31 de agosto de 2005

Letras em Festival

Jornal O Estado do Maranhão   
O Festival Geia de Literatura realizado entre os dias 24 e 26 deste mês na cidade de São José de Ribamar veio preencher carência de nossa vida cultural. Não digo ser dos intelectuais do Estado, ou apenas deles, esse antigo desejo de realização de eventos como esse, porque seria tornar simplista uma questão melhor compreendida se atentarmos para tradição que, mesmo rica, sofre processo, já secular de – usemos a palavra certa – decadência.
A verdade é esta. A partir da expansão econômica do fim do século XVIII, surgiu no Maranhão um grupo brilhante na literatura, na historiografia, nas ciências, nas artes plásticas, com personalidades como Odorico Mendes, João Lisboa, Sotero dos Reis, Gonçalves Dias, Joaquim Serra, Henriques Leal, Trajano Galvão, Gentil Braga, Sousândrade. Depois, apareceram nomes como Artur Azevedo, Aluísio Azevedo, Raimundo Correia, Graça Aranha, Humberto de Campo. Foram tais figuras, ou muitas delas, especialmente as primeiras, que deram importância à cultura do Maranhão, como se brotassem do nada dos séculos anteriores.
Longe estou de afirmar que, de repente, após aqueles precursores, deixaram de nascer aqui artistas de talento e importância na cultura brasileira. Josué Montello, Ferreira Gullar, Bandeira Tribuzi, José Sarney, Lago Burnet, Oswaldino Marques, Franklin de Oliveira, Odilo Costa, filho, José Chagas, Jomar Moraes, Nauro Machado, Luís Augusto Cassas são prova do erro de se pensar assim. Faço afirmação diferente. A partir do início da época de grande crescimento originado no sucesso das políticas mercantilistas de Pombal, implantadas no século XVIII pela Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, consolidaram-se as pré-condições materiais que possibilitaram o surgimento daqueles intelectuais, fundadores das glórias herdadas por nós.
Eles eram vistos como um grupo representativo de nossa cultura, expressão de nossas especificidades, típicos de nossa maneira de ser. Muitos deles, estudaram em Portugal, mas retornaram ao Maranhão, mantendo em São Luís um universo cultural, em boa medida, integrado. Era assim não apenas por serem da mesma geração ou de gerações próximas, mas por serem produto do mesmo fenômeno sócio-econômico por que passava o Maranhão. Os sucessores, partir do século XX, já não tinham as mesmas condições de permanência, eram brilhos isolados, ilhas em vez de continente. A base material fora erodida, num processo principiado bem antes, da mesma forma que, no início, os brilhantes pioneiros apareceram somente após uma defasagem em relação ao começo do enriquecimento de então, que se revelaria dependente e frágil mais tarde. O excedente econômico que tornava possível ao estamento local dar refinada educação a seus filhos murchou. Daí veio a prolongada decadência.
Ao dizer isso, não me filio à interpretação marxista vulgar, de uma relação direta de causa e efeito entre a infraestrutura econômica e a superstrutura da sociedade. Destaco apenas a base material como condição necessária, mas não suficiente, para um processo de crescimento gerar bons resultados superestruturais. Ela cria as condições, mas os resultados são contingentes..
Imagino que alguns, ou muitos, não concordarão com minhas observações. Um debate sobre o assunto deveria ser feito em profundidade. No entanto, não se encontram em nosso meio as condições e as instituições para tal empreitada, embora não nos faltem pessoas qualificadas. É por isso, entre outras coisas, que o Festival Geia é importante. Ele poderá se constituir em espaço de discussão séria e consistente sobre nossos problemas culturais e, em particular, nossa literatura. Assim, diferentes visões sobre a natureza do fazer poético e da poesia, sobre o romance, o conto, a crônica e o teatro, sobre a história da nossa literatura, artes plásticas e música, sobre as tendências recentes de todas essas manifestações no mundo moderno, poderão ser discutidas, tirando-nos do marasmo e da obsolescência em que vivemos e da condição de ilha cultural, longe do mundo e da dura realidade de nosso povo, mas perto de um passado vislumbrado como época de ouro, a nos impedir de olhar o futuro.
O encontro formará, por certo, uma tradição, pois será realizado anualmente na última semana de agosto, apesar da maledicência do provincianismo ressentido, desejosa de que os acadêmicos da Academia Maranhense de Letras rejeitassem a oportuna, bem-vinda e meritória iniciativa do Instituto Geia. A atitude é, em parte, o resultado da falta do hábito de debate informado de parte dos membros dessa falange da ignorância. Velho hábito. O Festival poderá ajudá-los a desenterrar o pescoço de avestruz, daqui por diante.

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