24 de outubro de 2004

Bolsa-Escola

Jornal O Estado do Maranhão 
Voltam às manchetes novas denúncias de irregularidades em programa social do governo federal. Não é a primeira vez nem será a última, afirmação que faço na suposição de o conhecimento do passado servir, na maioria das vezes, para imaginar o futuro, se, como neste caso, as condições político-sociais que produzem uma situação vexatória como essa não mudarem.
Desta vez é o chamado Bolsa-Escola, atualmente parte do Bolsa-Família, destinado a incentivar monetariamente a matrícula de crianças na escola. Pelo andar da carruagem, ele poderia mudar o nome para Bolso-Escola, pois, ao colocar dinheiro no bolso de quem já tem uns trocados, deixa de colocá-lo no de quem anda com a bolsa vazia, mas, por isso mesmo, não pode ter seu direito de embolsar alguma educação negado por causa de sua pobreza.
A Bolsa vem das tetas do governo e vai parar ou passear no bolso dos bem escolados. Esse pessoal merece mesmo é bolsadas, mas com bolsas cheias de pedras, para ver se tudo que não presta sai de suas cabeças de gente sem educação moral. Só assim conseguiríamos acabar com os tais bolsões de analfabetismo.
Esses programas em geral apresentam resultados pífios por duas razões.  Primeiro, suas ações não atingem o alvo, devido a erros de planejamento em que os beneficiários são definidos incorretamente em relação aos resultados desejados. Segundo, porque durante sua operacionalização, os recursos são desviados de suas finalidades, não se excluindo a ocorrência simultânea das duas causas.
Exemplo da primeira situação está justamente no ainda Bolsa-Escola. Segundo ampla avaliação feita por Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE e presidente do Instituto do Trabalho e Sociedade, sua concepção peca por concentrar esforços nos grupos com menor necessidade de incentivo a matricularem-se na escola. A ênfase, segundo os dados levantados, foi colocada nas crianças de 7 a 13 anos. Mas, vejam só, elas já tinha taxa de escolarização de 95% antes de sua inclusão no programa. No entanto, as de 5 e 6 anos e as de 14 ou mais são as mais necessitadas daquele estímulo, por terem previamente taxas de escolarização bem menores do que as crianças da faixa de 7 a 13.
O mal emprego dos dinheiros públicos, por sua vez, tem origem tanto na pura e simples ineficiência da burocracia estatal quanto na corrupção alimentada pelo sistema político-social, uma coisa reforçando a outra. Quem já teve a oportunidade de lidar com um desses programas pode perceber como as infernais exigências burocráticas parecem regras feitas por marcianos para marcianos e não para pobres terráqueos pobres, incapazes sequer de entender o exigido deles em termos de papelada inútil.
Certa vez, quando eu dirigia um órgão público, recebi a visita de um representante do Banco Mundial. Ele descreveu as maravilhas de um programa social, notoriamente ineficiente, financiado pelo Banco. Ao final de sua pequena palestra, eu lhe disse que, na hipótese de a mim ser dado o poder de determinar a melhor forma de aplicação daqueles recursos, eu os colocaria em um helicóptero e mandaria jogar o dinheiro nos locais de moradia dos potenciais beneficiários. Eles colheriam mais benefícios, dessa maneira, do que através da burocracia montada com o fim de supostamente administrar o programa.
Não quero dizer que esses programas não dão resultado algum. Dão alguns, como mostra a própria avaliação de Schwartzman. Contudo, poderiam ser mais eficientes, se esses distorções todas pudessem ser eliminadas, eliminando-se do nosso meio a cultura do roubo, da vantagem a qualquer preço e da indiferença aos problemas sociais. Quanto a mudanças na natureza das atividades estatais, tendente à ineficiência e à corrupção, não se pode ser minimamente otimista.

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