29 de janeiro de 2006

Presidente Jomar Morais

Jornal O Estado do Maranhão

Cumprem-se na próxima quinta-feira, dia 2 de fevereiro, 22 anos da posse de Jomar Morais, como presidente da Academia Maranhense de Letras, em solenidade realizada também numa quinta feira. O presidente que sai recepcionou na Academia o que entra agora, Joaquim Itapari, em 1987 e, por coincidência, o professor Luís Rego, substituído na Presidência pelo primeiro, o foi na Cadeira No 4 pelo segundo Daí se pode perceber os vínculos que unem Jomar e Itapari. Um, vínculo da amizade e outro, do destino.
A nova Diretoria, da qual sou o Secretário Geral, receberá naquela data uma instituição admirada pela sociedade, como dá prova o interesse de nela tomar assento de parte de muitos intelectuais maranhenses.
A imensa contribuição de Jomar à vida intelectual do Maranhão e à AML, pela qual tem amor verdadeiro e à qual dedicou grande parte de seu tempo, talento e recursos pessoais durante todos estes anos, não termina na semana vindoura. Seu trabalho começou antes de sua posse na Cadeira No 10 e continuará até que humanas limitações o impeçam, em distante futuro, como nos impedirão a todos, em dia incerto do nosso destino certo, de continuar sua vocação de enriquecer nossa cultura, missão que dará frutos mesmo após esse dia, porque sua obra de ensaísta, biógrafo, historiador, cronista e editor permanecerá exemplar. Serão, aquelas limitações, as únicas forças capazes de impedi-lo de continuar sua tarefa. Não as incompreensões, não as paixões do momento, não os preconceitos, sentimentos humanos, por certo, com os quais não nos deveríamos surpreender.
Jomar tem uma trajetória de vida admirável. Iniciou a vida profissional como soldado da Polícia Militar e tornou-se delegado em Buriti Bravo, numa época em que a sociedade não fazia o juízo positivo de hoje sobre a instituição. Foi aprovado em concursos dos Correios, órgão em que atuou como postalista, da Secretaria de Fazenda do Estado, tornando-se auditor fiscal, e da Universidade Federal do Maranhão, sendo admitido lá no cargo de procurador. Adquiriu conceito de administrador eficiente de órgãos culturais como Biblioteca Pública do Estado, Departamento de Assuntos Culturais da Fundação Cultural do Maranhão, Sioge – Serviços de Imprensa e Obras Gráficas do Estado, Departamento de Assuntos Culturais da Ufma e Secretaria de Cultura do Estado.
Ele é formado em direito. Seu ingresso na Ufma se deu em seguida a sua aprovação no antigo exame de Madureza o que lhe deu a oportunidade de fazer o vestibular para a Universidade que foi, assim, a única escola formal freqüentada por ele.
Jomar ingressou na AML em 1969, apenas dois anos depois de deixar a Polícia Militar, enfrentando, de poucos é verdade, olhares enviesados e pontas de narizes levantados. Esses viam seu começo humilde como uma espécie de pecado mortal sem perdão. Mas, quantos deles, em verdade, seriam capazes de elevar-se como ele, com tanta determinação, competência e mérito?
Deu visibilidade à Casa, recuperou suas instalações, reorganizou seus registros históricos, implantou vigoroso programa editorial que possibilitou a publicação de importantes obras de nossas historiografia e literatura do século XIX e do XX e, sobretudo, seguiu com rigor o ditame do Estatuto da AML, de desenvolver a cultura e defender as tradições maranhenses.
Lançará este ano a terceira edição do Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, de César Marques, trabalho monumental de edição, com mais de mil notas, que exigiria equipe compostas de muitos especialistas, mas que foi levado adiante por ele sozinho. Nessa tarefa colaboro na elaboração do índice remissivo.
Já é bem visível a marca indelével deixada na cultura do Maranhão por Jomar. Sua obra e sua vida o colocam entre os nossos maiores de todos os tempos.

22 de janeiro de 2006

TIM, sem tintim



Jornal O Estado do Maranhão

Consumo e dor. O consumidor obtém apenas isso no mercado, sumidouro de sua dignidade e paciência, quando ele tem de lidar com empresas de telefonia.
Fizemos, como já disse antes aqui, progresso no Brasil com a privatização do setor. Dessa forma, milhões de brasileiros tiveram oportunidade de possuir telefone a preços razoáveis. Antes, o serviço era privilégio de gente bem de vida.
O outro lado da moeda, lembrei ainda, seria o risco de violação dos direitos do consumidor pelas concessionárias, grandes multinacionais, cujo imenso poder de mercado deriva de seu tamanho, se se confirmasse a hipótese provável de o governo não aplicar com rigor a legislação contra as tendências oligopolísticas delas. Uma das práticas que incentivam comportamento como esse é a chamada fidelização, injustificada imposição pela qual o assinante não pode desistir da utilização de sua linha antes de certo tempo, sob pena de multa, ainda que insatisfeito com os serviços. Um tipo de noivado forçado. Dele nunca resultará um casamento feliz. Tal procedimento está sob questionamento na justiça, mas não pela Anatel, órgão encarregado de fiscalizar o setor.
O que se vê é clara postura de arrogância das telefônicas e de completa desconsideração pelo consumidor. Permito-me citar um exemplo que conheço de perto, o da TIM, pois me tornei sua vítima ao pedir o cancelamento de linha de celular na semana passada.
Menciono logo a irritante insistência dos atendentes em oferecer a quem deseja cair fora da TIM vantagens mirabolantes, na esperança de evitar a migração do cliente. Eles criaram, e criam, constrangimentos, pela insistência nas ofertas e, o que é pior, sempre falam em “gerundês (“vou estar providenciando”), idioma aparentado do português e falado por naturais da Gerúndia, de onde emigraram para os call centers brasileiros.
Quando pela primeira vez atenderam, pediram para eu ligar mais tarde, pois um tal “sistema”, entidade misteriosa e onipotente, estava sobrecarregado. Depois de três tentativas, um “consultor” atendeu. No meio da conversa a ligação foi interrompida. Por quem, não sei. Mais duas investidas, e alguém disse que ia “estar transferindo” a chamada para outro setor, esse sim, encarregado de atender o pedido. Houve nova interrupção nesse momento e por mais três ou quatro vezes depois. Eu havia começado às nove da manhã e já estávamos às quatro da tarde. Em minha opinião a empresa estava criando barreiras à minha desistência.
No dia seguinte, acompanhado de meu advogado, Hiram de Jesus Miranda Fonseca, fui a um posto da TIM entregar o pedido escrito. Um rapaz nos atendeu e informou que o gerente estava em reunião fora, porém, pressionado, mudou de conversa. O chefe estava na loja. Foi ao gabinete do ausente-presente e voltou com uma informação que, a princípio, pareceu brincadeira de mau gosto, contudo verdadeira, lamentavelmente. Eu deveria fazer a solicitação de próprio punho, em plena era da informática, da qual a empresa depende para tudo. Repito. Eles disseram não aceitar documentos preparados em computador e assinados, queriam um manuscrito. Se parece difícil de acreditar é porque é, sim, inacreditável. Entregamos o impresso, afinal recebido e recibado.
Se essa história não caracteriza tentativa de impedir o consumidor de exercer o direito de cancelar um contrato que já não lhe interessa, então não sei mais distinguir práticas honestas daquelas desonestas. Não é crível que uma telefônica que diz usar tecnologias avançadas tenha uma rede de comunicação cujas ligações caem a toda hora e, ademais, possa habilitar uma linha em 10 minutos, mas não desabilitá-la em 24 horas. Até quando esse pessoal continuará impune, apesar desses abusos?
Não há razão para comemoração. Nada de tintim com essa TIM.

15 de janeiro de 2006

Questão de fé

Jornal O Estado do Maranhão
 
Ofereço ao preço de, apenas, dez minutos de leitura e paciência, corrente que recebi de leitor anônimo. Ela é autêntica e não transitou nessa internet cheia de vírus e dos tais programas-espiões que infernizam a vida dos usuários. Para chegar a milhares de lares, passou tão-só pelo correio tradicional e pela infinita credulidade humana. Eis a peça, como a recebi na passagem do Ano Novo.
“O original desta corrente está num cofre-forte do PT em São Paulo, mas suas cópias rodam o mundo inteiro. Ao enviá-la você vai ter muita sorte. Não mande dinheiro, principalmente se for em real. A felicidade não tem preço, a não ser em euro. Envie você mesmo 1.321 cópias pelo correio pra pessoas azaradas. Não ignore esta carta, ela deverá ser enviada em no máximo 23 horas e14 minutos. Isto não é brincadeira nem superstição. É uma corrente enérgica ou energética, não sei bem, tem alguma coisa com energia positiva.
Saddam Hussein recebeu, não deu importância e ainda mandou colocar ela no banheiro de um dos seus palácios para ele mesmo usar. Uma semana depois, sentado num de seus tronos, as bombas quase acertam ele. Ele teve de correr pra lá de Bagdá e se esconder num buraco, mas foi preso pelos americanos. Agora na prisão ele conseguiu enviar algumas cópias e dizem que nos próximos dias vai fugir e sacar o dinheiro que ele roubou de suas contas na Suíça.
Paulo Coelho acreditou e mandou uma porção. Em poucos meses ele começou a vender seus livros de auto-ajuda no mundo todo e choveu dinheiro na conta dele. Depois entrou para a Academia Brasileira de Letras e hoje viaja pelo mundo todo dando palestras esotéricas, querendo ser mago ou magro, não estou bem certa.
Marta Suplicy recebeu esta corrente e guardou. Ainda hoje, mais de um ano depois, chora a derrota na eleição para prefeito de São Paulo e a perda do emprego, mas não do marido argentino.
Luiz Inácio Lula da Silva no início não acreditou quando recebeu a corrente. Jogou fora e acabou sofrendo um acidente, perdendo um dedo da mão. Além disso, foi derrotado três vezes em eleições pra presidente. Um dia, procurando alguma coisa no seu armário de metalúrgico no ABC paulista, achou a corrente e mandou pra um monte de gente. Não demorou muito, tornou-se presidente do Brasil.
Os Telebãs do Afeganistão acharam que nada ia lhe acontecer se eles não mandassem a carta. Em menos de 24 horas aviões americanos estavam bombardeando se dó nem piedade seu país. Nunca mais se ouviu falar deles.
Fidel Castro, de Cuba, proibiu a circulação desta carta em seu país porque achava que ela tinha sido escrito por um agente da CIA. No dia seguinte ele levou uma queda, quebrou o joelho esquerdo e fraturou o braço esquerdo.
Um homem de Tucson, Arizona, rasgou a carta e tocou fogo nos pedacinhos. Perdeu o emprego, a mulher, os filhos, os amigos, o cachorro e acabou se suicidando. A viúva achou uma cópia e mandou para uma porção de gente. Recebeu o seguro de vida do falecido, que a seguradora não queria pagar antes, fundou uma igreja para ajudar as pessoas a ganharem o paraíso e perderem o dinheiro e hoje fatura uma pilha de dólares dos clientes.
Uma mulher foi pisada no dedão do pé por um elefante de circo, depois que ela ignorou esta carta durante um mês. Depois que foi buscar a carta e enviou para várias pessoas, curou o dedo, conseguiu realizar seu sonho de fazer uma operação plástica e hoje se considera a mulher mais sexy do mundo, mas os outros não.
Lembre que esta corrente chegou até você com muito amor. Não a despreze porque ela funciona mesmo. Se não funcionar é porque você não tem fé. Mande-a com todo seu amor. Faça como eu. Já gastei um bocado de dinheiro com o correio, mas um dia alguma coisa vai acontecer e eu vou pegar meu dinheiro de volta e muito mais”.
Questão de fé.

8 de janeiro de 2006

A outra metade

Jornal O Estado do Maranhão
Nísia Floresta Brasileira Augusta era o pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto, nordestina do Rio Grande do Norte. Ela viveu no século XIX e foi, no Brasil, pioneira na defesa dos direitos das mulheres, numa época de completo domínio dos pais, maridos e, até, irmãos sobre elas, que tinham alguns direitos básicos negados: os de se educar, votar e trabalhar fora do lar. Em sua maioria analfabetas, eram com facilidade controladas. A primeira obrigação delas era o de submissão à vontade masculina, imposição vendida como lei da natureza.
Nísia escreveu vários livros em português, francês e italiano, entre eles Direitos das mulheres e injustiça dos homens, de 1832, o mais conhecido, em que rejeita a superioridade masculina. Ela defendia a idéia de ser a educação feminina o melhor caminho de tornar as mulheres boas mães e esposas. Essa visão, hoje com ares de coisa retrógrada, representou no seu tempo um grande avanço, pois valorizava o papel social delas, que até então consistia tão só em conformar-se com o papel de procriadoras, de responsável na sociedade pela geração de numerosas proles.
Ao ler um artigo sobre Nísia, essa extraordinária figura do feminismo do Brasil, na Revista de História da Biblioteca Nacional, de dezembro de 2005, pude, por comparação com os dias atuais, ver o quanto se avançou na guerra à opressão contra as mulheres. Hoje, elas ocupam posição de destaque em quase todas as profissões, o que lhes permite ter um grau de independência inimaginável no século passado. Inimaginável no geral, pois sempre houve exceções, espíritos independentes, que desafiaram as regras e abriram caminho para mudanças mais adiante.A nova liberdade lhes deu a chance de, ganhando o próprio sustento, deixar um homem a quem já não suportassem. Hoje, elas participam da vida política do país, não apenas votando, mas sendo votadas para cargos no Executivo e no Legislativo, em todas as esferas de governo, atuam na vida econômica, com seus próprios negócios ou na função de executivas de grandes empresas multinacionais, e também nas profissões liberais a exemplo da medicina, odontologia, direito, ciência econômica, engenharia e muitas outras.
A despeito, todavia, do progresso, e descontados alguns equívocos do movimento feminista, como o do maniqueísmo de serem os homens a encarnação do mal e elas, do bem, temos muita luta pela frente. Na média, elas ganham menos do que os homens, por desempenho nas mesmas funções, sendo a situação mais injusta ainda com relação às negras, cuja remuneração é mais baixa do que a das brancas. De um modo geral, as mulheres, ao contrário dos seus companheiros, cumprem jornada dupla ou tripla porque passaram a trabalhar fora, mas não deixaram de fazê-lo em casa, no cuidado com os filhos, antes e depois do seu expediente profissional.
A resistência cultural é o maior obstáculo a mais avanços no curto prazo. O machismo, do qual elas mesmas não estão imunes, é a força de maior resistência contra alterações no statu quo. Vêem-se casos e mais casos de homens que, tendo se separado da mulher e permanecido sós, ou mesmo tendo constituído nova família, perseguem as ex-companheiras com a intenção de impedi-las de seguir o mesmo caminho, de refazer suas vidas com outros homens, sob ameaças de violência física e, até, de assassinato, como se elas fossem propriedade deles.  Violência, por sinal, que em diversos casos, na convivência diária, não é apenas física, mas principalmente psicológica e sexual, levando a todo tipo de humilhação.
É de lamentar que os governos tratem com descaso assunto tão importante na construção de uma sociedade saudável como Nísia desejava e todos nós desejamos. Afinal, trata-se de assegurar a dignidade para metade da humanidade, a metade melhor.

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