22 de maio de 2005

Tudo como dantes?

Jornal O Estado do Maranhão   
Para que nenhum corrupto ficasse com inveja dos semelhantes, três escândalos com agentes públicos apareceram esta semana ao mesmo tempo na imprensa. Gangues municipais, estaduais e federais fizeram, parece, um acordo pelo qual no momento em que uma turma fosse flagrada com a mão na cumbuca, as outras, a fim de demonstrar solidariedade profissional, arranjariam uma maneira de terem suas atividades também expostas ao julgamento público, mas não, se possível, ao julgamento da justiça que, lenta e burocrática, tarda e falha muitas vezes, punindo, de preferência, quando pune, pobres coitados sem dinheiro para contratar bons e, até, maus advogados.
No caso da corrupção federal, é de se imaginar que é pagão, pois não tem padrinhos, o malfeitor visível, mas não o mais importante, um sujeito chamado Marinho, funcionário dos Correios, que aparece recebendo propina de três mil reais numa fita de vídeo gravada por anônimo empresário. Sendo assim, não precisará, na possível vida eterna, se preocupar com punições a seu pecado, que, nos dias de hoje, de tão corriqueiro, já começa a parecer venial, ou mesmo um pecado virtuoso, porque, ao se aproveitar do cargo para proveito pessoal, demonstraria o corrupto não ser um “besta”, como são chamados os que não furtam nem deixam furtar.
O diretor ao qual ele é subordinado, acusado também de participar do esquema de roubalheira supostamente chefiado pelo deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, partido aliado do governo Lula, que prometeu, quando candidato, acabar, se eleito, pelo menos parte da corrupção endêmica do país, afirma mal conhecer Marinho. O travesso teria sido nomeado unicamente pelo seu currículo e porque o estatuto dos Correios exige a nomeação de um funcionário de carreira, como ele, para o cargo que ocupava até a semana passada.
O deputado afirma, sem corar, se lembrar apenas vagamente do parceiro. Deve ter tido uns dois encontros rápidos com ele – é difícil lembrar de detalhes tão triviais quando se pensa o tempo todo nos altos interesses nacionais –, talvez num aeroporto da Europa, possivelmente em Paris ou Londres, quando ambos, com razão preocupados com a situação da economia européia e seus reflexos no Brasil, foram verificar de perto como as coisas andavam. O certo, porém, é que esse Marinho, ajudado por seus bons companheiros, e apesar do nome, não tem nada a ver com o mar nessas atividades em que, assim mesmo, não é marinheiro de primeira viagem. Seus interesses são de terra firme ou de firmas de terra.
No campo estadual, deputados de Rondônia aparecem em outro vídeo, gravado pelo próprio governador do Estado, pedindo dinheiro a ele, acusado por sua vez de umas tantas traquinagens com o orçamento estadual, em troca de apoio para evitar sua cassação pela Assembléia Legislativa. Raro e edificante espetáculo de cumprimento de dever cívico. Mas, o restante dos deputados deve ser de pessoas comprometidas com a promoção do bem público. Não há motivo, portanto, para duvidar da “rigorosa apuração” que eles prometem fazer.
Fechando o deprimente espetáculo, houve, na esfera municipal, o desfile, na televisão, de ex-prefeitos e prefeitos algemados pela polícia, acusados de desviar recursos da saúde e da merenda escolar nos seus municípios do Estado de Alagoas. Assalto como esse é novidade?
Essa triste realidade reflete um aumento na corrupção durante o governo do novo PT ou apenas uma percepção mais aguçada sobre ela? Seja qual for a resposta, se o passado se repetir, como tem se repetido, haverá muita encenação, porém pouca ação contra os corruptos. Alguma coisa mudará, para que tudo continue como dantes nesse quartel de Abrantes? Ou a CPI em criação no Congresso e outras investigações darão algum resultado? Vamos aguardar.

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