6 de fevereiro de 2005

Carnaval sem Malho

Jornal O Estado do Maranhão
O leitor deve se lembrar da novidade do Carnaval do ano passado aqui em São Luís: o Rei Momo malhado. Não se lembra? O caso foi este. Inventaram que essa simpática e redonda figura da nossa tradição teria de ser soberano de academia de musculação, forte e atlético, e não do tipo bom de boca como ele deve ser. Eu protestei contra a novidade, que me parecia antidemocrática, com o argumento de que apenas um pequeno número de pessoas, uma minoria privilegiada, teria a capacidade ou a vontade para obter, pela freqüência a caríssimas academias, um corpo malhado capaz de dar a seu dono o direito de candidatar-se ao trono, caso a infeliz inovação imperasse.
A maioria, sim, tem a seu alcance a democrática possibilidade, em verdade a extraordinária facilidade, de engordar e, portanto, de concorrer ao “cobiçado título”, como dizem os locutores esportivos. Dizia eu ainda: “Estamos, assim, diante de uma redução da oportunidade do cidadão comum de chegar à realeza e, por conseguinte, de um cerceamento do espírito democrático da nação brasileira.” Essa é, ainda, minha opinião. Por isso, a volta este ano ao Rei antigo é bem-vinda. Nada de malhação no Carnaval.
Posso dar exemplo do espírito democrático da escolha do Momo clássico, ao mencionar o regulamento deste ano para a eleição do Rei, em São José dos Campos, São Paulo. Puderam participar, no dia 15 do mês passado, qualquer cidadão natural da cidade, com no mínimo 1,60 m de altura, 100 kg de peso, certo “espírito carnavalesco” e “desembaraço social”.
Ora, haveremos de concordar que os pré-requisitos relativos a altura e peso são cumpridos com folga por qualquer um do povo. Isso é ou não é democrático? Todos podem participar, ninguém se sente excluído da alegria, um pária carnavalesco, sem chance de apreciar as delícias do verdadeiro divertimento real durante o chamado “tríduo momesco”, que hoje em dia não é mais tríduo coisa nenhuma, pois dura mais, até, do que a própria Quaresma. Tudo seria bem diferente, porém inteiramente antidemocrático, se a esdrúxula exigência da malhação se impusesse, pois se eliminaria instantaneamente da competição uma percentagem altíssima da população que jamais terá músculos minimamente semelhantes aos do governador da Califórnia, Arnold Swartzeneger, famoso exterminador.
O “espírito carnavalesco” e o “desembaraço social”, com certeza exigências também em nossa cidade, são atributos naturais dos candidatos tradicionais. Se o leitor prestou atenção, não pôde deixar de notar no Momo malhado de 2004 seu ar mais marcial do que carnavalesco e a falta do desembaraço social exigido dos pretendentes ao manto da realeza. Em contraste, é bem conhecida a propensão à alegria, bom humor e descontração dos potenciais momos, como demonstrado, aliás, dias atrás, durante a escolha do soberano Herberth Matos, de 140 kg, e das belas rainha, Kelen Muniz, e princesas, Joelma Sousa e Paula Jordana. Ele sambou com muita, vamos dizer, leveza. Um malhado faria o mesmo? Duvido. Herberth venceu Veiga Júnior, sete vezes rei, mas não no ano passado, o da malhação. Veiga jamais perderá a majestade, estou seguro.
Mas, ainda que não fosse justa como é, a volta do Rei tradicional está de acordo com os tempos, um grande feito quando se vê tanta coisa fora de seu tempo. Conforme o IBGE, 40,6% dos brasileiros adultos têm peso acima do ideal. O Rei Momo está, dessa forma, na companhia de um monte de gente. O presidente Lula mesmo faz parte desse grupo, pois precisa perder peso a fim de usar com um mínimo de conforto a cama do novo avião presidencial, segundo o comandante da Aeronáutica. Haverá aval de maior peso do que esse, do próprio presidente da República, para a os 140 kg de pura gordura de Herberth e de todos os Momos de verdade?

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