trabalhar contra e, agora, a onda de pessoas chegando à idade de aposentadoria supera cada ano mais o contingente dos que chegam à idade produtiva (e isso, prevê o IBGE, vai durar uma geração). E, o que é ótimo, mas tem implicações sobre as contas da Previdência, os aposentados vivem cada vez mais: passam mais tempo nas costas dela. Deselegante um programa mata-velhos (tipo aposentadoria por dez anos), o jeito era a reforma nas regras, que levasse a um adiamento da aposentação e, sobretudo, a uma redução da média dos benefícios.
Particularmente grave é a situação da Previdência pública, onde a aposentadoria média é de sete vezes a média do INSS. Para operar a redução, era forçoso um rebaixamento de teto e o governo, corajosamente, propôs para o funcionalismo o mesmo teto do INSS. Aposentadoria maior? Paguem os interessados um plano de previdência complementar, nos moldes do que eu, funcionário de carreira de uma estatal, pago há 40 anos, mesmo já aposentado. E me consome perto de 11% do complemento.  Isso, é claro, mexe com a alta burocracia: juízes, procuradores, delegados, auditores etc. Não obstante a previsão de um período de transição, que cobra pouco dos que já atingiram a reta de chegada. Mas a grita tem sido grande contra “a perda de direitos dos trabalhadores”, embora os direitos que a reforma atingirá sejam esses, da camada mais alta, em geral esclarecida e progressista, alistada na luta contra as desigualdades sociais...
Era preciso também favorecer a empregabilidade, modernizando a legislação. Editada 70 anos atrás, ela hoje dificulta de tal forma o emprego que, no momento atual, em que a produção se recupera, o contingente de desempregados continua a aumentar. Em particular, o movimento de contratações ainda é nulo, quando a economia já cresce a um ritmo superior a 1% a.a. Pois bem, É DESSAS MEDIDAS E DE OUTRAS DO TIPO QUE DEPENDE NOSSA VIDA, NOSSO BEM-ESTAR! O governo atual teve a coragem de apresentar propostas em favor das quais, nos anteriores, apenas algumas vozes isoladas falavam timidamente. No Congresso, elas foram bastante “abrandadas”, à custa de muita negociação. A previdenciária, na versão final, já chegou a ser chamada de meia-reforma... É a possível, foi a constatação do governo.  Ficaram, neste mês de maio, prontas para serem votadas. E é aí que se desfere o golpe que põe o governo e o país em knock down.
Como foi? Um empresário sob investigação, conhecido como grande financiador de políticos (sua lista contém cerca de 1.900 deles), resolve no passado mês de março fazer uma delação premiada. Jogo interessante entre o crime e a Justiça, que começa por uma proposta desta: me descobre um crime encoberto de alguém, e eu te dispenso de pagar por crimes teus já descobertos. Os estatísticos do futuro vão se divertir, calculando a taxa de impunidade associada a esse jogo. Enquanto isso, a delação vai se enriquecendo de variantes e modalidades. Assim é que, segundo a versão mais difundida (há outra que inverte a ordem dos eventos), o tal empresário, assinado o contrato, consegue de um juiz da Corte Suprema autorização para ESPIONAR o presidente da República. Não é estranho? Esse juiz, dada a gravidade do fato, apesar de pessoal e sigilosa a atribuição, deveria pelo menos ter consultado antes a presidente do STF. Ou algum colega de reconhecida serenidade e discrição. Consultou? Não há notícia, até prova em contrário concedeu sozinho essa autêntica carta de corso. Fosse o tal empresário apresar o que encontrasse. Ao que tudo indica, prometia ele provas do envolvimento do presidente em safadeza grossa, no âmbito da Lava Jato. E, não bastasse a autorização recebida, ainda lhe foram oferecidos pela PGR e PF treinamento e meios para realizar sua operação. Tudo preparado com minúcias de folhetim, cuidados de diretor montando uma cena de novela de TV. Não é estranho?
Solicitado, depois de alguma relutância (confessa o delator), o presidente recebe-o em casa para uma conversa informal, tarde da noite. E a paixão anti-Temer vê crime no fato de o presidente receber o delator, receber em casa, receber informalmente, em horário avançado. Crimes novos, nunca dantes cogitados, acautelem-se os cidadãos. Agora, há o crime de receber, de ouvir e até de admitir visitas depois do horário costumeiro... Quem cogita a hipótese de terem tais circunstâncias sido ditadas pela agenda do chefe do Executivo, que não se sabe quão sobrecarregada estava?   Mas o certo é que o delator volta com uma gravação, e o que se ouve? Trechos de uma conversa protocolar, onde a primeira palavra do delator é declarar o caráter de cortesia da visita  e contabilizar o “muito” tempo, desde o último contato pessoal entre ambos. E o presidente já se livra aí, pelo menos para mim, da suspeita de uma societas sceleris, de uma éntente criminosa permanente com o delator. Dois sócios em qualquer atividade não passam tanto tempo assim sem se falar...
Depois, o delator se queixa de dificuldades de atendimento no BNDES. Queixa sintomática, sinal de que os tempos não são mais aqueles em que ele levantou bilhões de reais para se expandir, comprando empresas (investimento financeiro tradicionalmente fora do escopo do Banco e fora do Brasil, mas tornado usual na era dos campeões nacionais). Faz também alguns pedidos. O presidente transfere-os para um assessor. Um governador, um prefeito de qualquer cidade maior que faria num caso assim? Pegaria a caneta, iria preencher formulários e despachar os pedidos, responder diretamente às reclamações? Claro que não, faria o mesmo que o presidente E o presidente declarou sábado que nenhum desses pedidos foi atendido. E isso não foi negado até aqui. Onde, então, qualquer jogo de favores?
E vem, agora, o ponto crucial. Começa o delator a falar do “Eduardo” e, após referir uma mesada que estaria lhe dando (a fita fica meio obscura porque há ruídos e não se tem a contextualização do caso), ouve do presidente algo que soa como uma aprovação. Pronto, era a prova criminis esperada, pelos investigadores. E eu acho estranha essa prova. Se o delator contou o fato, o presidente claramente não sabia dele. E se falou de doações até prova em contrário sem fins ilícitos, não ver nelas nada grave tampouco configura crime. Nem uma ordem: o delator já estava contando o que fizera, sem precisar de ordem ou pedido algum.
Além do mais, aceitar tal “prova” remete universo do contrafactual. O que a imprensa divulgou, nos últimos meses foi, um, que a Justiça decidira negar a Cunha o benefício da delação premiada. Marcá-lo para exemplo e escarmento das gentes, mantê-lo até o fim seus dias no xilindró, para que todos se convençam de que, doravante, corrupção ativa ou passiva é crime que não compensa neste país. Dois, que, bloqueados seus bens e disponibilidades, estaria ele sem recursos para o pagamento dos advogados.
Suponhamos, porém, a pior hipótese: que o presidente temesse que Cunha, com ou sem delação, resolvesse abrir a boca para acusá-lo (de que?): quando é que isso aconteceria? Se demorasse um mês, já encontraria sua missão presidencial praticamente cumprida, aprovadas as reformas. Donde se conclui que não poderia um escândalo desses ter chegado em tão boa hora para os opositores. Ainda a tempo de defenestrar Temer e enviar seus projetos das reformas para o arquivo morto da história.
Mas, o mais estranho de tudo é que, dada (ou não) a ordem de espionagem, um juiz aceite como válida e se apresse em dar a público uma gravação que não atende ao requisito da lei: servir de instrumento de defesa ao delator. Em nenhum momento aparece ele sob ataque, sofrendo chantagem ou recebendo “cantadas” para praticar alguma imoralidade. Só uma explicação me ocorre: o ministro Fachin, nesse período, andou possuído de uma fúria punitiva como quase nunca se vê na proba carreira de um magistrado como ele. Talvez também tenha tido ganas de provar à opinião pública o poder de protagonismo do STF, algo obscurecido pela ação da Lava Jato. As reformas, o Brasil, o Brasil que se exploda, como diria aquele personagem humorístico.
Ah, numa hora dessas nem o humor negro se permite. O jovem Nietzsche ficou famoso com sua tese doutoral, intitulada O Nascimento da Tragédia. Enquanto escrevo, estou a acariciar a lombada do exemplar que possuo, em edição espanhola da Alianza Editorial. Nela vem a explicação: fatalistas como eram os gregos, para eles a tragédia se dava quando os personagens entravam em luta, movidos por paixões contrárias a seus interesses, a suas pulsões vitais. O Brasil vive à beira dessa hora agônica.  Dançam e cantam os adversários em volta de um governo ferido, dando como certo que liquidarão, com sua vida, sua obra nascente. Se tiverem forças para tanto (e brigo e rezo para que não tenham), e completarem esse trabalho, depois as paixões impedirão a saída. Procurarão o santo homem que nos redima, mas mesmo que o encontrem, é certo que seu caminho será de pedras. A santidade o perderá. E eu me lembro daquele que os cristãos consideram o santo dos santos e se findou numa cruz, entre dois malfeitores. Por decisão dos eleitores, que preferiram Barrabás... E o Barrabás de hoje poderia ir flanar livre e leve pelas ruas de Nova Iorque. Seja lá como for, uma coisa é certa: perpetrada uma enormidade dessas, o Brasil, com todos nós dentro, no prazo de cinco anos, regressará ao caos bíblico original. Podem anotar.
Recife, maio/2017

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